“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Vida Judaica no fim da Idade Média

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

O poeta judeu Süßkind von Trimberg usando um chapéu judaico. Codex Manesse (séc. XIV).

O fim da Idade Média é a época em que o antigo bairro judeu se transforma em gueto, cujas portas à noite são fechadas à chave e cujos habitantes só durante o dia têm o direito de frequentar as ruas cristãs. Por trás destas muralhas, a comunidade judaica volta-se definitivamente para dentro de si mesma; seus membros levam uma vida frugal e devota, minuciosamente regrada nos menores detalhes, e cuja monótona ordem forma um contraste surpreendente com os golpes do destino aos quais se expunham a cada dia em seu comércio com os cristãos. Assim, a um sobressalto contínuo, se opõe todo um caminho traçado de antemão desde o berço.

Aos quatro anos, no último dia de Schavuot (aniversário da Revelação), o pequeno judeu é conduzido à escola, onde lhe ensinam os rudimentos do alfabeto: a fim de que o estudo lhe seja sempre agradável, os primeiros caracteres hebraicos, que se lhe apresentam em relevo, são revestidos de mel. As primeiras frases que se lhe dá para ler são moldadas sobre doces ou inscritas em ovos que as crianças repartem em seguida. Os rabinos ensinam sem descanso que nada é mais admirável que o estudo, que facilitar a instrução às crianças pobres é a obra mais pia que existe, superior mesmo à edificação de uma sinagoga. Todos os rapazinhos devem aprender a Torá e os Profetas, o hebraico e o aramaico, e em todos se inculca rudimentos do Talmud (Mischná); em seguida, à medida que se penetra no domínio da alta acrobacia intelectual da Guemará, uma seleção se opera, e só os alunos mais dotados são incitados a franquear a "Grande Escola" (Midrasch Gadol); esses, mesmo se não se tornam rabinos, continuarão seus estudos durante a vida toda.

Aos treze anos, é a Bar Mitzvá, a maioridade religiosa e civil. A partir deste momento, o jovem judeu é considerado maduro para o casamento e, bem entendido, o assunto é cuidadosamente expurgado de todo elemento capaz de suscitar o apelo romântico dos sexos. Moços e moças vivem separados e não têm o direito de brincar ou dançar juntos, os esponsais são concluídos por intermédio de um casamenteiro profissional, que é aliás altamente considerado (é amiúde um rabino) e o mais das vezes o noivo não trava conhecimento com sua prometida até o dia da assinatura do contrato nupcial. A moça é antes de mais nada cotada segundo seu dote e o rapaz segundo sua erudição. Estes casamentos precoces eram também casamentos muito fecundos, pois absolutamente nada podia opor-se ao jogo natural de uma reprodução máxima: o ato sexual era também um mandamento; a fidelidade conjugal, a regra; o adultério, uma exceção raríssima e, além disto, severamente reprimido. (Ver-se-á mais adiante como em consequência certos príncipes cristãos tentarão impor aos judeus o primeiro "controle de natalidade" da história europeia.) Uma vez casado e pai de família, a existência de um judeu, seja um "Talmud Hakham", um sábio em Israel, ou um simples usurário, está inteiramente traçada: ocupar-se-á de prover às necessidades dos seus e servir o Eterno através das três preces diárias, das diversas bençãos e dos seiscentos e treze mandamentos de todo tipo a serem observados no decurso da vida corrente, e que só o perigo de vida permite transgredir. Usura e estudo não são de resto considerados incompatíveis, mas ao contrário: um texto especifica mesmo que a usura apresenta a vantagem de deixar todos os lazeres necessários para o estudo.

POLIAKOV, Léon. De Cristo aos Judeus de Corte. Tradução de Jair Korn e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva: 1979, p. 140-141.

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