quinta-feira, 16 de abril de 2020
Fazer a América tornou-se, no final do século XIX, o sonho de milhões de judeus pobres da Europa Oriental. Milhões cruzaram o oceano nos navios de emigrantes, tendo como principal destino os Estados Unidos. Na terra da liberdade, os judeus engrossaram o grande contingente de emigrantes - alemães, italianos, irlandeses, poloneses - que deram decisivo impulso à industrialização daquele país.Familiarizados com a manufatura, as ocupações artesanais e o comércio, os judeus atenderam exatamente às necessidades da economia americana daquele momento. As condições de vida não eram das melhores nos míseros pardieiros do Lower East Side, em Nova York, o que explica a dura luta pela ascensão social (às vezes dando lugar à transgressão) e também à militância política de esquerda, o que aliás tornou os judeus um alvo predileto da perseguição macarthista nos anos 1950.
Com o tempo, porém, a vida dos judeus norte-americanos (cerca de seis milhões de pessoas) foi melhorando. Eles conseguiram, finalmente, fazer a América. Tornaram-se ricos empresários, profissionais liberais, professores, intelectuais. Adquiriram respeitável expressão política e demonstraram sua inclinação liberal votando nos Democratas.
Nos anos 1960, os judeus participaram dos protestos contra a Guerra do Vietnã e na defesa dos direitos civis. É verdade que o movimento neoconservador cresceu tanto entre os judeus quanto entre os não-judeus, uma vez que o neoconservadorismo é uma ideologia da classe média, à qual pertence a maioria dos judeus. Mas, pode-se dizer que o progressismo persiste na intelectualidade judaica.
Toda esta conjuntura se refletiu na ficção judaica e, naturalmente, no humor. Não é o humor de Sholem Aleichem; já não há mais aldeiazinhas. Mudou tanto o judaísmo quanto o humor. As principais aflições do judaísmo ocidental são agora, principalmente, os pesadelos da classe média: a neurose, o medo de perder status, o preço da análise. As frequentes alusões à psicanálise explica-se pelo fato de a neurose ser a "doença judaica" no Ocidente do século XX.
Nos Estados Unidos estão hoje os principais centros da cultura judaica da Diáspora. O que acontece lá estabelece uma espécie de paradigma, sobretudo para as comunidades da América Latina. E nos Estados Unidos vive-se hoje uma época que o crítico Leslie Fiedler denomina de pós-judaica. Isso tem tudo a ver com o humor, não só porque o humor judaico é um componente importante na literatura de um Philip Roth, de um Bernard Malamud, de um Saul Bellow, de um Bruce Jay Friedman, como também porque a anedota é, afinal, ela mesma uma forma de literatura oral.
O humor integra as formas de cultura que, no Ocidente, substituem o ritual religioso antes fundamental para a vida de muitos judeus não-praticantes. Nem todos os judeus podem ler e compreender uma página do Talmud, mas até mesmo os mais assimilados têm um carinho especial pelas anedotas judaicas. Ao mesmo tempo, o humor judaico continua a ocupar uma posição especial na cultura popular americana e a contribuição judaica ao humor americano no século XX é das mais impressionantes.
Embora os judeus representem apenas 3% da população estadunidense, 80% dos comediantes dos Estados Unidos são judeus. Muitos destes humoristas - Art Buchwald, S. J. Perelman, Woody Allen, Groucho Marx, Mel Brooks e muitos outros - celebrizaram-se graças ao cinema, ao teatro ou às colunas em grandes jornais e magazines. Apesar disso, seu humor é basicamente o mesmo que se encontra nas historietas sobre a vida judaica norte-americana e também nas tiradas de escritores, jornalistas e artistas judeus.
Bibliografia consultada:
FINZI, Patricia et al. (edição, seleção e textos). Do Éden ao divã - Humor Judaico. São Paulo: Shalom, 1990, p. 73-75.
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