segunda-feira, 17 de agosto de 2020
Profundamente marcados pelos costumes que vinham sendo importados havia séculos pelas populações germânicas, os homens do século VIII estão convencidos do valor do gesto. Sensíveis às atitudes, os romanos se satisfaziam com a ordem verbal e com o ato escrito. O mundo franco tomou o hábito do gesto significativo, do gesto que cria o compromisso. A civilização medieval guardará daí toda uma gama de gestos: eles irão desde a entrega de um torrão por aquele que vende um terreno até a homenagem feita pelo vassalo ajoelhado colocando suas mãos sobre as do senhor; do sinal da Cruz, que assume nesse mesmo século VIII sua importância na liturgia e na devoção, à mão colocada sobre os Evangelhos ou sobre as relíquias por aquele que jura. O rei franco, nos primeiros tempos, ficava de pé sobre um escudo, que era levantado, investindo-se assim de poderes de soberano. Era necessário, em 751, encontrar outra coisa, algo que fosse um gesto vigoroso.
Em novembro, em Saint-Denis, os bispos do reino procederam a esse ato litúrgico até então ignorado no reino franco: a unção real. Sem dúvida, o arcebispo Bonifácio estava entre esses bispos. Bonifácio é então o mais proeminente dos bispos do reino franco. É provável que ele próprio tenha vertido os santos óleos. Os grandes só têm que aplaudir, mas eles não deixam de se fazer presentes: preservar-se-á a ficção do rei reconhecido, porque o merovíngio, embora fosse escolhido na família, devia ser reconhecido pelos grandes senhores, como seus predecessores também o eram, quando subiam no escudo e nele eram erguidos, para serem investidos dos poderes de soberano. Quanto ao papa, ele evitará protestar contra a usurpação e contra o gesto temerário dos prelados, que não tinham nenhuma autoridade para perturbar a ordem política estabelecida em 508 pelo imperador bizantino. Aparentemente, ele nada tinha a ver com a história. O gesto dos bispos vai além do propósito pontifical, mas não do seu casamento.
É preciso encontrar uma função para o último dos merovíngios: Childerico III é enviado ao monastério, em Saint-Bertin, próximo a Saint-Omer. Tonsuram-no, o que o torna um clérigo: ele não pode mais reivindicar o trono. Childerico III viria a morrer quatro anos depois sem que ninguém se lembrasse de falar nele. Na verdade, ele nada chegou a empreender. Quanto a seu filho Teodorico, tornaram-no monge em Fontenelle (Saint-Wandrille). Esses merovíngios podiam dar graças a Deus por não terem sido, como acontecia em sua família, simplesmente degolados.
FAVIER, Jean. Carlos Magno. Tradução de Luciano Machado. São Paulo: Estação Liberdade, 2004, p. 39-40.
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