“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

As Origens da Educação Pública

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

 

O berço do sistema público de ensino norte-americano.

Em 1636, surgiu nos Estados Unidos o Harvard College (Faculdade de Harvard), o primeiro a receber subsídios públicos. Ele funcionava como seminário para a formação de pastores, magistrados e administradores. A mesma época registrou as primeiras grammar schools a ministrar ensino de nível secundário voltado para a aprendizagem do latim, grego e hebraico. Mas sempre com base em iniciativas e recursos locais - com exceção do Harvard College.

O ambiente da época não tolerava qualquer heresia, mas a famosa instituição de ensino de Massachusetts se distinguia por um fundamentalismo particularmente rígido que, de tanto reprimir os diferentes, acabou provocando uma dissidência de profundas consequências.

A tomada de Harvard pelo pensamento unitarista aconteceu em 1805, com uma virada eleitoral que deixou o calvinismo sem espaço. O calvinismo - que marcou a colonização americana - postulava homens fundamentalmente depravados, salvo alguns eleitos. O unitarismo inverteu o quadro. A natureza humana era essencialmente boa, as instituições é que a pervertiam.

A mudança de perspectiva não apenas relativizava a importância da Bíblia e do supranatural nas opções éticas. Postulava, ao mesmo tempo, a responsabilidade de cada um no desenho do destino pessoal. Educação, portanto, já não se resumia a ganhar o paraíso. Evocava, isto sim, uma formação mais "integral". Despontava assim a corrente humanista, de inspiração iluminista.

Os unitários entendiam a importância da escola na guerra cultural em formação e se organizaram para trazer as common schools sob controle governamental, estabelecendo assim um sistema embrionário de educação pública. Tal sistema logo foi exportado de Massachusetts para vários Estados americanos.

Os professores - que já contavam com verbas de viagem e bolsas de estudo - estavam convencidos da necessidade de universalizar o ensino gratuito. Sofriam a influência do socialista utópico Robert Owen cujos seguidores tinham replicado as experiências escocesas em solo americano. Segundo Owen, o homem é fruto do meio, e círculo vicioso capitalista só pode ser quebrado em contexto cooperativo e altruísta. Nesse sentido, a educação exerceria um papel central.

Naqueles tempos, o mundo germânico recebia grande influência do filósofo Hegel. O homem, em constante interação dialética com a família humana universal, elevava-se inexoravelmente para ápices civilizatórios totalmente emancipados das Escrituras. Racional e autor da própria perfeição, o homo secularis adquiria assim uma espécie de estatuto divino.

O Reino da Prússia - terra de Kant e Hegel - passava por um período conhecido como despotismo esclarecido. Exemplo consumado de estatismo em ascensão, criara um sistema inédito de ensino sob o inteiro controle do governo. A ideia de uma estrutura de ensino sob controle estatal, materializada por decreto imperial na Prússia, conheceria uma extraordinária fortuna pela curiosidade de um grupo de educadores americanos no fim do século XIX.

Os Estados Unidos estavam em busca de alternativa à multiplicidade de programas e sistemas. Os currículos variavam de acordo com a região, e cada escola gozava de autonomia. Educação simplesmente não era problema de governo. Porém, muitos clamavam por uma padronização. Notadamente, a classe docente sob a liderança da National Education Association (NEA).

A história da NEA, criada em 1857, se confunde com a consolidação da educação pública no Ocidente, pois a entidade importou com entusiasmo a ideia prussiana para reexportá-la com o mesmo fervor para o resto do mundo. E o projeto abarcou tanto o esqueleto institucional quanto a cerne pedagógica e a medula filosófica da proposta.

Adaptado de LAMBERT, Jean-Marie. Educação Unesco - a clonagem das mentes. Londrina, PR: E.D.A., 2020, p. 14-19.

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