“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

As Origens Marxistas do Fascismo

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Estado totalitário. Notou a semelhança entre o fascismo e o marxismo? 

O marxismo surgiu num contexto de cientificismo. Newton tinha descoberto as leis da física e Darwin as da seleção natural. Indo no encalço desses dois, e também de Hegel, Marx e Engels anunciaram que haviam descoberto as leis da história. Tal como as leis da física e da biologia, ambos concluíram que as leis da história eram deterministas e independentes da vontade humana. 

O socialismo científico era tão científico, na opinião de Marx e Engels, quanto a física de Newton e a biologia de Darwin. E que leis eram essas? Eram as do determinismo histórico, estudadas pela sua nova ciência, o socialismo científico. A ideia era simples: ao feudalismo sucede-se o capitalismo, cujas contradições levarão inevitavelmente os proletários à revolução que conduzirá ao comunismo. Nesta visão a história é teleológica e determinista.

Os anos passaram e não ocorreu nenhuma revolução, o que contradizia a teoria marxista. Como explicar isto? Surgiram duas teses revisionistas. A primeira, do marxista alemão Bernstein, foi a de que afinal o capitalismo não ia acabar, o operariado até estava a melhorar o seu nível de vida e o socialismo podia perfeitamente adaptar-se ao capitalismo. Esta corrente cresceu no SPD alemão e acabou na social-democracia como a conhecemos atualmente.

A segunda tese teve origem no marxista francês Georges Sorel. Numa obra tremendamente influente, Refléxions sur la violence, Sorel concluiu que a revolução não era inevitável nem seria espontânea. Teria de ser provocada. Como? Usando uma elite para guiar o proletariado e recorrendo à violência. Seria a violência que desencadearia a revolução. 

Foi o marxismo soreliano que conduziu ao bolchevismo e ao fascismo. Lênin leu Sorel e apropriou-se dos conceitos revisionistas da elite, a famosa "vanguarda", e do uso da violência. O mesmo Sorel foi lido com atenção em Itália, em particular pelos sindicalistas revolucionários, marxistas que adotaram a greve e a violência como formas de desencadear a revolução. 

Em paralelo, um marxistas austríaco, Otto Bauer, notou que no Império Austro-Húngaro os operários húngaros mostravam sentimentos de solidariedade mais fortes para com os burgueses húngaros do que para com os operários austríacos. Embora o marxismo fosse uma corrente internacionalista, Bauer buscou legitimidade em algumas afirmações nacionalistas de Marx e Engel para lançar uma nova ideia revisionista. Concluiu ele que o comportamento dos operários húngaros mostrava que o sentimento de nação era mais poderoso do que o sentimento de classe. O nacionalismo era revolucionário, argumentou, pois galvanizaria o proletariado para a revolução. 

Esta ideia entrou em Itália pela pena de um marxista italiano de origem alemã, Robert Michels, e influenciou os sindicalistas revolucionários italianos. Estes, contudo, enfrentaram a ortodoxia dos restantes marxistas, incluindo Benito Mussolini, o diretor do órgão oficial do partido socialista italiano, o Avanti! 

Acontece que em 1911 ocorreu um acontecimento que abalou as convicções ortodoxas de Mussolini: a guerra ítalo-otomana pela Tripolitânia. Mussolini opôs-se a essa guerra, mas ficou atônito com a reação do proletariado italiano, que exultava com as vitórias de Itália. "Michels e os sindicalistas tinham razão!", concluiu Mussolini. As pessoas estão afinal mais dispostas a morrer pela sua pátria do que pela sua classe. 

Quando a Grande Guerra começou, em 1914, ocorreu uma cisão no movimento socialista. A Segunda Internacional tinha determinado que os operários dos diferentes países não entrariam em guerra uns contra os outros, mas na hora da verdade os socialistas alemães, franceses e britânicos apoiaram a guerra. Apenas os bolcheviques russos e os socialistas italianos se opuseram. 

O problemas é que nem todos os socialistas italianos estavam de acordo. Os sindicalistas revolucionários queriam a entrada de Itália na guerra porque achavam que ela seria o forno onde se forjaria o sentimento nacional dos italianos, cujo país era novo e buscava ainda a sua identidade, e que seria o sentimento de nação que uniria o proletariado italiano e desencadearia a revolução. Ou seja, a guerra derrubaria o capitalismo. 

Mussolini começou mantendo a linha do partido e opôs-se à entrada de Itália na guerra, mas rapidamente deu razão aos sindicalistas e defendeu que os socialistas italianos deveriam seguir o exemplo dos socialistas alemães, franceses e britânicos e apoiar a guerra. Isso valeu-lhe a expulsão do partido.

Os sindicalistas revolucionários italianos, incluindo Mussolini, foram para a guerra - uma posição perfeitamente em linha com a de outros marxistas europeus, incluindo os do SPD alemão. Quando o conflito terminou, os marxistas italianos pró-guerra regressaram para casa mas foram antagonizados pelos marxistas italianos anti-guerra. Em conflito com estes, os marxistas pró-guerra fundaram o movimento fascista, com reivindicações como o salário mínimo, o horário laboral de oito horas, a participação dos trabalhadores na gestão das fábricas, a aposentadoria aos 55 anos e o confisco dos bens das congregações religiosas. Será que só eu noto que estas reivindicações fascistas têm origem marxista?

O pensamento fascistas foi evoluindo. Recorde-se que Marx e Engels consideravam que o capitalismo era uma fase necessária e imprescindível da história e que sem capitalismo nunca haveria comunismo. Os bolcheviques renegaram esta parte do marxismo quando preconizaram que na Rússia era possível passar diretamente de uma sociedade agrária para o socialismo, mas neste ponto os fascistas mantiveram-se marxistas ortodoxos ao aceitar que o capitalismo teria de ser temporariamente cultivado em Itália.

Noutros pontos os fascistas desviaram-se da ortodoxia marxista. Por exemplo, aproximaram-se do revisionismo bolchevista quando abraçaram a ideia soreliana da violência provocada por uma vanguarda e afastaram-se do marxismo e do bolchevismo quando aderiram à ideia baueriana de que o sentimento de nação era para o proletariado mais galvanizador do que o sentimento de classe. Isto levou-os a dizer que a luta de classes não se aplicava à Itália porque esta já era uma nação proletária explorada pelas nações capitalistas. A luta de classes apenas iria dividir a nação proletária, pelo que em vez de conflitualidade deveria haver cooperação entre classes (corporativismo).

O pensamento fascista continuou a evoluir, sobretudo em consequência do Biennio Rosso (1919-1920), período em que os comunistas italianos lançaram uma campanha de ocupação selvagem de fábricas e de propriedades rurais. Estes eventos levaram os fascistas a afastaram-se mais do marxismo, pois entendiam que estas ações enfraqueciam a nação, que designavam de "classe das classes", ao ponto de começarem a proclamar-se anti-marxistas. Convém no entanto recordar que Mussolini esclareceu que o fascismo objetava ao marxismo não por este ser socialista, mas por ser anti-nacional. 

Se acham que o fascismo não tem origens marxistas, aproveitem também para desmentir por que o fascismo alemão se designava nacional-socialismo. Como acham que a palavra socialismo foi parar ali? Por acaso? 

Adaptado de: José Rodrigues dos Santos, Fascismo: uma ideologia de esquerda originada do marxismo. Disponível em: ILISP

0 comentários:

Enviar um comentário