“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos Sexo na Idade Média

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Prazeres eróticos. Uma xilogravura anônima, Basiléia, c. 1430. 
Mary Evans Picture Library.

1. Quais são as evidências disponíveis em relação às atitudes medievais diante do sexo e da sexualidade? Dividem-se em evidências teóricas (textos médicos, tratados teológicos, códigos de leis), práticas (registros de tribunais, os manuais de penitências da Igreja) e culturais (poesia, prosa, anedotas, rimas). Foi a Igreja, a força dominante na vida moral e espiritual das pessoas na Idade Média, que tomou a iniciativa de especificar que atos sexuais as pessoas poderiam se permitir e de regulamentar onde, quando e com quem o sexo poderia ter lugar.

2. A Igreja fazia prescrições com pleno conhecimento do poder do impulso sexual. A Cristandade foi, desde seus primórdios, uma religião negativa quanto ao sexo. Assim, os pensadores cristãos encaravam o sexo, na melhor das hipóteses, como uma espécie de mal necessário. O celibato e a virgindade eram encarados como as mais elevadas formas de vida.   

3. No século II, Clemente de Alexandria vinculou o Pecado Original diretamente à descoberta do sexo por Adão e Eva. Agostinho foi além e identificou o Pecado Original com o desejo sexual. Somente no final do século XVI a ideia de sexo puramente por prazer foi apresentada como uma proposição teórica séria.   

4. Foi na França, no século IX, que a Igreja iniciou o longo processo de sacralização do casamento. Até então, esse havia sido um assunto basicamente secular. A sacralização passou a envolver, dentre outras coisas, a promoção da ideia de consentimento por parte do casal que se unia (um novo desenvolvimento). A nova centralidade do casamento era simbolizada pelo fato de que, em vez de entregar a noiva diretamente ao marido, os pais agora a entregavam ao padre, que a unia a seu marido. No século XII, a Igreja já havia assumido o controle legal, moral e organizacional do casamento.   

5. O papel da mulher permaneceu o de subordinação em relação ao homem. Como filha e herdeira de Eva, era ao mesmo tempo inferior e diabólica. Por isso, a mulher precisava ser disciplinada. A promoção do culto à Virgem Maria, a partir dos séculos XI e XII, propiciou às mulheres dois modelos de função enobrecedores: a virgindade e a maternidade. O casamento, assim, era o destino esperado da maioria das mulheres. No entanto, o amor raramente estava envolvido nisso. Nas camadas mais baixas, normalmente, as pessoas se contentavam com um concubinato flutuante e transitório. 

6. O século XII foi notável por uma discussão ampla do amor: o amor por Deus (em alguns casos, quase erótico); o amor entre homens, não sexual e baseado em afeição e respeito mútuos; o amor cortês, no qual um homem não casado realizava feitos galantes em nome de uma mulher casada (a tônica desse amor eram a ânsia e o sofrimento). Poucas histórias de amor medievais terminam em casamento, e os escritos seculares raramente encaram o casamento como fonte de felicidade, uma vez que ele representava o fim da liberdade e o início da responsabilidade. Uma exceção foi Cristina de Pisa (c. 1364- c. 1430).  

7. No século XIII, a Igreja desenvolveu um conceito de casamento como uma expressão de companheirismo amoroso. No século anterior, Graciano definiu dois estágios necessários para a validação do casamento: consentimento (espiritual) e consumação (física). Ele se opôs ao segundo casamento. De modo geral, esperava-se que a esposa ideal fosse casta e recatada. Assim, comportar-se de maneira excessivamente apaixonada com a esposa era considerado chocante.  

8. Nos penitenciais, as questões sexuais formavam a maior categoria isolada das ofensas. As penitências baseavam-se na ideia de um jejum a pão e água, e de abstinência sexual por alguns dias. Os velhos eram mais severamente punidos do que os jovens, os casados mais do que os solteiros, e os clérigos mais do que os leigos. A razão era a responsabilidade, a maturidade e a obrigação de dar o exemplo vinculadas a esses grupos. Nesse sentido, Alain de Lille, um teólogo francês do século XII, considerava um delito menor praticar sexo com uma bela mulher do que com uma mulher feia, uma vez que no primeiro caso havia o atenuante da tentação.

9. A Igreja restringia os dias em que o sexo poderia ser praticado, bem como as posições - na verdade, apenas a "posição do missionário" era aceita. Os penitenciais incentivavam os casais a transarem apenas à noite e parcialmente vestidos. As penas mais pesadas eram reservadas para incesto, sodomia e bestialidade; quinze anos se penitência eram normalmente aplicadas aos infratores habituais. A homossexualidade feminina também era atestada (neste caso, a pena era de cinco anos). Na sequência, vinham o adultério, a fornicação e a masturbação.  

10. A contracepção (sobretudo o coito interruptus) e o aborto eram tão conhecidos na Idade Média quanto haviam sido na Antiguidade. Os teólogos, no entanto, consideravam a ambos um pecado grave. Apesar disso, tudo indica que a contracepção era uma atividade ampla e regularmente praticada. O catarismo, o principal questionamento herético ao catolicismo no século XII, defendia que o sexo, o casamento e a procriação eram invenções do Diabo, e o celibato era exaltado. Passada essa ameaça, o declínio maciço da população na esteira da Peste Negra levou pregadores e teólogos a denunciarem a prática do controle de natalidade, agora culpado por exacerbar o declínio demográfico.  

11. Na Baixa Idade Média, o Estado e as municipalidades também começaram a se preocupar com questões sexuais - existia uma tendência de maridos traídos ou de famílias ofendidas a castrar ou assassinar para vingarem sua honra. No campo, por outro lado, predominava uma moralidade alternativa à pregada pela Igreja. Era a moralidade da sociedade tribal e camponesa pré-cristã, na qual a vida sexual era livre e fácil; a fornicação e o concubinato eram comuns. A ideia era que, se o sexo era agradável aos parceiros, não era desagradável a Deus.  

12. No pensamento eclesiástico, na sociedade secular e entre as pessoas em geral, era aceitável que os homens não fossem castos, mas as mulheres tinham que sê-lo. Embora alguns penitentes compreendessem que a fornicação era errada, segundo o bispo Bartolomeu de Exeter (século XII), a maioria das pessoas não a considerava um pecado. Para alguns, a masturbação, que evitava o contato com as mulheres, era de alguma forma um substituto aceitável à fornicação.  

13. Em 1287, a Igreja declarou como herética a opinião de que os fornicação não era pecado. Isso produziu pouco efeito - no final do século XV, pregadores testemunhavam que a maioria das pessoas não consideravam a fornicação de modo algum pecado. Seja lá o que for que a Igreja possa ter dito a esse respeito, havia claramente uma tolerância social generalizada quanto à atividade sexual pré-marital e extraconjugal masculina na Idade Média. 

14. No noroeste da França, muitos filhos mais jovens enveredavam-se pela cavalaria errante. Seus dias eram preenchidos com torneios, caça, guerra, jogo, brigas e sexo. Em Borgonha e em Veneza, no fim do período medieval, a violência contra as mulheres era parte da sexualidade dos homens jovens. Muitas vezes os jovens se reuniam, à noite, e saíam para cometer estupros coletivos. Via de regra, as punições aos estupradores eram leves, sobretudo se a vítima fosse de condição social inferior.  

15. A Igreja associava o sexo ilícito ao Diabo e sua legião de demônios, os quais assolavam o mundo e tentavam os cristãos comuns. Caesarius de Heisterbach (c. 1180 - c. 1250) narrou diversas histórias de encontros sexuais induzidos pelo demônio. Assim, normalmente as bruxas e os hereges eram associados a orgias e sexo com o Diabo. 

Bibliografia consultada: RICHARDS, Jeffrey. Sexo, desvio e danação - as minorias na Idade Média. Tradução de Marco Antônio Esteves da Rocha e Francisco José Silva Gomes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1993.

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