“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Os Pregadores de Fins da Idade Média

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Estátua de Girolamo Savonarola (1452-1498) em Ferrara, Itália. Savonarola foi um famoso padre dominicano e pregador na Florença renascentista. 

"Para a Igreja, era perigoso deixar que a santidade se desenvolvesse fora dela e mesmo, por vezes, contra ela, por tanto criticar as suas imperfeições. Assim, a partir de finais do século XIV, mas sobretudo no século XV, assiste-se a uma reconquista da opinião pública por parte dos elementos mais dinâmicos do clero, no mesmo terreno em que se tinham colocado os profetas e visionários: o terreno da palavra tornada valor fundamental numa sociedade onde as massas ganhavam uma importância crescente, embora permanecessem em larga medida excluídas do mundo da escrita e da leitura. Quando se examina a lista dos principais santos de finais da Idade Média, não se pode deixar de ficar surpreendido pelo lugar que nela ocupam os grandes pregadores da época (...), todos provenientes das ordens mendicantes e ligados ao movimento da Observância que, depois das crises do século XIV, tinha feito regressar essas ordens à integridade primitiva. (...) No século XV, o fenômeno assume uma amplitude sem precedentes: em todo o Ocidente, os únicos religiosos, à exceção dos eremitas, que suscitaram o entusiasmo das multidões são pregadores que consagraram a sua vida e as suas forças ao ministério da palavra. Percorrendo o Ocidente, desde Aragão até à Bretanha e desde a Itália até à Polônia e à Croácia, esses religiosos distinguiam-se claramente do clero a que os fiéis estavam habituados: iam de cidade em cidade, viviam na maior pobreza, mas tinham tempo para se fazer conhecer pelos seus auditores, dado que, muitas vezes, lhes dedicavam um ciclo completo de sermões (...). As suas intervenções assemelhavam-se mais a grandes espetáculos organizados, verdadeiros meetings ou sessões de happening de que eram, simultaneamente, organizadores e vedetas, do que as prédicas. Falando, em geral, ao ar livre, de um palco de madeira construído para o efeito, eram acompanhados por confessores que tinham o poder de absolver os pecados reservados aos bispos e ao papa e, por vezes, também por grupos de penitentes - os convertidos da véspera que cumpriam uma espécie de peregrinação expiatória -, que se autoflagelavam ou se entregavam a outras práticas de devoção antes de o orador tomar a palavra. Este falava, em geral, das grandes verdades necessárias à salvação, mas mais sob um ponto de vista moral do que dogmático. Preocupado em interessar e comover um grande número de ouvintes, procurava, acima de tudo, levá-los a tomar consciência dos seus pecados e a refletir neles. Se o conseguia, o orador exigia que lhes fossem dados sinais tangíveis da revolução espiritual que se tinha verificado por sua influência e o sermão concluía-se, frequentemente, com um auto-de-fé, durante o qual eram queimados os jogos de azar e os adornos femininos supérfluos."
  
VAUCHEZ, André. In: O Santo. LE GOFF, Jacques (dir.). O Homem Medieval. Tradução de Maria Vilar de Figueiredo. Lisboa: Presença, 1989, p. 222.

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