“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos A Argentina de Perón

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Eva e Juan Perón.

1. Até a crise de 1929, a Argentina havia experimentado grande prosperidade econômica, com seus principais produtos (cereais e carne) abastecendo os mercados europeus, em especial o britânico. Mas o modelo agroexportador argentino sofreu um grande abalo com a Depressão Econômica dos anos 1930.

2. Em 1930, o cenário político foi marcado pelo golpe do general J. F. Uriburu, que derrubou o presidente Hipólito Yrigoyen, da União Cívica Radical (UCR). A UCR surgiu em 1891, e congregava oposicionistas ao grupo fechado que dominou a política argentina desde a década de 1860. Defendia a bandeira da democracia, um vago nacionalismo e nutria algumas preocupações sociais. Havia chegado ao poder em 1916, com Hipólito Yrigoyen. 

3. A década de 1930 entrou para a história como a "década infame". Após o referido golpe, que representou a volta ao poder dos tradicionais interesses exportadores, as eleições que se seguiram foram marcadas por fraudes, num arremedo de legalidade constitucional. A repressão também foi intensa, com prisões e torturas de opositores, dentre os quais comunistas, anarquistas e membros do Partido Radical.

4. No dia 4 de junho de 1943 houve outro golpe militar que pôs um ponto final ao período supracitado, mas sem uma mudança substancial nas diretrizes políticas do país. Apesar da declaração pública em favor da democracia, secretamente os chefes militares se afirmaram como antiliberais, nacionalistas e defensores da hegemonia argentina na América do Sul.

5. Os líderes do golpe pertenciam ao Grupo de Oficiales Unidos (GOU), surgiu em 1942. O GOU se caracterizava pelo nacionalismo e pela simpatia ao nazifascismo. Ao final de 1943, o regime ditatorial dissolveu todos os partidos políticos e tornou obrigatório o ensino religioso nas escolas, em função do apoio da Igreja Católica. O coronel Juan Domingo Perón, integrante do GOU, atuava como eminência parda do regime de 1943. Após o rompimento diplomático com o Eixo em janeiro de 1944, houve uma mudança palaciana e o general E. J. Farrell assumiu o governo. Perón, ligado a Farrell, passou a acumular o cargo da recém-criada Secretaria de Trabalho e Previdência com os de vice-presidente e ministro da Guerra. 

6. Na Secretaria, Perón elegeu os trabalhadores como interlocutores políticos e começou a implementar medidas que os beneficiavam. Concedeu aumentos salariais reais, instituiu uma espécie de 13º salário, criou tribunais de trabalho e unificou o sistema de previdência. No campo, foi concretizado o Estatuto do Peão. Com relação aos sindicatos mais combativos, Perón exerceu uma política que oscilou entre a cooptação e a repressão. Aqueles que resistiam acabavam desarticulados.

7. Devido a essa aproximação com os trabalhadores, uma reação conservadora ligada aos golpistas culminou na prisão de Perón, no dia 12 de outubro de 1945. Cinco dias depois, os trabalhadores tomaram a Praça de Maio, exigindo a libertação de Perón. Assim, este foi solto e, às 23h do mesmo dia, falou para a multidão concentrada na praça. Já era então candidato à presidência da República para as eleições que ocorreriam em seguida. 

8. Para apoiar a sua candidatura, surgiu então o Partido Laborista, com uma robusta base de trabalhadores. Seu programa propunha, dentre outras coisas, combater os latifúndios e ampliar as melhorias previdenciárias. Os inimigos dos laboristas eram banqueiros e rentistas, latifundiários e industriais. Nas eleições de 24 de fevereiro de 1946, Perón e seu candidato a vice, J. H. Quijano, foram apoiados pela Igreja Católica, pelo Exército e por grupos conservadores nacionalistas. Venceram por uma pequena margem de votos sobre a recém-formada União Democrática. A posse ocorreu no dia 4 de junho de 1946.

9. O primeiro período presidencial de Perón (1946-1952) foi favorecido pela situação econômica argentina, favorável graças às divisas acumuladas no exterior durante a Segunda Guerra Mundial. Assim, o governo pôde oferecer aos trabalhadores aumentos de salários e outros benefícios sociais. Em fins de 1946, Perón anunciou o Primeiro Plano Quinquenal. A indústria argentina de alimentos, têxteis e metalurgia leve cresceu muito nesses anos, mas não houve a criação de uma indústria de base como aconteceu no Brasil, poucos anos antes.

10. Logo após a sua posse, Perón dissolveu o Partido Laborista e criou o Partido Peronista (PP), dividido em ala masculina, ala feminina (sob inspiração de Eva Perón) e a ala sindical, a Confederação Geral do Trabalho (CGT). Os sindicatos integravam a estrutura partidária. O número de sindicalizados cresceu muito, e em 1951 a CGT já contava com 3 milhões de filiados. Além disso, empresas elétricas, de telefonia e de estradas de ferro (em sua maioria inglesas) foram nacionalizadas mediante pagamento de indenizações. Foi criada a Aerolíneas Argentinas, uma frota aérea do Estado, mas o petróleo não foi nacionalizado.

11. O autoritarismo do regime peronista mostrou-se claramente em suas relações com a Corte Suprema, a universidade e a imprensa. A radiodifusão privada foi sendo silenciada, não havendo mais espaço para vozes dissonantes. Jornais e revistas de oposição foram fechados ou restringidos em suas quotas de papel de impressão (caso do La Prensa e do La Nación). Ao lado da repressão, Perón montou um impressionante sistema de propaganda política que alcançava todos os meios de comunicação. Foram impostas às escolas cartilhas "peronistas" e a produção cinematográfica foi controlada. 

12. Maria Eva Duarte, a Evita, a esposa de Perón, atuava como intermediária entre o líder e as massas. Criou a Fundação Eva Perón, responsável pelas obras assistenciais direcionadas principalmente a escolas, orfanatos e asilos. Além disso, abriu importante espaço político de atuação, graças ao seu carisma. Graças a Evita, o voto foi estendido às mulheres nas eleições de 1952. Nesse mesmo ano, a primeira-dama adoeceu, falecendo no dia 26 de julho. Seu corpo foi embalsamado e exposto à visitação pública.

13. Uma reformulação constitucional em 1949 passou a permitir a reeleição presidencial. Em setembro de 1951, houve um levante militar que acabou frustrado. Consequentemente, o Congresso decretou o "estado de guerra interno". Apesar da tensão, em novembro Perón e Quijano foram reeleitos. Nesses primórdios da Guerra Fria, Perón defendia a posição "terceirista", isto é, nem capitalista nem socialista. Com essa visão, ele pretendia combater o "imperialismo", bem como a "oligarquia". Pretendia instaurar a justiça social para os trabalhadores (daí o termo justicialismo); estes, por sua vez, deveriam aceitar a função tuteladora do Estado.

14. As reservas acumuladas durante a guerra terminaram, e os capitais externos passaram a se distanciar da Argentina, temendo o nacionalismo peronista. Assim, tornou-se muito difícil atender a novas reivindicações populares e manter as subvenções ao consumo. A CGT, fiel ao governo, buscava evitar as greves. Perón não demonstrou habilidade para lidar com a oposição de um pequeno grupo democrata-cristão, acirrando os ânimos dos católicos. Em 22 de setembro de 1955, Perón finalmente renunciou, após descartar qualquer resistência armada contra o levante militar do general Eduardo Lonardi. Após passar pelo Paraguai e pela República Dominicana, terminou os seus dias na Espanha do fascista Francisco Franco.

15. Mesmo após a queda de Perón e de sua morte, em 1973, o peronismo manteve-se como sólida corrente político-ideológica, abrigando um amplo leque de seguidores à direita e à esquerda, aí incluídos católicos, nacionalistas e sindicalistas. A manifestação mais radical do peronismo foi a do Montoneros, guerrilheiros armados que combateram as ditaduras militares durante a década de 1970.

Bibliografia consultada: PELLEGRINO, Gabriela & PRADO, Maria Ligia. História da América Latina. São Paulo: Contexto, 2016, p. 142-149.

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