“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

O Drama Humanitário dos Rohingya

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Nessa foto de 13 de junho de 2012, um muçulmano rohingya chora após seu bote ser interceptado pelas autoridades de fronteira em Teknaf, Bangladesh. Como milhares de outros muçulmanos da minoria rohingya, ele fugia da violência religiosa em seu país. Fonte: Wessex Scene

        Pobreza. Fundamentalismo religioso. Limpeza étnica. Refugiados à deriva no mar. Descaso internacional. O país? Myanmar. Myanmar ou Birmânia é um país de maioria budista do sul da Ásia. Foi integrante do Império Britânico até 1948 e, atualmente, é palco de abusos contra os direitos humanos que em nada ficam a dever aos que ocorrem na Síria e no Iraque.
      Originários do vizinho Bangladesh, os muçulmanos rohingya chegaram a Myanmar em duas levas, uma no século XVI, e outra no século XIX. Como minoria religiosa, linguística e étnica, passaram a ser marginalizados assim que seu país de adoção conquistou a independência, em 1948, e, principalmente, após o golpe militar de 1962.
     Em 1982, os rohingya perderam a cidadania birmanesa, tornando-se apátridas. Nessa condição, não têm quaisquer direitos civis reconhecidos - nem sequer direito a cuidados médicos ou à educação. Em 2012, uma sequência de surtos de violência sectária com a maioria budista do estado de Rakhine, no noroeste do país, produziu dezenas de mortos e 100 mil desabrigados.
      Desde então, as autoridades limitaram a liberdade de movimentos dos rohingya, confinando milhares em suas aldeias ou em campos de refugiados que mais parecem campos de concentração (atualmente existem 67 desses acampamentos). A segregação foi reforçada com leis para restringirem o número de filhos e os casamentos inter-religiosos. 
     A discriminação e o ódio contra os rohingya são fomentados pelo monge budista radical Ashin Wirathu, do grupo 969. Tal grupo busca a "pureza racial e religiosa" de Myanmar, e acusa os rohingya de serem os responsáveis por todos os problemas econômicos e pela decadência social e cultural do país. Como se nota, a sorte dos rohingya em Myanmar é semelhante à sorte dos judeus na Alemanha nazista.
      Wirathu já foi condenado a 25 anos de prisão por incitamento ao ódio religioso, mas em 2010 foi anistiado e solto pela junta militar que governa o país. Desde então, lidera o movimento 969, pregando abertamente a violência contra os muçulmanos. Com a desculpa de proteger o próprio povo, o monge defende a expulsão dos rohingya de Myanmar, ou mesmo seu extermínio, numa espécie de solução final. Assim, não é de se admirar que a Organização das Nações Unidas (ONU) considere os rohingya a minoria étnica mais reprimida do mundo.
     Longe dos holofotes internacionais, o drama dos rohingya tem se agravado rapidamente. Dias atrás, um alto comissário das Nações Unidas para os refugiados declarou que as forças armadas birmanesas estão atacando pessoas dessa minoria étnica, intensificando a fuga da comunidade para o país de seus antepassados, Bangladesh. Além disso, estupros foram cometidos e, segundo imagens de satélite, 1250 habitações dos rohingya no estado de Rakhine foram destruídas.
      O mais elevado princípio budista é o de não matar seres vivos. Apesar disso, muitos budistas cometem as atrocidades acima descritas contra os muçulmanos birmaneses. A líder do governo do país é a Nobel da Paz Aung San Suu Kyi. Mas ela não só recusou uma investigação isenta por parte de observadores internacionais, como desqualificou as acusações como parte de uma campanha de desinformação perpetrada por "terroristas". 
    Infelizmente, a intolerância, a brutalidade e a hipocrisia constituem um mal universal e atemporal. 

Publicado no jornal A Tribuna de hoje.

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