“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

O Significado do Testamento em Roma

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Fragmento de um sarcófago romano de mármore de meados do século II d.C. Da esquerda para a direita, são mostrados vários aspectos da vida do falecido (ele aparece numa procissão religiosa, como militar e em seu casamento). 
Localização: Museus Capitolinos, Roma, Itália.

Em certas sociedades, o ritual do leito de morte e as últimas palavras possuíam grande importância. Em Roma, isso foi substituído pelo testamento, no qual se manifestava o "indivíduo social", e também pelo epitáfio, em que se manifestava o "indivíduo público" (apesar disso, as últimas palavras do imperador Augusto foram bem destacadas por Suetônio; conheça-as aqui). Assim, neste dia de finados, selecionei uma citação sobre o significado do testamento entre os romanos. O autor, Paul Veyne (1930- ) é um dos maiores especialistas na civilização romana da atualidade:  

"A leitura pública do testamento era o acontecimento público do momento, pois as disposições e heranças não eram tudo e o testamento adquiria valor de manifesto. O costume de designar 'herdeiros substitutos', que não tocariam num centavo (a não ser que o herdeiro principal recusasse a sucessão), permitia escrever todos os nomes próprios que o testador quisesse, cada qual aquinhoado com uma fração teórica da herança, que dava a medida da estima do defunto em relação a cada um deles. O falecido também podia insultar post mortem aqueles a quem havia detestado secretamente e reconhecer os valores: os nobres tinham o hábito de deixar um legado aos grandes escritores do momento. Plínio, então um orador célebre, que ia a todas as aberturas de testamento, observava com satisfação que sempre lhe legavam a mesma soma destinada a seu rival e amigo, o orador Tácito (ele não mente, e os epigrafistas encontraram um testamento em que é nomeado). A política imiscuía-se: um senador sempre tido como homem sério perdeu tal reputação por causa de seu testamento, no qual tecia loas a Nero (evidentemente para evitar que lhe anulassem o testamento e confiscassem a sucessão); outros, ao contrário, insultavam os todo-poderosos ministros do soberano e até se referiam em termos pouco amenos ao próprio imperador, quer se chamasse este Nero ou Antonino Pio... Um testamento era algo tão grandioso, do qual todos se orgulhavam tanto, que muitos dificilmente resistiam ao desejo de iniciar a leitura depois de beber, para agradar de antemão os legatários e se fazer estimar." 

VEYNE, Paul. O Império Romano. In: ARIÈS, Philipe & DUBY, Georges (diretores da coleção). História da Vida Privada. Volume 1: Do Império Romano ao ano mil / organização de Paul Veyne. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 43.

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