“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Os Judeus da Corte

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Joseph Süss Oppenheimer (1698-1738). Autor desconhecido.

O judeu da corte (Hofjude) surgiu na cena alemã moderna, deixando a sua marca. Cada corte real ou principesca teve o seu: o judeu, novo Midas, tinha a reputação de transformar em ouro tudo o que tocava... Certos contrastes são extremamente significativos. Em 1670, o imperador Leopoldo expulsou desapiedadamente os judeus de Viena; as corporações reclamavam desde há muito tal expulsão, e um aborto da imperatriz, de que se precisou torná-los responsáveis, foi o pretexto. No entanto, em 1673, o mesmo imperador chamou um judeu de Heidelberg, Samuel Oppenheimer, e o encarregou de reabastecer seus exércitos; durante trinta anos, ele se desincumbiu da tarefa com singular felicidade, em particular quando do ataque dos turcos a Viena, em 1683, assim como decurso das intermináveis guerras contra a França; Max de Baden escreveu que, sem ele, o exército austríaco teria sido aniquilado, e o príncipe Eugênio recusava-se a dispensar seus serviços.

Por trás do tinido das armas, ou do jogo sutil das intrigas diplomáticas, por toda a parte, nesta época, encontra-se o judeu da corte; assim, foi o judeu da corte Leffman Beherens que buscou e transportou em barricas de álcool os subsídios que Luís XIV deu ao Duque de Hanover; foi o judeu da corte Bernd Lehmann que conseguiu eleger rei da Polônia seu príncipe, Augusto da Saxônia, graças a judiciosas distribuições de propinas; foi o judeu da corte Süss Oppenheimer dito "Jud Süss", o mais célebre de todos, que, favorito do Duque Carlos Alexandre, reorganizou a administração e as finanças do Ducado de Württemberg e tornou-se o homem mais poderoso da região, antes de acabar no patíbulo...

Pouco importava que a corte fosse protestante ou católica, que o príncipe fosse tartufo ou libertino; encontramos "agentes", "corretores" ou "comissários" judeus junto às cortes dirigidas pelos jesuítas, como os encontramos junto a bispos e cardeais. Suas atribuições eram vastas e diversificadas ao máximo; administravam as finanças, eram empregados de abastecer os exércitos, de cunhar dinheiro, de fornecer à corte tecidos e pedras preciosas, de introduzir novas indústrias, de fabricar artigos têxteis ou de couro, de arrendar o monopólio de tabaco ou do sal, e assim por diante.

Às vezes, os judeus da corte mantinham verdadeiras relações de amizade com seus comitentes e senhores, que se estabeleciam tanto mais facilmente quanto, se o judeu vivia à margem da sociedade, o príncipe, planando a uma altura inacessível, lhe permanecia por sua vez estranho; eles se compreendiam mais facilmente quando ambos levavam uma existência à margem. Grão-senhores, célebres capitães, e até altezas reais comiam à mesa dos judeus, dormiam em suas casas quando em viagem, recebiam-nos em seus palácios, assistiam a seus casamentos.

Sem dúvida, a amizade só durava enquanto o judeu permanecia útil e rico. Ora, ele sempre estava à mercê de um golpe de sorte ou de um capricho, e seu bom fado é algo precário: nenhum desses judeus da corte fundou uma dinastia; ao contrário, numerosos foram aqueles que terminaram os seus dias na miséria. Os filhos de Bernd Lehmann foram expulsos da Saxônia; os netos de Leffman Behrens passaram longos anos na prisão por dívidas; e o processo de "Jud Süss", a alegria que suscitou a sua queda através da Alemanha inteira, seu retorno de última hora ao judaísmo e seu fim trágico são como o símbolo do destino de um judeu da corte.

Talvez a seguinte estória, que se atribui a Frederico Guilherme, o rei soldado, pinta bem sua situação e o interesse que se lhes dedica. De passagem por uma cidade da Prússia, foi solicitado a conceder audiência a uma delegação de judeus. "Nunca receberei estes canalhas que crucificaram Nosso Senhor!", exclama ele. Um camareiro lhe murmura ao ouvido que estes judeus tinham lhe trazido um valioso presente. "de fato, deixai-os entrar, reconsidera ele. Afinal de contas, eles não estavam lá quando o crucificaram...". Verdadeira ou falsa, a anedota reflete justamente os sentimentos nuançados que suscitavam os judeus no século do barroco.   

Adaptado de POLIAKOV, Léon. De Cristo aos Judeus de Corte. Tradução de Jair Korn e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva: 1979, p. 196-199.

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