“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Os Atos Institucionais do Regime Militar

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Embora o poder real se deslocasse para outras esferas e os princípios básicos da democracia fossem violados durante o regime militar brasileiro (1964-1985), o governo quase nunca assumiu expressamente sua feição autoritária. Não se configurou uma ditadura pessoal. Até 1967, a Constituição de 1946 foi mantida, embora com modificações e, exceto por breves períodos, o Congresso continuou funcionando e as normas que atingiam os direitos dos cidadãos foram apresentadas como temporárias. A fim de tomarem decisões que se sobrepunham à ordem constitucional, foi lançados decretos denominados eufemisticamente "Atos Institucionais". 

O Ato Institucional Nº 1 (AI-1), assinado no dia 9 de abril de 1964, buscava reforçar o Poder Executivo e reduzir o campo de ação do Congresso. Ele suspendeu as imunidades parlamentares e autorizou o comando supremo da revolução a cassar mandatos em qualquer nível, além de suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos. O ato criou também as bases para a instalação dos Inquéritos Policial-Militares (IPMs), mas o habeas corpus foi mantido e a imprensa continuou como relativamente livre. Finalmente, estabeleceu a eleição de um novo presidente da República, por votação indireta do Congresso Nacional. Em 15 de abril de 1964, o general Humberto de Alencar Castelo Branco foi eleito presidente, com mandato até 31 de janeiro de 1966. 

A fim de levar adiante a luta contra o comunismo e a corrupção, Castelo Branco baixou o AI-2, em 17 de outubro de 1965. Estabeleceu-se em definitivo que a eleição para presidente e vice-presidente da República seria realizada pela maioria absoluta do Congresso Nacional, em sessão pública e votação nominal. O governo passou a legislar sobre assuntos relevantes através de decretos-leis e os partidos políticos existentes foram extintos. A legislação partidária forçou na prática a organização de apenas dois partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), que reunia os partidários do governo, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que reunia a oposição. Em fevereiro de 1966, o AI-3 estabeleceu o princípio da eleição indireta dos governadores dos Estados através das respectivas Assembleias estaduais. 

Em outubro de 1966, o Congresso foi fechado por um mês e reconvocado pelo AI-4 para se reunir extraordinariamente a fim de aprovar um novo texto constitucional, a Constituição aprovada em janeiro de 1967. Em março desse ano, tomaram posse como presidente e vice-presidente, o general Artur da Costa e Silva e o civil udenista Pedro Aleixo. 

O ano de 1968 foi repleto de agitações nos Estados Unidos, na França e mesmo na "Cortina de Ferro" (Tchecoslováquia). No fim de março, a morte do estudante Edson Luís catalisou uma série de manifestações no Rio de Janeiro. O ponto alto da convergência de forças que se empenhavam na luta pela democratização foi a passeata dos 100 mil, realizada em 25 de junho de 1968. Em Contagem (MG) e Osasco (SP), ocorreram greves operárias agressivas. Grupos da luta armada intensificaram suas ações. Tudo isso levou a linha-dura a reforçar sua convicção de que era preciso criar novos instrumentos para eliminar os subversivos (termo amplamente utilizados nos meios militares para designar, de forma genérica, os opositores do regime). 

O pretexto foi um discurso do deputado Márcio Moreira Alves, eleito pelo MDB da Guanabara. Ele concitava a população a boicotar a parada militar de 7 de setembro, além de sugerir às mulheres que não namorassem oficiais que silenciassem diante da repressão ou que participassem de atos de violência. O ministros militares requereram ao Supremo Tribunal Federal (STF) que abrisse um processo criminal contra o deputado. Para que isso ocorresse, o Congresso deveria suspender suas imunidades, mas, por 216 votos contra 141, isso foi negado. Menos de 24h depois, Costa e Silva baixou o AI-5 e fechou o Congresso.   

Como fica claro na charge do Ziraldo, produzida no final do regime militar, após o AI-5, qualquer pessoa poderia ser suspeita de representar uma ameaça ao regime. Frequentemente, o acusado tinha de provar sua inocência aos acusadores - pelo AI-5, ficou suspensa a garantia de habeas corpus aos acusados de crimes contra a segurança nacional e das infrações contra a ordem econômica e social e a economia popular. 

A partir do Ai-5, abriu-se um novo ciclo de cassação de mandatos, perda de direitos políticos e expurgos do funcionalismo, abrangendo muitos professores universitários. Estabeleceu-se na prática a censura aos meios de comunicação e o núcleo militar do poder concentrou-se naquelas figuras que estavam no comando dos órgãos de vigilância e repressão.   

Por falar em censura, indico uma breve e interessante entrevista do Roberto Civita (1936-2013), antigo diretor editorial do Grupo Abril. Ele conta a história da capa da revista Veja na semana em que foi baixado o AI-5. Assista-a aqui.

Bibliografia consultada: FAUSTO, Boris. História do Brasil. Colaboração de Sérgio Fausto. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013, p. 397-410.

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