“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Dança da Cerimônia da Solidariedade

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

 

Deram a volta à sala, uma procissão circular de dançarinos, cada um com as mãos nos quadris do dançarino precedente - e assim continuaram, volta após volta, gritando em uníssono, batendo com os pés ao ritmo da música, marcando vigorosamente a cadência com as mãos nas nádegas do que estava à sua frente; doze pares de mãos batendo como uma só; como uma só, doze pares de nádegas ressoando viscosamente. Doze em um, doze em um. "Ouço-o, ouço-o chegar!" A música acelerou-se, os pés bateram mais rápido, mais rápido, ainda mais rápido, bateram as mãos rítmicas. E subitamente uma poderosa voz sintética de baixo rugiu as palavras que anunciavam a expiação próxima e a consumação final da solidariedade, a vinda do Doze-em-Um, a encarnação do Grande Ser. "Orgião-espadão", cantou ela, enquanto os tantãs continuavam a martelar seu rufo febril:


Orgião-espadão, Ford e alegria a rodo,

Com beijos unir-se às moças num só Todo!

E cada rapariga vá com seu rapaz;

Orgião-espadão assim vos satisfaz.


"Orgião-espadão..." Os dançarinos retomaram o refrão litúrgico: "Orgião-espadão, Ford e alegria a rodo, com..." E, enquanto cantavam, as luzes iam amortecendo lentamente - amortecendo e, ao mesmo tempo, tornando-se mais quentes, mais ardentes, mais rubras, de tal modo que, por fim, eles dançavam na penumbra vermelha de um Depósito de Embriões. "Orgião-espadão..." Na sua obscuridade fetal e cor de sangue, os dançarinos continuaram por algum tempo a circular, a bater, a bater incessantemente o ritmo infatigável. "Orgião-espadão..." Depois a ronda oscilou, rompeu-se, desagregando-se parcialmente sobre os divãs que rodeavam - um círculo encerrando outro círculo - a mesa e suas cadeiras planetárias. "Orgião-espadão..." Ternamente, a Voz, profunda, cantarolava e arrulhava; na penumbra vermelha, seria possível dizer que um enorme pombo negro planava, benfazejo, acima dos dançarinos agora deitados sobre o ventre ou sobre o dorso uns dos outros.   

HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. Tradução de Vidal de Oliveira. São Paulo: Globo, 2014, p. 109-111.

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