“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

O Romano "Comum"

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

Músicos andarilhos de Pompeia.

A elite do Império Romano produziu praticamente a totalidade da literatura e do extraordinário material cultural que se conhece habitualmente como "romano". Consequentemente, o termo "romano" implica aplicar a visão do mundo e a cultura da elite para descrever o mundo romano em sua totalidade (o mesmo acontece quando escrevemos sobre a "civilização romana"). Neste post, pretendo abordar um esboço da gente corrente, aqui entendida como qualquer pessoa livre abaixo da elite e acima dos pobres jornaleiros ou camponeses. Ainda que em alguns aspectos fundamentais sua mentalidade era a mesma que a da elite - ao fim e ao cabo ambas formavam parte de uma cultura global - , em geral suas perspectivas e as atitudes se diferenciavam de forma significativa. 

Abaixo da camada dos extremamente ricos da sociedade romana existia um respeitável número de pessoas que dispunham de muito menos recursos em comparação com os mais abastados, mas, no pior dos casos, podiam assegurar o pão de cada dia e, no melhor dos casos, podiam gozar de um estilo de vida que lhes deixava tempo livre suficiente para cultivar certos interesses sociais, políticos e culturais. Esses eram modestos proprietários de terras, mercadores, artesãos, soldados bem-sucedidos, professores profissionais, médicos, arquitetos e outros. Esses homens e suas famílias representavam uns 25% da população romana. Toda essa gente apreciava o trabalho. 

Vivendo em um mundo absolutamente estratificado, a classe média estava estava impregnada de uma das atitudes básicas dessa forma de vida: tratar aos iguais como iguais, aproveitar-se dos membros das classes inferiores quando era possível e respeitar sempre a quem estava acima na pirâmide social. Nesse mundo tão segmentado, nascer livre era a condição preferida. 

Em geral, a superstição dominava a vida dessa gente. Os arqueólogos encontravam inumeráveis amuletos; acreditava-se que pulseiras, colares e anéis atuavam como talismãs eficazes frente ao desconhecido. As pessoas normais encontravam a muitas outras dispostas a dissipar as suas inquietações. Os sacerdotes nos templos, os abastecedores de amuletos e poções nas ruas e em pequenos quiosques, os magos profissionais preparados para elaborar feitiços ante qualquer necessidade, os intérpretes de sonhos ansiosos para que se lhe dessem a oportunidade de revelar o significado das imagens oníricas. 

Esses adivinhos estavam disponíveis porque existia uma profunda necessidade de encontrar sentido ao mundo e, de alguma forma, reconciliar o mundo pessoal com os ataques que recebia do mundo exterior. Todos estavam de acordo que o futuro estava escrito e, portanto, podia ser conhecido. Uma vez que se entendia que os agentes divinos estavam ao dispor, todos concordavam que se podia ter acesso aos seus poderes mediante preces, sacrifícios, feitiços e magia. 

A análise de sonhos revela que, em primeiro lugar, a morte era a preocupação mais habitual. A enfermidade também estava presente de forma constante entre as preocupações dos homens. Em relação à vida financeira, o homem corrente, por definição, possuía o suficiente para sobreviver, mas se preocupava se disporia de mais recursos, melhorando assim a sua vida. Em primeiro lugar, preocupava-se com o êxito financeiro. Entre os romanos "comuns", existiam muitos homens sem trabalho ou com empregos instáveis ou eventuais, e essa perspectiva atemorizava. 

Outra preocupação dizia respeito ao matrimônio, aos filhos e aos parentes. O amor romântico, todavia, era pouco lembrado. O "amor" até poderia ser uma parte da vida de um homem, mas não constituía uma preocupação primordial. Assim, muito mais preocupante era a estabilidade da união matrimonial. A essência de um bom matrimônio eram os filhos; não tê-los ou tê-los em pequeno número era uma das maiores desgraças da vida. Aparentemente, os romanos correntes preocupavam-se bastante com a libertinagem tanto do homem quanto da mulher - assim como hoje, é claro que existiam esposas licenciosas. De modo geral, parece que esse grupo da sociedade romana estavam mais comprometidos com o matrimônio e tinham uma tendência maior a se mostrar crítico em relação a práticas homossexuais. 

Em relação ao sistema legal, sobram provas de que o homem corrente não o utilizava e inclusive o evitava, e de maneira bastante sistemática. Num mundo em que os contatos pessoais e a riqueza davam acesso a tudo o que valia a pena ter, uma pessoa se encontrava em grande desvantagem se estava situada nos postos mais baixos da escala socioeconômica. Assim, recorrer ao sistema legal era sempre arriscado e a gente comum o evitava.      

Bibliografia consultada: KNAPP, Robert C. Los Olvidados de Roma - Prostitutas, forajidos, esclavos, gladiadores y gente corriente. Traducción de Jorge Paredes. Barcelona: Editorial Planeta, 2011, p. 11-66.

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