“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Grandes Pensadores do Séc. VI a.C.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Templo de Fogo em Yazd, Irã. Os edifícios religiosos do zoroastrismo denominam-se "templos de fogo". 

O lapso temporal entre c. 1060 a.C. e 632 d.C. é considerado um "Período Axial" - período que constitui o pivô sobre o qual girou a história humana. Mais especificamente, o século VI a.C. foi basilar porque nessa época surgiram quatro grandes videntes - Zaratustra ou Zoroastro (Pérsia), Buda (Índia védica), Confúcio (China) e Pitágoras (Grécia). Durante alguns anos, todos eles viveram simultaneamente, embora seja improvável que, vivendo em ambientes regionais tão diferentes, alguma vez tenham se encontrado ou que alguma vez tenham tido consciência da existência de qualquer dos outros. Chama a atenção que nenhum deles seja originário das duas mais antigas civilizações - a sumério-acadiana e a egípcia faraônica. 

As crenças objetivas e práticas de Buda e Pitágoras assemelham-se tanto que faz perecer virtualmente certo que sua inspiração se tenha derivado de uma fonte comum. Ambos acreditavam que a morte não é o término da vida, mas é normalmente seguida de um renascimento, e que a série de mortes e renascimentos continuará ad infinitum se medidas extremas não forem adotadas para haja o rompimento desse círculo doloroso. Quebrá-lo era o objetivo compartilhado por esses dois videntes. 

Zoroastro, Buda, Confúcio e Pitágoras arregimentaram ou aceitaram discípulos, o que levou à criação de novas sociedades, dado que o relacionamento entre os seres humanos tem de ser institucionalizado, se houver que ser mantido por mais de uma única geração e abranger mais pessoas do que o pequeno número que compõe os limites de uma comunidade baseada, apenas, em relações pessoais. Buda fundou uma ordem monástica (sangha) mantida por adeptos leigos; Confúcio fundou uma escola filosófica; Pitágoras fundou uma sociedade, algo mais do que uma escola, embora não chegasse a ser uma ordem monástica formal. Zoroastro, por sua vez, tornou-se o fundador de uma nova religião. Da mesma forma, o interesse de Buda em comunicar sua descoberta espiritual conduziu à fundação de uma nova religião; é notável esse resultado do esclarecimento de Buda. Este dispôs-se a erradicar o egocentrismo e a ambição inatas aos seres vivos; além disso, acreditava que cada ser tem de atingir o esclarecimento por esforços próprios e que, se e quando atingir, é livre de passar ao Nirvana. 

O budismo obteve o primeiro patrocínio real mais de dois séculos após a morte de Buda, na pessoa de Asoka, imperador máuria entre 273 e 232 a.C. Confúcio buscava um emprego real e não o conseguiu - um malogro pessoal que levou este funcionário público desempregado a criar uma carreira para si mesmo como professor de Ética. 

Desses quatro videntes, Buda revelou-se único em seu distanciamento da política. Confúcio teria iniciado uma carreira política, caso tivesse tido a oportunidade. Só após 350 anos após a sua morte a filosofia confuciana tornou-se um salvo-conduto de nomeação para cargos públicos. Zoroastro percebeu que o patrocínio governamental era condição necessária para que sua missão tivesse êxito, e Pitágoras e seus discípulos não puderam evitar entrar na política. 

Zoroastro via o mundo como um campo de batalha entre o bem e o mal. O bem estava destinado a vencer a guerra; enquanto isso não ocorre, é dever do Homem ser ativo e combatente ao lado do deus bom contra o deus mau. Essa concepção provavelmente foi marcada pela circunstância histórica da época e do local onde esse profeta viveu, marcada pelos combates constantes entre os pastores nômades eurasianos e seus vizinhos sedentários. Em sua guerra histórica, Zoroastro era, certamente, um combativo oponente dos nômades. 

Confúcio era um reformador ético que se julgava, sem dúvida sinceramente, conservador consciencioso. Prescindindo do problema religioso, sua intenção era reabilitar inestimáveis instituições ancestrais de uma sociedade que se desviara de sua estrutura tradicional e havia perdido seus esteios. Ele viveu em tempos difíceis, quando a fé dos chineses num Céu justo decaiu, chegando mesmo a desembocar em ateísmo. Sem negar ou afirmar a fé num deus criador e reitor do mundo, Confúcio insistiu antes na necessidade premente de aperfeiçoamento moral de todos, do camponês ao imperador Filho do Céu. Quem perseguisse esse objetivo deveria cumprir os ritos, que aplacavam as paixões, estabeleciam o lugar de cada um na hierarquia familiar e social e mantinham a obediência. A sinceridade seria a meta de quem almejasse a perfeição e o Céu. Apesar do seu conservadorismo, chama a atenção que Confúcio tenha lançado mão de recursos inovadores. 

Graças a Buda, Pitágoras, Zoroastro e Confúcio, os quatro videntes do século VI a.C., a perspectiva da realidade suprema e as diretrizes para a conduta humana transformaram-se irreversivelmente.    

Bibliografia consultada:
ALMARZA, Meritxell & SÁNCHEZ, José Luis (dir.). História das Religiões - Origem e desenvolvimento das religiõesTradução de Carlos Nougué. Barcelona: Folio, 2008, p. 66. 
TOYNBEE, Arnold. A Humanidade e a Mãe-Terra - Uma História Narrativa do Mundo. Tradução de Helena Maria C. M. Pereira e Alzira S. da Rocha. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987, p. 228-237.

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