“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Do Império Romano do Oriente ao Império Bizantino

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Soldados bizantinos do século VII d.C.

No século VII, o Império Bizantino estava reduzido ao sul e a leste, e assumiu então uma nova face, em virtude das reformas militares e políticas a que os soberanos tinham sido forçados para salvar o que restava do Império. O sistema administrativo herdado do Baixo Império já não convinha à nova situação. Sem suprimir as províncias, Heráclio e os seus sucessores reuniram nas mãos de uma mesma pessoa (estratega) os poderes civis e militares e estabeleceram uma nova circunscrição, o "tema". Houve assim sete grandes governos militares, que partilharam entre si a responsabilidade da defesa do império. O estratega era um vice-imperador na sua província e ocupava-se tanto de fazer receber os impostos pelos seus agentes como de organizar a defesa.

Neste império em transformação, a Igreja tornou-se uma das forças essenciais. A guerra que Heráclio empreendeu contra os persas tomou o aspecto de uma guerra santa, coroada pela restauração da cruz em Jerusalém. O mesmo se passou nas lutas que os sucessores de Heráclio empreenderam contra os árabes. Justiniano II, imperador entre 685 e 695, fez gravar no anverso das suas moedas a efígie de Cristo. Os imperadores dotaram os mosteiros de bens prediais e isentaram-nos de direitos fiscais. No século VII os grandes mosteiros bizantinos tornaram-se potências econômicas, além de religiosas. 

A estreita associação entre o Império e a Igreja fez desta última uma organização nacional, que via o papado cada vez mais como uma potência estrangeira. Por outro lado, as relações entre o Ocidente e o Império Bizantino no século VII tornaram-se cada vez mais distantes. A única região que ainda interessava aos bizantino era a Itália, mas esta passou a estar solidamente ocupada pelos lombardos. Estes passaram a ser os senhores, desde o fim do século VI, da Itália do Norte, do ducado de Spoleto, do ducado de Benavento.

O representante do imperador, o exarca de Ravena, não reunia força suficiente para reconquistar os territórios italianos supracitados. Além disso, não podia apoiar-se nas populações italianas. Com efeito, alienaram-lhe os papas e os católicos de Itália. Em meados do século VII, um violento conflito estourou entre o papado e o Império Bizantino. O papa Martinho I, sagrado sem a aprovação do imperador, condenou o monotelismo pelo Sínodo de Latrão de 649. Foi preso em 653, condenado em Constantinopla, e a seguir enviado ao exílio, onde morreu.

Para dirigir pessoalmente a luta contra os lombardos e submeter definitivamente o papado, o imperador Constante II instalou-se no Ocidente em 663. Pela última vez, um imperador "romano" demorou-se algumas semanas em Roma. Mas, não podendo afastar os lombardos do sul da Itália, o imperador decidiu estabelecer-se em Siracusa, onde foi assassinado pouco depois (668). A partir deste momento, todos os esforços dos bizantinos para retomar a Itália foram por água abaixo.

O exarca de Ravena, pressionado pelas populações italianas, tentou tornar-se independente de Constantinopla por meio das sublevações de 695, 702, 710 e 712. Uma reconciliação entre o papado e o império e a condenação do monotelismo (681) não conduziram no entanto à submissão do patriarca de Constantinopla, que se considerava igual ao papa.

O Ocidente e o Oriente começaram a ignorar-se. No Ocidente, e mesmo na Itália, o grego já não era estudado. No Oriente, o latim foi esquecido. A helenização do império, no século VII, tornou-se um fato adquirido. Em 629, o imperador passou a se chamar Basileus, e já não Imperator ou Augustus. Em 711 morreram os últimos descendentes da família de Heráclio e o império tomou a face do Império Greco-Bizantino. Os imperadores entregaram-se então a uma nova missão: suster o mais possível o avanço dos árabes.     

Adaptado de RICHÉ, Pierre. Grandes Invasões e Impérios - Séculos V a X. Tradução de Manuel J. Palmeirim. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1980, p. 124-127.

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