domingo, 9 de setembro de 2018
Jovem com uma prostituta. Xilogravura alemã do século XV, reproduzida com a permissão da Mary Evans Picture Library.
1. As prostitutas eram parte integrantes da vida urbana na Idade Média, figuras familiares em poemas, histórias, canções, crônicas e registros de tribunais. Quase não existia uma cidade que não contasse com um bordel. Um observador do século XV estimou que havia de cinco a seis mil prostituas em Paris, dentro de uma população de 200 mil pessoas. As prostituas procuravam clientes nas tavernas, praças, casas de banho, até mesmo nas igrejas. Existiam também zonas conhecidas como da "luz vermelha", e até hoje muitas cidades medievais antigas possuem uma "Rua da Rosa".
2. Na Idade Média, as mulheres entravam para a prostituição basicamente pelas mesmas razões às que as levam a fazê-lo em qualquer época: pobreza, inclinação natural, perda de status, um passado familiar perturbado, violento ou incestuoso. Na Baixa Idade Média, surgiu uma hierarquia de atividades no negócio da prostituição. No topo da hierarquia encontrava-se o bordel municipal em plena atividade. Em seguida vinham as casas particulares menores, a prostituição nas casas de banho (a despeito da proibição) e, finalmente, as prostitutas autônomas que atuavam ao ar livre.
3. A privacidade não era facilmente obtida no mundo medieval urbano, e as atividades das prostitutas eram frequentemente expostas à observação pública. Homens jovens e não-casados constituíam, provavelmente, o maior grupo de clientes servidos pelas prostitutas da Europa medieval. A prostituição era vista como um meio prático de permitir que os jovens de todas as classes sociais afirmassem sua masculinidade e aliviassem suas necessidades sexuais, evitando assim que se aproximassem de esposas e filhas respeitáveis.
4. Clérigos, homens casados, judeus e leprosos não deveriam usar os bordéis e muitas vezes eram especificamente excluídos pelos regulamentos que os regiam. Mas, na realidade, ainda assim os frequentavam. Um pesquisador calculou que o clero constituía 20% da clientela das casas de banho e bordéis privados de Dijon, na França. No entanto, isso não lhes angariava desaprovação, uma vez que se esperava que todos os jovens não-casados fornicassem, e os pais e maridos preferiam que clérigos jovens e bonitos usassem as prostitutas em vez das mulheres de suas famílias.
5. A prostituição foi essencialmente um produto das cidades, e, à medida em que as cidades cresceram e se expandiram, a partir dos séculos XI e XII, a prostituição passou a ser cada vez mais vista como um fenômeno social que precisava de regulamentação. Assim, a Igreja, as monarquias nacionais emergentes e as municipalidades urbanas tomaram medidas para lidar com isso. A lei canônica diferenciava a prostituição (envolvendo sexo com muitos homens) do concubinato (envolvendo sexo com uma pessoa, mas fora do casamento formal). Os canonistas denunciavam a prostituição, mas, seguindo santo Agostinho, a viam como um mal necessário.
6. Mesmo assim, a Igreja buscava uma contenção muito cuidadosa em relação à prostituição. Em primeiro lugar, as prostitutas tinham que ser diferenciadas da população decente por meio de uma marca de infâmia, e tinham que ser segregadas. Deste modo, a partir do século XIII surgiram códigos de vestimenta distintivos (muitas vezes a aiguillette, uma corda com nós pendente do ombro e de cor diferente do vestido) e zonas da "luz vermelha". Além disso, a Igreja colocava ênfase na perspectiva da regeneração e instava as prostituas a casarem e abandonarem a profissão. Em 1227, foi criada a Ordem de Santa Maria Madalena, estabelecida para administrar casas para prostitutas regeneradas.
7. O rei Henrique II da Inglaterra, em 1161, estabeleceu regulamentações para os bordéis de Southwark. Fora das muralhas da cidade, Southwark evoluiu para se tornar a zona da "luz vermelha" de Londres. O objetivo dele e de outros monarcas era o de criar centros ordeiros e eficientes para a satisfação sexual que, na medida do possível, não ofendesse a decência pública. Além da coroa, as autoridades municipais também passaram a ter essa meta, que incluía não apenas a segregação das prostitutas, mas também a busca do cumprimento da regulamentação do vestuário. Apesar dos esforços, os registros dos tribunais revelam a tendência inexorável da prostituição a se espalhar.
8. As prostitutas e os bordéis eram claramente vistos como constituindo um perigo para a ordem e a moral públicas. Assim, com o apoio da coroa, o conselho municipal de Londres impôs um toque de recolher em 1393. Em 1417 (e, depois, em 1422) o conselho decretou o fechamento de todos os bordéis dentro da cidade, queixando-se que sua presença levava a "muitos agravos, abominações, danos, perturbações, assassinatos, homicídios, furtos e outros prejuízos comuns." A recorrência de tais ordens a intervalos regulares ao longo da Idade Média revela o quão vã era a esperança de um controle firme e permanente para o problema da prostituição. A copulação ilícita grassava dentro e fora das muralhas da cidade.
9. Na França, o rei Filipe Augusto (1180-1223) incentivou a prostituição em Paris, a fim, dizia-se, de desencorajar a homossexualidade entre os estudantes. Seu neto, Luís IX (1226-1270), por outro lado, procurou banir as prostitutas públicas das cidades e de seus arredores rurais. Seu filho, Filipe III (1270-1285), encarregou os meirinhos reais, em 1272, de eliminar a blasfêmia, o jogo e os bordéis. Filipe IV (1285-1314), neto de Luís, colocou os funcionários reais no Languedoc à disposição dos cidadãos que quisessem expulsar prostitutas de áreas respeitáveis. Em 1367, sob o reinado de Carlos V (1364-1380), as prostituas foram confinadas a ruas designadas; caso desobedecessem, seriam banidas da cidade. Isso se tornou a política real oficial nos 150 anos seguintes.
10. Outro passo foi o estabelecimento de bordéis de propriedade municipal. Toulouse estabeleceu um entre 1363 e 1372, e Castres a seguiu em 1391. Onde não existia uma população suficientemente numerosa ou tolerância bastante para com a prostituição para que se instalasse um bordel municipal, era observado o costume de "uma vez por semana". Com aprovação oficial, as prostitutas podiam pernoitar na cidade uma vez por semana, costume que corrobora o fato de que seu lugar costumeiro era fora da cidade.
11. Os bordéis municipais podiam ser arrendados a quem oferecesse mais, podiam ser administrados por uma organização municipal de caridade com os lucros indo para a caridade ou, quando eram pequenos demais para dar lucro, podiam ser administrados como empresas de caráter não-lucrativo. Era possível lucrar com a manutenção de bordéis, como prova a dominação da manutenção de bordéis privados pela nobreza e a alta burguesia. A Igreja também arrendava lucrativamente propriedades a mantenedores de bordéis e, próximo ao final da Idade Média, o papado faturava 28 mil ducados por ano com os imóveis que arrendava com este propósito.
12. A fórmula clássica presente nos documentos do Languedoc para justificar um centro autorizado de prostituição era que um lugar se fazia necessário para "evitar um mal maior". Este mal maior era o mau exemplo que a prostituição dava, além do perigo das mulheres serem seduzidas para aquela vida. A ideia de fazer com que ficassem confinadas a bordéis, administrados pela "abadessa", possuía uma certa simetria. Num extremo da escala, mulheres celibatárias em conventos de freiras levavam vidas que imitavam a da Virgem; no outro extremo, mulheres públicas enclausuradas expiavam o pecado de Eva satisfazendo os desejos masculinos. Assim, os bordéis públicos eram um aspecto não da permissividade moral, mas do rigor moral.
13. Muitas vezes as autoridades municipais recrutavam mulheres estrangeiras para os bordéis a fim de que as mulheres locais não fossem conspurcadas. Juntamente com a sacralização do casamento, o aumento da perseguição aos homossexuais e da preocupação da Igreja com a masturbação, vinha o desejo de canalizar o impulso de fornicação no sentido de um refúgio aceitável. Este "porto seguro" era o bordel oficialmente administrado, controlado e inspecionado, cuja mão de obra era composta de mulheres estrangeiras e que era mantido fora da vista dos cidadãos respeitáveis.
14. A posição oficial das prostituas se assemelhava assim à dos judeus ou à dos leprosos. Todos os três grupos eram obrigados a usar roupas especiais e eram cada vez mais segregados. Além disso, todos os três eram estimulados a se arrepender e a se regenerar. Como os judeus, as prostitutas desafiavam o ensinamento da Igreja, mas deviam ser igualmente toleradas. A razão? Ambos desempenhavam uma função necessária, ainda que repulsiva: a usura (os judeus) e o sexo (as prostitutas). Como os leprosos, as prostitutas eram privadas de direitos civis, apesar de evidências de que houve uma melhora em sua posição legal.
15. A mudança decisiva em relação à prostituição se deu no século XVI. O fechamento dos bordéis se deu tanto pelo efeito cumulativo da epidemia de sífilis, que varreu a Europa no início desse século, quanto e principalmente pela pressão moral oriunda do protestantismo, o qual exigia a castidade antes do casamento e visualizava uma sexualidade ativa dentro da relação matrimonial, mas não estava absolutamente inclinado à tolerância em relação à fornicação da juventude. Logo a Contrarreforma buscou se equiparar à Reforma em rigor moral e na repressão à imoralidade sexual. Assim, tanto protestantes quanto católicos passaram a ver a prostituição como algo a ser reprimido e não incentivado, ainda que dentro de limites estritamente definidos.
Bibliografia consultada: RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação - as minorias na Idade Média. Tradução de Marco Antônio Esteves da Rocha e Francisco José Silva Gomes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.
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