“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Como Serra Leoa foi sabotada

terça-feira, 11 de abril de 2023

 

Freetown, a capital de Serra Leoa, foi fundada no fim do século XVIII como um lar para escravizados repatriados e libertos. Gradualmente, a partir da segunda metade do século XIX, os britânicos estenderam seu domínio para o interior de Serra Leoa por meio de uma longa série de tratados com governantes locais. Em 31 de agosto de 1896, o governo britânico declarou a colônia africana um protetorado com bases nesses tratados. Os britânicos identificaram governantes importantes e deram a eles um novo título: chefe supremo. Em Serra Leoa oriental, por exemplo, no atual distrito de mineração de diamantes de Kono, encontraram Suluku, um poderoso rei guerreiro. O rei Suluku foi transformado em chefe supremo Suluku, e a região de Sandor foi criada como unidade administrativa do protetorado.

Embora tivessem assinado tratados com a administração britânica, reis como Suluku não haviam compreendido que isso lhes daria carta branca para a implantação de uma colônia. Quando os britânicos tentaram cobrar um imposto domiciliar - um tributo de cinco xelins por casa -, em janeiro de 1898, os chefes deram início ao que se tornou conhecido como Rebelião do Imposto Domiciliar. Tal rebelião logo foi suprimida, mas os britânicos perceberam que dominar o interior de Serra Leoa seria desafiador. Eles já haviam começado a construir uma ferrovia de Freetown para o interior, mas o trajeto precisou ser alterado.

Quando Serra Leoa conquistou sua independência, em 1961, os britânicos passaram o poder para Sir Milton Margai e seu Partido do Povo de Serra Leoa (PPSL). O primeiro-ministro que lhe sucedeu foi Sir Albert Margai, em 1964. Em 1967, o PPSL perdeu por pouco para o Partido do Congresso de Todos os Povos (PCTP), da oposição. Seu líder era Siaka Stevens, um limba do norte.

Embora a ferrovia rumo ao sul tivesse sido planejada pela ex-metrópole para facilitar seu domínio sobre Serra Leoa, em 1967, seu papel era econômico, transportando a maior parte das exportações do país: café, cacau e diamantes. Os fazendeiros que plantavam café e cacau eram mendes, e a ferrovia era a janela Mendeland para o mundo. A Mendeland votou em massa em Albert Margai nas eleições de 1967, pois Stevens estava muito mais interessado em manter o poder do que em promover as exportações da região. O raciocínio de Stevens era de que tudo que fosse bom para os mendes beneficiaria o PPSL e ruim para seu projeto político. Portanto, bloqueou a linha ferroviária para a Mendeland. Depois disso, vendeu os trilhos e os trens. Ainda hoje, viajando de carro, é possível avistar as estações ferroviárias dilapidadas de Hastings e Waterloo. Não há mais trens para Bo.

O gesto drástico de Stevens prejudicou parte dos setores mais vibrantes da economia de Serra Leoa. Mas, como aconteceu com muitos outros líderes da África pós-independência quando tiveram que optar entre consolidar o poder e incentivar o crescimento econômico, Stevens ficou com a primeira opção e deu o assunto por encerrado.

Num primeiro momento, a decisão de Stevens parece contrastar com a estratégia dos britânicos. Na verdade, porém, existe um grande grau de continuidade entre o governo metropolitana e o regime de Stevens que serve de exemplo da lógica dos círculos viciosos. Stevens governou Serra Leoa extraindo recursos de seu povo por meio de métodos semelhantes. Ele ainda estava no poder em 1985, não por ter sido reeleito pela população. A partir de 1967, ele estabeleceu uma ditadura violenta, matando e assediando adversários políticos, em especial os membros do PPSL. A partir de 1978, Serra Leoa passou a ter apenas um partido político, o PCTP do ditador. Dessa forma, Stevens foi bem-sucedido na consolidação de seu poder, ainda que ao custo de empobrecer grande parte do interior do seu país.

ACEMOGLU, Daron & ROBINSON, James A. Por que as nações fracassam - as origens do poder, da prosperidade e da pobreza. Tradução de Rogerio W. Galindo e Rosiane C. de Freitas. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2022, p. 374-377. Adaptado. 

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