domingo, 4 de junho de 2023
Alguns dos príncipes do século XV são de um tipo inconcebível pela mistura de devoção e de deboche. Luís de Orleães, um amante insensato do luxo e do prazer, dado ainda por cima à necromancia, tem a sua cela no dormitório comum dos Celestinos, onde compartilha as privações e dos deveres da vida monástica, levantando-se à meia-noite e ouvindo às vezes cinco e seis missas por dia.
A coexistência da devoção e da mundanidade na mesma pessoa é uma das características e da mundanidade na mesma pessoa é uma das características de Filipe, o Bom. O duque, famoso pela sua moult belle compagnie de bastardos, as suas festas extravagantes, a sua política ambiciosa, e ainda pelo seu orgulho não menos violento do que o seu temperamento, é ao mesmo tempo profundamente devoto. Tem o costume de permanecer no oratório depois da missa durante muito tempo e de ficar a pão e água quatro dias por semana e durante as vigílias de Nossa Senhora e dos Apóstolos. Muitas vezes conservava-se em jejum até às quatro horas da tarde. Dá grandes esmolas em segredo. Depois da tomada de Luxemburgo demorou-se tanto rezando as suas horas e as suas orações em ação de graças que a sua escolta, que o esperava a cavalo, perdeu a paciência, pois o combate ainda não estava terminado. Ao ser avisado do perigo, o duque respondeu: "Se Deus me concedeu a vitória, há-de guardar-ma."
HUIZINGA, Johan. O Declínio da Idade Média. 2ª edição. Tradução de Augusto Abelaira. Lousã, Coimbra: Ulisseia, s/d, p. 188.
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