“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos A Guerra de Secessão

domingo, 29 de julho de 2018

1. Para uma corrente "sociológica", o conflito que ceifou as vidas de 620 mil soldados entre 1861 e 1865 na América do Norte, além de deixar outros 400 mil feridos ou mutilados, foi uma guerra travada em torno de princípios inconciliáveis, isto é, a luta da liberdade contra a escravidão. Para outra corrente, a "geopolítica", a Guerra de Secessão deve ser sumariamente interpretada como uma "guerra entre regiões", na qual o Norte teria lutado contra o Sul. De qualquer modo, esse conflito representa o maior evento da história americana, uma vez que lançou as bases do Estado mais poderoso da Terra. 

2. A década de 1860 foi um grande divisor de águas na história mundial. Em 1861, a Rússia aboliu a servidão e o Japão iniciava a Era Meiji; assim, ambas as nações passaram a industrializar-se. Foi na década de 1860 em que se criou a "sociedade urbano-industrial". Nessa época, não apenas muitas comunidades foram retiradas de seu isolamento, como o conhecimento geográfico melhorou bastante. O ferro, enquanto material industrial básico, passou a ser rapidamente substituído pelo aço. Na geração de força motriz, o vapor aos poucos cederia espaço à eletricidade e aos derivados de petróleo. Em 1850, havia menos de 24 mil milhas de trilhos ferroviários instalados no mundo; em 1880, chegavam a 230 mil milhas.   

3. No início da década de 1860, Nova York já era a terceira maior cidade do mundo e Filadélfia superava o número de habitantes de Berlim. Em todo o Leste do país multiplicavam-se as indústrias, ao passo que no Centro e no Sul a agricultura se desenvolvia rapidamente. Por essa época, o "mito do Oeste" passou a fixar-se no imaginário nacional, colocando os índios como "inimigos da civilização", tentando-se dar coesão no Oeste a uma formação social que cada vez mais se esgarçava no Leste, opondo abolicionistas e escravistas ou nortistas e sulistas.    

4. A oposição entre o Norte e o Sul tinha as suas raízes no passado colonial. Contudo, ela foi aprofundada a partir do Bloqueio Continental de Napoleão - impedidos de importar, os comerciantes do Norte foram induzidos a aplicar seus capitais na produção de manufaturas. Daí em diante, a criatividade do inventor americano foi aplicada na resolução do problema do aumento da produção e, ao mesmo tempo, na falta de braços. As várias máquinas introduzidas no sistema industrial geraram forte aumento na produtividade do trabalho. A sociedade nortista, portanto, passou a atrair grandes levas de imigrantes, os quais iam ocupando os espaços deixados pela saída dos pioneiros para o Oeste. Os sulistas, por suas vez, apegavam-se à escravatura e viam com maus olhos as tarifas protecionistas exigidas pelos industriais do Norte para limitar as importações.   

5. A colonização do Oeste acirrou as disputas em torno de qual modelo deveria prevalecer nas novas áreas que estavam sendo desbravadas: assalariamento ou trabalho escravo. Em 1820, a União contava 22 estados - 11 escravistas e 11 antiescravistas, o que mantinha um equilíbrio de representação no Senado. Na Câmara, os estados nortistas, mais populosos, tinham uma vantagem de 105 deputados antiescravistas contra 85 escravistas. O equilíbrio foi assegurado pelo "Compromisso Missouri" e pelo "Compromisso de 1850", mas a luta política radicalizava-se e as desavenças iam deslocando-se do campo jurídico para o militar. O escravo, por sua vez, se tornava cada vez mais valorizado, sobretudo após uma lei aprovada pelo Congresso em 1808, que proibia a importação de novos escravos. Além de tudo isso, também existia um sentimento nacionalista no Sul.  

6. A causa abolicionista ganhou um mártir com a execução, em 1º de dezembro de 1859, de John Brown. Em outubro, ele tomara de assalto um arsenal federal na Virgínia, pretendendo armar os negros e provocar um levante nacional contra a escravidão. Com esse herói, faltava uma liderança política que se mostrasse à altura das novas necessidades. Ela surgiu nas eleições de 1860, com o jovem e enérgico Abraham Lincoln - os republicanos então apresentaram um programa firme, embora não radical, contra a escravidão. Eles não pretendiam imiscuir-se nos assuntos dos estados escravistas, mas queriam barrar a expansão da escravidão para o Oeste. Além disso, projetavam incentivar a indústria e integrar o país de costa a costa com ferrovias, iniciativas rejeitadas pelos sulistas.  

7. O Partido Democrata pretendia estender a escravidão para todo o país. No entanto, seu candidato, John Breckinridge, foi derrotado com folga nas eleições pelo republicano Abraham Lincoln. A vitória de Lincoln interrompeu a tradicional primazia dos sulistas sobre o governo federal. Sem aceitar os resultados da eleição, a Carolina do Sul declarou o rompimento em relação à União; na sequência, a Geórgia, o Alabama, a Flórida, o Mississippi, a Louisiana e o Texas se juntaram à secessão. Surgiam os Estados Confederados da América (8 de fevereiro de 1861), presididos por Jefferson Davis. Como julgavam a secessão um direito, não esperavam que a União reagisse militarmente à sua decisão. Entretanto, graças à astúcia de Lincoln, foi o exército confederado que atacou o Forte Sumter, no dia 12 de abril de 1861, dando início à Guerra de Secessão. 

8. Os dois lados lançaram-se à luta esperando que a guerra fosse de curta duração. Jefferson Davis, em particular, esperava uma vitória rápida, o que lhe possibilitaria o reconhecimento internacional, sobretudo da Grã-Bretanha e da França, grandes compradoras do algodão sulista. Porém, as potências europeias mantiveram-se neutras. Por sua vez, como quase toda a marinha e boa parte do exército permaneceram leais à União, Lincoln imaginou que um bloqueio naval imposto ao Sul logo desanimaria os rebeldes. Além disso, o Norte contava com uma economia muito mais dinâmica que a do Sul. Apesar disso, os confederados demonstraram enorme tenacidade e dispenderam maior esforço de mobilização, o que minimizou sua grande desvantagem demográfica em relação aos seus oponentes. Assim, a guerra arrastou-se por quatros longos e terríveis anos.

9. Como o delta do Mississipi estava sob controle dos confederados, a possibilidade de neutralizar os estados nortistas banhados por esse grande rio era considerável. Soma-se a isso o fato de que, por estarem mais acostumados ao ambiente rural, os soldados sulistas eram, em geral, melhores atiradores e cavaleiros que os das tropas unionistas, embora evidentemente entre os "casacos azuis" podiam se encontrar bons soldados. Entre os 620 mil soldados mortos no conflito, 360 mil era nortistas e 260 mil sulistas.    

10. Os sulistas escolheram Richmond, na Virgínia, para sua capital. O distrito de Columbia, onde está Washington, situa-se nas terras do vizinho estado de Maryland. Assim, a distância entre as sedes dos dois governos cobria apenas cerca de 160 km, o que fez com que os combates se concentrassem nessa zona. Para se ter uma ideia, no dia 21 de julho de 1861 foi travada junto ao riacho Bull Run a primeira batalha terrestre da Guerra de Secessão. Ela ocorreu a apenas 35 km de Washington, e foi vencida pelos sulistas.

11. Após alguma hesitação, os unionistas puseram em ação o "Plano Anaconda" - cercar os confederados e apertar o nó pouco a pouco. A consecução desse plano exigiu a abertura de três frentes: uma oriental, dirigindo-se a Richmond; outra, ocidental, visando controlar a bacia do Mississippi; e uma frente meridional, representada pelo cerco naval aos portos sulistas. O cerco naval, no entanto, não se mostrou tão eficiente como se supunha, uma vez que a vigilância de 5.600 km de litoral sulista era problemática e, aos poucos, os confederados desenvolveram uma marinha adaptada às suas necessidades. Além disso, essa estratégia era defeituosa, na medida em que foram concebida nos ensinamentos militares advindos da experiência europeia, e tanto as condições do terreno como a própria natureza da Guerra de Secessão se mostravam muito diferentes de tudo o que se conhecia até então. 

12. Na primeira fase da guerra, a única vantagem significativa dos confederados foi a maior experiência e o ardor dos seus soldados, além da maior capacidade tática de seus comandantes, ainda que não se possa subestimar o preparo dos oficiais nortistas. Sobretudo na frente ocidental, foram inúmeras as vitórias confederadas no primeiro ano de guerra. Por outro lado, com o passar do tempo, as vantagens logísticas da União impuseram-se também no mar; ela acumulava ainda uma capacidade de reposição de perdas materiais, e também humanas, muito superior à dos secessionistas.  

13. Após comandar uma bem-sucedida defesa de Richmond contra as forças unionistas do general McClellan, o general Robert Lee pretendeu invadir o Norte. Assim, em 15 de setembro de 1862, às margens do riacho Antientan, 50 mil confederadores prepararam-se para enfrentar 90 mil unionistas. A demora de McClellan em dar início aos combates permitiu às tropas de Lee reforçarem suas defesas. A batalha começou na alvorada de 17 de setembro, por iniciativa dos sulistas. A vacilação do comando nortista impediu uma vitória decisiva da União, custando posteriormente também o posto de comandante a McClellan. Quando caiu a noite, havia 26 mil baixas de ambos os lados, no dia mais sangrento da história dos Estados Unidos; diante do impasse, Lee retirou suas tropas sem ser molestado pelas forças do Norte.  

14. Os generais que sucederam a McClellan não tiveram sucesso nas duas tentativas que se seguiram de tomar Richmond. Quando o exército de Lee começava a penetrar na Pensilvânia, no início de julho de 1863, as tropas do general Meade os interceptou, na altura de Gettysburg, travando-se aí a maior batalha de toda a guerra. O uso intenso da artilharia nessa batalha deixou claro como seu emprego poderia ser letal: em apenas três dias, os unionistas perderam 23 mil homens, entre mortos e feridos, contra 28 mil dos confederados. Na sequência, as longa guerra de trincheiras que foi o Cerco de Petersburg, entre junho de 1864 e março de 1865, antecipou o que viria a ser a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Com a derrota, Lee tentou retirar-se para oeste, mas sua capital, Richmond, ficou desprotegida e foi incendiada até que rendeu-se, em 9 de abril de 1865. No dia 14 desse mês, Lincoln foi assassinado; no dia 26 de maio, as últimas tropas confederadas renderam-se.    

15. Os Estados Unidos foram preservados e, ao mesmo tempo, profundamente transformados pela Guerra Civil. A 13ª emenda à Constituição garantiu a liberdade aos negros. Ainda que ainda fossem uma potência periférica, relativamente isolada e com reduzido peso nos acontecimentos mundiais, os Estados Unidos mal saíram da grande Guerra Civil e já davam mostras de aspirar à condição de grande potência. Em 1867, compraram o Alasca do czar russo e exigiram a saída das tropas francesas do México. Assim, os estadunidenses deixavam claro que a Doutrina Monroe, de 1823, deveria ser encarada com muita seriedade pelas potências europeias.

Bibliografia consultada: MARTIN, André. Guerra de Secessão. In: MAGNOLI, Demétrio (org.). História das Guerras. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2006, p. 219-251.

0 comentários:

Enviar um comentário