“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos As Origens do Islã

domingo, 8 de julho de 2018

1. A partir do século IV, o Império Romano se tornou cristão e o centro do poder se deslocou para Constantinopla. Entre os cristãos do Ocidente e do Oriente pululavam divergências doutrinárias relativas à natureza de Cristo. A leste do Império Bizantino estava o Império dos sassânidas, um Estado familiar que tentou reviver o mazdaísmo. Com intervalos, bizantinos e sassânidas guerrearam entre 540 e 629. 

Ao sul desses dois impérios, dos dois lados do Mar Vermelho, haviam outras duas sociedades com tradições de poder e cultura organizados - a Etiópia, cuja religião oficial era o cristianismo copta, e o Iêmen, marcado pelo politeísmo mas também influenciado pelo judaísmo e pelo cristianismo. 

2. Na maior parte da Península Arábica viviam beduínos e agricultores em torno dos oásis. O equilíbrio entre essas tribos era precário, e sua religião parece não ter tido uma forma clara. Provavelmente acreditavam que os deuses habitavam um santuário (haram) - centro de peregrinação supervisionado por uma família.  

3. Maomé, o grande profeta do Islã, nasceu por volta de 570 em uma família não muito poderosa da tribo dos coraixitas. Esta tribo era formada por mercadores que tinham uma relação com o santuário da aldeia (Caaba). 

Maomé se casou com Cadija, a viúva de um comerciante. No mundo no qual viveu as pessoas estavam à espera de um guia, e Maomé era um homem em busca de uma vocação. Assim, ele tornou-se um errante solitário entre os rochedos. Por volta dos 40 anos, um anjo lhe apareceu (Noite do Poder ou do Destino).  

4. A partir dessa época, Maomé passou a comunicar àqueles que o seguiam uma sucessão de mensagens que incluíam o fim do mundo, o Juízo Final, o céu e o inferno, a submissão a Deus por meio da prece regular, a benevolência e a contenção sexual. O nome dado a Deus era "Alá", já em uso para um dos deuses locais, e os que se submeteram à Vontade d'Ele acabaram tornando-se conhecidos como muçulmanos.  

5. Aos poucos, formou-se em torno de Maomé um pequeno grupo de crentes: alguns membros jovens das influentes famílias coraixitas, alguns membros de famílias menores, clientes de outras tribos que se haviam posto sob a proteção dos coraixitas, e alguns artesãos e escravos. O profeta adotou mais explicitamente a linha dos profetas da tradição judaica e cristã, e à medida que aumentavam seus seguidores, suas relações com as principais famílias coraixitas piorou. 

6. De tão difícil que sua situação ficou, em 622 ele teve que fugir para Yathrib (futuramente conhecida como Medina). Essa mudança de Meca para Medina é conhecida como a hégira. Nos séculos islâmicos posteriores, seria usada para significar o abandono de uma comunidade pagã ou má por uma outra que vive segundo a doutrina moral do Islã. 

7. Em Medina, Maomé começou a acumular um poder que se irradiou pelo oásis e o deserto em volta. Logo se viu atraído para uma luta armada com os coraixitas, talvez pelo controle das rotas comerciais. Nesse período de poder em expansão e luta, a doutrina do Profeta tomou sua forma final. Nas partes do Corão supostamente reveladas então, há uma preocupação maior com a definição das observâncias rituais da religião e com a moralidade social, as regras de paz social, propriedade, casamento e herança. Ao mesmo tempo, a doutrina tornou-se mais universal, e separou-se com mais clareza da dos judeus e cristãos. 

8. Abraão foi apresentado como o fundador de uma fé monoteísta extremada e também do santuário de Meca. O patriarca passou a ser visto como ancestral comum de judeus, cristãos e muçulmanos. Ao mesmo tempo, houve uma espécie de reconciliação de interesses entre Maomé e os coraixitas de Meca. Em 629, a comunidade foi a Meca em peregrinação; no ano seguinte, os líderes da cidade entregaram-na a Maomé, que a ocupou praticamente sem resistência. Medina, no entanto, permaneceu como a capital.

9. Maomé exercia sua autoridade menos por um governo regular do que por manipulação política e ascendência pessoal. Dos casamentos que contraiu após a morte de Cadija, alguns foram contraídos por motivos políticos. Não havia administração complicada nem exército, apenas Maomé como supremo árbitro. Além do recrutamento militar de crentes, existia um tesouro público abastecido por doações voluntárias e impostos sobre as tribos que se submetiam. 

10. Em 632, Maomé fez sua última visita a Meca. Em seu discurso, instou os muçulmanos a evitar a luta entre eles. Nesse mesmo ano, Maomé morreu. O testemunho dos seus companheiros próximos, passado basicamente por transmissão oral, só adquiriu sua forma definitiva muito depois, e então certamente já inflado por acréscimos. A primeira biografia do Profeta só surgiu um século após sua morte. 

11. Segundo o retrato de épocas posteriores, a comunidade fundada por Maomé reverenciava o Profeta e cultuava sua memória, tentando seguir os seus passos e empenhar-se no caminho do Islã para o serviço de Deus. Manteve-se unida graças aos rituais básicos de devoção, todos de aspecto comunal: os muçulmanos iam em peregrinação ao mesmo tempo, jejuavam por todo um mesmo mês e reuniam-se na prece regular, atividade que os distinguiu mais claramente do resto do mundo. 

12. Acima de tudo, há o legado do Corão. Trata-se de um livro que descreve em linguagem de grande força e beleza a incursão de um Deus transcendente, origem de todo poder e bondade, no mundo humano por Ele criado; a revelação de Sua Vontade através de uma linhagem de profetas enviados para advertir os homens e trazê-los de volta a seus verdadeiros eus como criaturas agradecidas e obedientes; o julgamento de Deus no fim dos tempos, e as recompensas e castigos que a isso se seguiriam.  

13. Maomé comunicou as revelações a seus seguidores em várias épocas, e eles as registraram por escrito ou as guardaram na memória. O processo pelo qual se coligaram diferentes versões e se estabeleceu um texto e uma forma geralmente aceitos só se concluiu após a morte de Maomé. Segundo a versão tradicional, isso aconteceu na época de seu terceiro sucessor como chefe da comunidade, 'Uthman (644-656). Algumas seitas muçulmanas acusaram outras de inserirem no texto material que não havia sido transmitido pelo Profeta. 

14. No Corão há ecos dos ensinamentos de religiões anteriores: ideias judaicas nas doutrinas; alguns reflexos da religiosidade monástica cristã oriental nas meditações sobre os terrores do julgamento e nas descrições do Céu e do Inferno; histórias bíblicas em formas diferentes das do Velho e do Novo Testamentos; um eco da ideia maniqueísta da sucessão de revelações feitas a diferentes povos. Há também vestígios de ideias morais da Arábia. 

15. A morte de Maomé trouxe um momento de confusão aos seus seguidores. Entre eles, havia três grupos principais: os primeiros companheiros que haviam feito a hégira com ele; os homens importantes de Medina; os membros das principais famílias de Meca. Numa reunião de colaboradores e líderes, escolheu-se do primeiro grupo um sucessor do Profeta (Khalifa): Abu Bakr, cuja filha 'A'isha era viúva de Maomé. 

Bibliografia consultada: HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 19-39.

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