“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Centralização e Descentralização

terça-feira, 13 de junho de 2023

 

Em 1999, torcedor exibiu camisa do Manchester United e do Corinthians: nas sociedades modernas, é possível demonstrar lealdade a um time estrangeiro, sem ser estigmatizado na comunidade local. 

Centralização Política e Descentralização Econômica

Há duas razões principais pelas quais a descentralização econômica é essencial na sociedade industrial e constitui certamente um pré-requisito de qualquer coisa que se assemelhe a uma Sociedade Civil.

Essa sociedade só pode ser plural - e contendo forças e mecanismos que contrabalancem o poder, que estejam situados na esfera econômica ou funcionem através do poder econômico - precisamente porque uma efetiva centralização política coercitiva é um pré-requisito necessário para seu funcionamento; assim não pode haver muito equilíbrio na esfera coercitiva. As sociedades tradicionais podem ter pluralismo na esfera da manutenção da ordem, e algumas vezes o têm. Como as estruturas econômicas e sociais não são separadas das políticas, devem tê-lo nessa esfera conjunta, se é que devem tê-lo em algum lugar.

Na medida em que esse pluralismo político pressupõe eventuais ou ocasionais conflitos violentos, as unidades que se opõem entre si e que de tempos em tempos entram em conflito devem assegurar-se da lealdade de seus membros, suficiente para levá-los a lutar e a arriscar suas vidas. Consequentemente, como já dissemos, devem ser altamente ritualizadas.

Na moderna sociedade industrial, essa profunda aura adere apenas à comunidade total, o Estado Nacional, e talvez à preservação da sua ordem política básica. Não adere às subunidades, que são opcionais e superficiais. Não se espera que um homem morra pela sua região, seu burgo ou sua comunidade de trabalho. Não é obrigado a usar roupas que indiquem sua condição de membro de um grupo, nem é obrigado a torcer pela equipe esportiva local. Pode, sem ser insultado ou agredido, torcer pela rival. Há torcidas da Inter de Milão fora de Milão, ou do Manchester United fora de Manchester, e seus membros não são excluídos dos ritos e da vida social de suas comunidades locais - podem frequentar as festas locais tranquilamente. Isso deve ter sido difícil na cidade antiga, mas é aceito na moderna. Um homem pode modificar laços desse tipo sem sentir-se envergonhado ou estigmatizado. O que George Santayana disse sobre nossa nacionalidade e sobre nossas relações com as mulheres - não podem ser honrosamente modificadas, e são muito acidentais para merecer mudanças - aplica-se ao país, mas não à região. Podemos mudar de região sem formalidades, rituais, trauma ou traição. Não era assim nos dias de clãs e linhagens. A comunidade total nacional ainda é muito significativa - ou antes, é mais significativa do que jamais foi - mas suas subunidades perderam sua potência.

Por essas várias razões, o pluralismo político, em termos de unidades coercivas independentes ou autônomas, está "fora de moda". As unidades locais não têm o peso adequado. Por outro lado, a liberdade é impossível sem pluralismo, sem um equilíbrio de poder. Como não pode ser política, tem que ser econômica. (O pluralismo ideológico ainda deve ser discutido; por enquanto, a argumentação supõe apenas duas opções.)   

GELLNER, Ernest. Condições da Liberdade - a sociedade civil e seus rivais. Tradução de Lucy Magalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996, p. 80-84.  

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