“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

O Desprezo pelo Clero na Idade Média

quinta-feira, 1 de junho de 2023

 

Monges em um porão, 1873, pintura de Joseph Haier (1816-1891).

De todas as contradições que a vida religiosa desse período apresenta a de mais difícil solução é a do confessado desprezo pelo clero, um desprezo que, como uma corrente não visível à superfície, se desenvolve paralelamente com o maior respeito pela santidade da vida sacerdotal. A alma das massas, ainda não inteiramente cristianizada, nunca esquecera a aversão que o selvagem sente contra o homem que não tem de lutar e que deve permanecer casto. O orgulho feudal do cavaleiro, campeão da coragem e do amor, fazia corpo, neste ponto, com o instinto primitivo do povo. A mundanidade dos mais categorizados membros do clero e a deterioração dos de mais baixo grau fizeram o resto. Daqui provinha que os nobres, os burgueses e os vilãos tivessem desde há muito alimentado esse ódio com sarcasmos dirigidos aos monges incontinentes e aos padres beberrões. Ódio é a palavra exata a usar neste contexto, pois de ódio se tratava, latente, geral e persistente. Nunca o povo se cansava de ouvir criticar os vícios do clero. Quando um pregador ataca o clero pode estar certo de ser aplaudido. "Mal um deles começa a falar deste assunto", diz Bernardino de Siena, "os ouvintes esquecem tudo o mais; não há maneira mais eficaz de reavivar a atenção quando os ouvintes começam a adormecer ou sofrem de calor ou de frio. Todos, instantaneamente, ficam atentos e bem dispostos."

HUIZINGA, Johan. O Declínio da Idade Média. 2ª edição. Tradução de Augusto Abelaira. Lousã, Coimbra: Ulisseia, s/d, p. 186. 

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