quinta-feira, 20 de agosto de 2020
Carlos é, em suma, o próprio tipo do bom rei franco, cavaleiro infatigável, grande caçador, bom nadador, apreciador de todos os exercícios físicos. Ele tem um comportamento bastante adequado à mesa, preferindo aos grandes banquetes os jantares com pouca gente, onde se conversa, toca-se música e se recitam poemas. É também o momento de descontração em que o rei ouve a leitura dos livros mais diversos, desde relatos históricos a textos teológicos. Assim, Santo Agostinho e sua Cidade de Deus acompanham muitas refeições. Nesse jantar, que se faz aí pelo meio da tarde, servem-lhe cinco pratos, um dos quais é caça assada no espeto. Para encerrar, ele come frutas. Isso significa dizer que, ainda que observe escrupulosamente os jejuns prescritos pela Igreja, eles não agradam a esse grande amante da comida. Mas bebe com uma sobriedade - imposta também aos que o rodeiam - que contrasta fortemente com os hábitos da aristocracia. Carlos se cuida. Todos os dias faz a sesta, para a qual se despe e se descalça como o faz à noite, o que parece ter espantado seus contemporâneos.
Embora aprecie o fausto, que tem a função de afirmar o seu poder, e saiba mostrar-se generoso para com seus inúmeros hóspedes, não busca o luxo na vida pessoal. De resto, permitiu que os autores dos Libri carolini censurassem de tal modo o culto imperial, da forma como se desenvolveu em Bizâncio, que não podia expor-se às mesmas críticas. Passado o momento da prosternação, a proskynèse da noite de Natal de 800, ninguém mais terá que se ajoelhar diante do imperador Carlos. Abordam-no sem maiores cerimônias no palácio, e até quando está se vestindo. Os soldados de sua guarda pessoal banham-se com ele na piscina. Ele se recusa a usar roupas de gala, ao contrário do que fazem tantos príncipes estrangeiros. O manto de ouro, a coroa e o cetro só são tirados dos cofres quando se pretende impressionar os embaixadores. Carlos só teria usado uma vez, em Roma, diante do papa, a longa túnica, a clâmide imperial e os sapatos à moda romana. No dia-a-dia, veste-se como todo mundo: Eginhardo diz que ele usava "o traje nacional dos francos".
FAVIER, Jean. Carlos Magno. Tradução de Luciano Machado. São Paulo: Estação Liberdade, 2004, p. 138-139.
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