“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Conflito Armado Não-Internacional

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Ontem, o Brasil foi abalado com as notícias de uma megaoperação das forças de segurança do estado do Rio de Janeiro no Complexo do Alemão e no Complexo da Penha, com saldo oficial de 113 presos, 91 fuzis apreendidos e mais de 120 mortos, dentre eles dois policiais civis e dois militares do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE).

Segundo o projeto RULAC da ICRC, tal situação de violência assume a dimensão de conflito armado não-internacional (CANI/NIAC).

São características do CANI: um conflito em que pelo menos um dos lados é um grupo armado organizado e a violência prolongada entre o Estado e um grupo armado organizado.

Homenagens à Virgem Maria no Irã

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

 

Teerã, a capital do Irã, possui aproximadamente 160 estações de metrô operacionais, várias delas famosas pela delicadeza artística. A notícia mais recente é que uma delas acaba de homenagear a Virgem Maria. Segundo a reportagem de O Globo (link abaixo), "a Virgem Maria desfruta de respeito universal no Irã e é uma figura vista como capaz de promover laços entre fiéis de qualquer religião. Maryam também é um dos nomes femininos mais comuns no país.

Em 2015, a então maior estátua do mundo de Maria foi inaugurada na Indonésia, país que tem a maior população muçulmana do mundo. Na ocasião, fiz um post sobre a veneração à mãe de Jesus, no catolicismo e no Islã. Leia a publicação aqui.

Leia a reportagem completa: O Globo

A Batalha de Tagina (552)

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

 

Em julho de 552, foi travada a Batalha de Tagina, também conhecida como Batalha das Tumbas dos Galos (Busta Gallorum), perto da atual Gualdo Tadino, Itália.

As forças do Império Romano do Oriente (ou Bizantino) foram comandadas por Narses, ao passo que os ostrogodos foram liderados pelo seu rei, Tótila. Narses utilizou uma tática defensiva forte, posicionando a sua infantaria germânica no centro, em formação densa e flanqueando-a com tropas bizantinas e 4 mil arqueiros em cada ala.

Após uma vitória decisiva dos bizantinos, os ostrogodos abandonaram a formação e fugiram no início da noite. Tótila foi morto, provavelmente durante o tumulto da fuga, e o caminho se abriu para a conquista bizantina total da Península Itálica.

A vitória de Narses em Tagina foi decisiva, marcando um ponto crucial da Guerra Gótica (535-554). Embora os ostrogodos ainda tenham tentado reagrupar-se sob o sucessor de Tótila, Teia, a derrota final na Batalha de Mons Lactarius, no ano seguinte, marcou o fim do domínio ostrogótico na Itália.

A Morte de Seleuco

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

 

O relato abaixo é sobre Seleuco I Nicátor (359-281 a.C.), um dos Diádocos ("sucessores" de Alexandre Magno). Seleuco venceu a Sexta Guerra dos Diádocos, em 281, na qual morreu Lisímaco, outro Diádoco.

Seleuco possuía agora toda a Ásia desde o Egeu até o Afeganistão: quase todo o antigo Império Persa, exceto o Grande Egito e os territórios que havia cedido a Chandragupta. O rei egípcio deve ter pensado que seria seu próximo objetivo, sobretudo desde que Seleuco incorporou a Cerauno à sua corte, indicando assim que olhava com bons olhos sua prerrogativa de ocupar o trono egípcio. Em geral, as cidades gregas da Ásia deram as boas-vindas a Seleuco oportunisticamente, embora tenham tido que expulsar as guarnições lisímacas de Sardes e dos demais lugares.

Seleuco dedicou apenas uns meses a estabilizar a situação e a planejar o futuro da Ásia Menor, antes de dar o seguinte passo lógico. No verão de 281 cruzou o Helesponto e marchou a Lisimaquia para reclamar também as posições de Lisímaco na Europa. Junto com a Trácia e a Macedônia, Seleuco governaria efetivamente o mundo. Estava mais próximo ainda que o próprio Antígono de emular a Alexandre.

Não havia exército que pudesse resistir-lhe (era "o conquistador de conquistadores"), mas até o comandante de um vasto exército era vulnerável como homem. No mesmo mês de setembro, enquanto cavalgava nas proximidades de Lisimaquia, Cerauno matou traiçoeiramente a Seleuco com suas próprias mãos. Cerauno havia decidido renunciar ao Egito (um osso demasiado duro de roer) e tirar proveito da confusão reinante, para estabelecer-se na Europa. O irônico é que Seleuco havia dado abrigo a quem seria seu assassino. Foi um final infeliz para um dos sucessores mais ousados e empreendedores. Pelo menos, ao nomeado rei conjunto a Antíoco, havia deixado o seu império o mais estável possível.

WATERFIELD, Robin. La Guerra por el imperio de Alejandro Magno. Traducción de Inés Beláustegui. Madrid: Gredos, 2012, p. 293-294.

Doc. 'História da Irmandade Muçulmana'

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

 

A Monarquia Macedônica

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Em teoria, o poder de cada rei [macedônico] era absoluto, mas na prática tinha que respeitar aos seus conselheiros; ao fim e ao cabo, não podia saber de tudo o que se passava no reino. Além disso, tinha que respeitar a população em geral, e se o fazia de vez em quando, era para conservar a sua popularidade. Sem dúvida, poucos daqueles que se apresentavam na corte conseguiam ver ao rei em pessoa; no melhor dos casos, se encontrava com um dos Amigos. Consequentemente, os barões atuavam como intermediários não só entre o rei e o exército, como também entre o rei e seus cidadãos. Sem a boa vontade dos barões, a duras penas poderia governar.

Em situações críticas era possível também que um rei macedônico decidisse convocar uma assembleia, para informar plenamente aos seus súditos sobre algo que fosse a suceder na sequência, para ter depois menos motivos de queixa. Assim, por exemplo, quando Alexandre, o Grande, revelou seus planos de marchar mais a leste do que qualquer um havia imaginado, a primeira coisa que fez foi transmitir a decisão aos seus homens; e vimos como quantos sucessores manipularam os seus soldados para que chegassem a julgamentos manipulados sobre os seus adversários, com o objetivo de legitimar suas guerras e assassinatos.

A Macedônia era, portanto, uma monarquia atenuada, mas não uma monarquia constitucional. O rei era a cabeça executiva do estado e seu chefe religioso supremo. Tinha direito a decidir questões de política, tanto exterior como interior (como os níveis de ônus fiscal, por exemplo); tinha direito a selar alianças e a rompê-las, e a declarar a guerra e a paz, e era o comandante-em-chefe das Forças Armadas. Além disso, era o juiz supremo, com poder para decidir se celebraria ou não um juízo em qualquer situação dada, ou inclusive para decidir se ordenava ou não uma execução sumária. O modelo se assemelhava muito ao de uma monarquia homérica; nos poemas de Homero, os mais velhos aconselhavam, o povo escutava ou gritava seus pontos de vista, mas a decisão final repousava por completo no rei.

WATERFIELD, Robin. La Guerra por el imperio de Alejandro Magno. Traducción de Inés Beláustegui. Madrid: Gredos, 2012, p. 233.

Os Diádocos e a Guerra

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

 

Já não havia um único império macedônico ao qual oficiais e homens devessem lealdade. A desintegração do império como um todo implicou que essa lealdade passava a limitar-se à província concreta, e se convertia em uma lealdade a si mesmos ou ao patrão que lhes pagava, seu rei.

Ainda que seja possível que a essas alturas os sucessores [ou diádocos] sentissem que seus territórios eram relativamente estáveis, eles seguiam querendo mais. Essa era a sua missão como reis. A categoria de rei de obtinha mediante a guerra e se mantinha mediante a guerra, e todos os reis helenísticos, desse período e posteriores, se apresentavam a si mesmos como homens de guerra, até em sua maneira de se vestir. Dentro de um sangrento círculo sem fim, o êxito militar trazia riquezas (graças aos saques e os pagamentos de compensações) e acrescentava territórios, o qual permitia ao rei gerar mais receitas, pagar mais soldados e, por conseguinte, obter maiores êxitos militares. Assim raciocinava um monarca; essa é a razão pela qual os reis sempre estavam em guerra uns com os outros. Foram necessários anos para romper esse círculo de destruição, assim como para que se reconhecesse um equilíbrio de poder graças ao qual a monarquia ficasse determinada pelo direito hereditário mais que pelas vitórias. O direito hereditário era irrelevante para os sucessores porque eles eram os pioneiros; eram reis pelas suas conquistas, não pelo sangue que corria em suas veias.

WATERFIELD, Robin. La Guerra por el imperio de Alejandro Magno. Traducción de Inés Beláustegui. Madrid: Gredos, 2012, p. 213.

Basílio II Bulgaróctono

terça-feira, 30 de setembro de 2025

 

Basílio II, imperador bizantino de 976 a 1025, ficou conhecido como Bulgaróctono ("o Matador de Búlgaros"). Nascido em 958, tornou-se imperador muito jovem, o que permitiu que regentes e generais poderosos como os irmãos Bardas Esclero e Bardas Focas exercessem grande influência na corte. Assim, Basílio II assumiu o controle efetivo por volta de 985 d.C.

A maior fama de seu reinado advém das guerras travadas contra o Primeiro Império Búlgaro. A campanha durou décadas. Após a batalha de Clídion (1014), cerca de 15 mil soldados búlgaros capturados foram cegados e enviados de volta ao czar Samuel, o que valeu a Basílio II a alcunha de Bulgaróctono. A guerra terminou em 1018, com a completa incorporação da Bulgária ao Império Bizantino.

Também obteve vitórias contras árabes, georgianos e outras forças orientais, consolidando as fronteiras. Graças à sua disciplina fiscal, legou ao império um dos maiores tesouros de sua história. A Igreja foi mantida sob controle do Estado, e a nobreza terratenente foi limitada; por outro lado, favoreceu os camponeses soldados (stratiotes), fundamentais para o exército bizantino.

O reinado de Basílio II assinalou o auge do poder militar e financeiro da civilização bizantina, que alcançou sua máxima extensão territorial desde Justiniano. Contudo, Basílio não deixou herdeiros diretos, e o poder passou a irmãos e parentes menos capazes, iniciando assim o lento declínio do Império Bizantino após 1025.

A Guerra de Troia

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

As principais fontes sobre o conflito entre gregos e troianos, por volta de 1200 a.C., no fim da Idade do Bronze, são as obras de Homero. Há sete anos, fizemos um post, disponível aqui.

Segundo a mitologia, a guerra começou quando Páris, príncipe troiano, raptou (ou seduziu) Helena, esposa do rei espartano Menelau. Em resposta, os gregos (aqueus) organizaram uma grande expedição liderada por Agamenon, irmão de Menelau, para atacar Troia e recuperar Helena.

A guerra durou dez anos e envolveu heróis como Aquiles, Ulisses (Odisseu), Heitor e Ájax. Quando os troianos levaram para dentro de sua cidade um enorme cavalo de madeira deixado como "presente" pelos gregos, que supostamente haviam desistido do cerco e retornado para a sua terra, eles caíram numa armadilha. Achando que haviam levado um cavalo para dentro de Troia, na verdade os troianos abrigaram guerreiros gregos, que saíram de dentro do cavalo e abriram os portões à noite. O restante dos gregos, que haviam se ocultado em ilhas próximas, retornaram, invadiram e destruíram a cidade.

Embora inspirada em fatos históricos do fim da Idade do Bronze (século XII a.C.), a Guerra de Troia, como descrita nos mitos, é sobretudo um episódio épico que envolve história e lenda.

Batalha do Trébia (218 a.C.)

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

 

Travada às margens do Rio Trébia, na Gália Cisalpina (norte da Itália), em 18 de dezembro de 218 a.C., entre as tropas cartaginesas de Aníbal e as legiões da República romana.

Aníbal havia acabado de completar a audaciosa travessia dos Alpes. Após um primeiro e menor sucesso em Ticino, o general cartaginês estava no vale do Rio Pós, reforçando suas tropas com a adesão de tribos gaulesas. Os cônsules Públio Cornélio Cipião e Tibério Semprônio Longo, uniram suas forças para enfrentá-lo.

Na manhã gelada de dezembro, Aníbal enviou a sua cavalaria númida para provocar o acampamento romano. Apressado e confiando, o cônsul Semprônio ordenou que seus 40 mil homens atravessassem o Rio Trébia imediatamente para enfrentar a cavalaria inimiga. Os legionários fizeram uma exaustiva travessia pelas águas geladas do rio, enfrentando a seguir a força principal de Aníbal, que tinha superioridade em cavalaria e elefantes de guerra. Quando as linhas principais estavam engajadas no combate, uma força oculta de 2 mil homens liderada pelo irmão de Aníbal, Magão Barca, despontou de uma ravina para atacar a retaguarda romana. As legiões, presas no centro, foram massacradas e cercadas, sofreram baixas massivas - entre 20 mil e 32 mil homens foram mortos, feridos ou capturados.

A vitória cartaginesa em Trébia foi um choque para a República romana. A derrota do exército romano deu início à sequência de grandes vitórias de Aníbal, culminando no desastre de Canas, dois anos depois.

A Dinastia Fatímida (909-1171)

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

A Dinastia Fatímida estabeleceu um Califado xiita ismaelita que governou uma vasta área do Norte da África e do Oriente Médio. A dinastia foi fundada em 909, por Abedalá Almadi Bilá, na Ifríquia (atual Tunísia) após derrubarem a dinastia Aglábida. Sua capital foi Mádia e, além da ação militar, a difusão da sua fé pelo Norte da África, pela ação de missionários ismaelitas, resultou na consolidação do seu poder pelo Magrebe.

Em 969, os fatímidas (que têm esse nome porque alegavam descender de Ali e sua mulher Fátima, filha do profeta Maomé) conquistaram o Egito. Eles fundaram o Cairo, que se tornou sua nova capital, além de um grande centro de cultura, comércio e aprendizado islâmico. A partir dali o seu controle se expandiu para a Palestina, a Síria e, por um tempo, partes da Arábia, incluindo as cidades sagradas de Meca e Medina. A rivalidade com o Califado Abássida, sunita, foi marcante. A partir do século X, os fatímidas se enfraqueceram, devido a crises internas, disputas pelo poder, crises econômicas e a ascensão de novas potências, como os Seljúcidas. Em 1171, o vizir Saladino dissolveu o Califado Fatímida, restaurando o Islã sunita no Egito e fundando a Dinastia Aiúbida.

O Bispo e o Imperador Justiniano

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Justiniano e Teodora na corte, em Constantinopla.

No contexto da Reconquista promovida pelo imperador bizantino Justiniano (r. 527-565), o soberano titubeava sobre lançar uma expedição contra a Líbia, então sob controle dos vândalos de Gelimero. João da Capadócia, prefeito do pretório e "o mais audaz e hábil de todos os homens de seu tempo", apresentou várias objeções à aventura militar, certamente custosa em termos materiais e humanos, além de ser potencialmente desastrosa em termos políticos. Então, um bispo solicitou uma audiência privada com Justianiano, conforme descrita pelo historiador Procópio:

No transcurso da entrevista que manteve com ele, disse que Deus lhe havia ordenado em sonhos dirigir-se ao imperador para censurar-lhe porque, havendo lhe encarregado de proteger os cristãos dos tiranos da Líbia, posteriormente havia se amedrontado sem qualquer razão: "E, sem dúvida", Deus prosseguiu lhe dizendo, "eu seguirei sendo aliado do imperador enquanto ele esteja fazendo a guerra e lhe tornarei o senhor da Líbia." Quando Justiniano escutou essas palavras, não pôde mais reprimir seus anseios, mas logo começou a reunir seu exército e suas embarcações, preparar as armas e os víveres e ordenou a Belisário que estivesse pronto para atuar como general na Líbia muito em breve.

PROCOPIO DE CESAREA. Historia de las guerras. Madrid: Gredos, 2000, Livro III, 10.19-21. Tradução livre.

Beija-Mão

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

A cerimônia de corte do beija-mão foi uma função medieval resgatada pelos Bragança. A representação pública colocava o monarca em contato direto com o vassalo. Este, por sua vez, lhe apresentava as devidas reverências e suplicava por alguma mercê, frequentemente concedida pelo rei. O cerimonial reforçava a autoridade paternal do soberano protetor da nação, bem como o respeito à monarquia. Regras prescritas determinavam a sequência de atos que levava ao ponto mais alto da cerimônia do beija-mão. No Brasil, o ritual do beija-mão adquiriu um caráter essencial nas cerimônias celebradas por d. João VI, que aparece em seu trono na ilustração acima, de autoria de A. P. D. G. e datada de 1826. O rei recebia o público todas as noites, exceto domingos e feriados, no palácio de São Cristóvão, acompanhado por uma banda musical. Esse ritual antiquado, como foi observado por convidados austríacos na corte carioca, fez parte do papel assumido por d. João como um monarca absoluto. Em 1871, D. Pedro II aboliu tal cerimonial.

Dabiq

terça-feira, 16 de setembro de 2025

 

Segue a capa do nº 4 da revista Dabiq, de outubro de 2014. Essa era a publicação do Daesh (também conhecido como ISIS ou Estado Islâmico). Essa edição destacou ameaças contra os países envolvidos na coalizão contra o Daesh, incluindo Estados Unidos, Reino Unido, França e Austrália. Incita ataques isolados e promete conquistar Roma, além de promover a propaganda jihadista. As mensagens reforçam o sigilo e a necessidade de ataques rápidos e discretos.

A revista contém várias ameaças e cita repetidamente a mensagem em vídeo de 21 de setembro de 2014 do então porta-voz do Daesh, Abu Muhammad al-Adnani. Trechos de sua mensagem em vídeo incluíam:

"E assim prometemos a vocês [ó cruzados], com a permissão de Allah, que esta campanha será sua campanha final. Ela será quebrada e derrotada, assim como todas as suas campanhas anteriores foram quebradas e derrotadas, exceto que desta vez nós os invadiremos depois, e vocês nunca mais nos invadirão. Conquistaremos sua Roma, quebraremos suas cruzes e escravizaremos suas mulheres, com a permissão de Allah, o Exaltado."

Pérola de Scruton (III)

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

 

Estátua do deus Hermes

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Na foto acima, de 1978, é possível ver a estátua do deus Hermes, o protetor dos viajantes, mercadores, ladrões, trapaceiros, oradores, poetas, pastores, rebanhos, atletas e ginastas. O prédio, atrás do monumento, é da EEEFM Maria Ortiz, e a praça chama-se Cecília Monteiro. O logradouro fica no Centro de Vitória, bem próximo do Palácio Anchieta, sede do governo estadual.

Ocorre que a estátua não se encontra mais ali. Após uma extensa investigação, descobri que ela foi danificada com a queda de um galho da árvore que aparece na foto. Então, em 1979 ela foi removida para reparos, e até hoje não retornou à Praça Cecília Monteiro.

O Scorpio

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

 

O exército romano tornou-se famoso pela infantaria e pela cavalaria. Porém, sua artilharia também não ficava em nada a dever. Acima, segue o Scorpio, uma poderosa máquina de guerra que também consta na seção de colecionismo do blog.

Guerreiros Árabes

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

 

Por séculos, os guerreiros do Islã dominaram os campos de batalha, da Arábia à Ásia Central, do Norte de África à Espanha. Se é verdade que rápida expansão dos árabes, a partir do século VII, não pode ser explicada sem que consideremos o enfraquecimento dos impérios Bizantino e Sassânida, bem como a indiferença dos citadinos quanto a quem os governaria, também é verdade que a coragem, a força e o senso de unidade dos árabes era reconhecido até pelos seus inimigos. Tudo isso nos remete a uma antiga profecia, que consta no primeiro livro bíblico:

"E ele será homem selvagem; sua mão será contra todo homem, e a mão de todo homem contra ele; e ele habitará na presença de todos os seus irmãos." Gênesis 16:12 (KJV)

Alexandre encoraja as suas tropas

terça-feira, 2 de setembro de 2025

 

Alexandre, o Grande foi um dos generais mais carismáticos de todos os tempos. Quando decidiu invadir o Império Persa Aquemênida, ninguém poderia imaginar que poderia vencer com a imensa desvantagem numérica e de recursos financeiros.

Na ilustração acima, o rei da Macedônia aparece animando as suas tropas antes da Batalha de Gaugamela (331 a.C.). Essa foi a terceira e última batalha entre as falanges e o exército persa. Derrotado decisivamente em Gaugamela, Dario III bateu em retirada enquanto as suas forças mergulhavam no caos. Após a batalha, Alexandre passou a caçá-lo implacavelmente; em 330 a.C., o outrora "Grande Rei" foi assassinado pelos seus próprios nobres.

Alexandre e o Nó Górdio

quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Por volta de 333 a.C., em suas campanhas na Ásia Menor, Alexandre, o Grande, chegou a Górdio, na Frígia (região da atual Turquia). Então, ele se deparou com uma carroça antiga, que pertencia ao rei Górdio. Segundo uma lenda, quem conseguisse desatá-lo se tornaria governante de toda a Ásia.

Quando Alexandre chegou à cidade, ele foi apresentado ao desafio. Ao invés de tentar desatar o nó pacientemente como os outros, ele agiu de maneira inesperada e decisiva. Com a sua espada, e com apenas um golpe, o rei macedônico cortou o nó ao meio, resolvendo o desafio drasticamente.

Mapa do Império Romano

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

 

A Visão de Constantino

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

 

A Música no Brasil Colônia

quinta-feira, 26 de junho de 2025

Muzico e Moderno Systema para Solfejar sem Confuzão, de Luís Álvares Pinto (Recife, 1776).


Durante muito tempo supôs-se que o padre José Maurício Nunes Garcia, que viveu no início do século XIX, fosse o precursor da música brasileira. Sabia-se da execução de obras musicais para fins didáticos pelos jesuítas desde o século XVI, ou da sua apresentação em festas particulares e oficiais. Eram, entretanto, quase sempre peças portuguesas ou de outros países europeus, executadas em geral por músicos estrangeiros e com instrumentos importados. Em Minas Gerais, no entanto, as pesquisas vêm demonstrando a existência de uma intensa atividade musical no século XVIII. Não apenas instrumentistas, mas compositores, com influência da música sacra e erudita europeia. Trata-se, segundo especialistas, de obras de boa qualidade e que refletem a influência dos mestres da música barroca e clássica que lhes era contemporânea. Do compositor mais conhecido, José Joaquim Emérico Lobo de Mesquita, conhecem-se poucos originais, em geral bem acolhidos pelos especialistas, que se queixam apenas de defeitos na estrutura formal.

Para a capitania de Minas, o apogeu desta atividade (que incluiu a fabricação de instrumentos, como órgãos e violinos) costuma ser apontado em 1787-1790. Há indicações de atividade musical própria - além da execução de autores europeus - em outras regiões do Brasil, como a do compositor pernambucano Luís Álvares Pinto (1719-1789). 

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 296.

Vestuário no Brasil Colônia

quarta-feira, 25 de junho de 2025

Interior da casa de negros, 1814, pintura de João Cândido Guillobel.

O vestuário refletia hábitos e condições econômicas da população: nos estratos superiores, roupas masculinas e femininas de gala, para uso em ocasiões especiais (o "vestido" de igreja, a "roupa de igreja"), e roupas comuns, despojadas, de uso cotidiano; basicamente a camisa e as ceroulas para os homens e a saia sobre a camisola para as mulheres. Era frequente o registro dos vestidos de gala em testamento, com valor equivalente a uma casa urbana simples ou um escravo da Guiné. O luxo dessas camadas da sociedade era complementado pela influência oriental, com o uso de palanquins, sedas, chapéus de sol, leques chineses e colchas da Índia, numa demonstração de como eram intensas as relações do Brasil com as outras partes do Império português.

A maioria da população pobre vestia camisolões e calças grosseiras de algodão, tecido aliás pouco estimado em algumas regiões até pelos escravos. Quanto a estes, viviam com pouquíssimas peças de roupa, "seminus", na descrição de cronistas e viajantes.

Nas áreas pecuaristas, o couro influenciava não apenas o vestuário mas todo o restante do cotidiano, na descrição clássica de Capistrano de Abreu:

De couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro e mais tarde a cama para os partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água, o mocó ou alforje para levar comida, a maca para guardar roupa, a mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem... as roupas de entrar no mato.

Quanto aos indígenas, a Igreja - em especial os jesuítas - preocupou-se com sua nudez, impondo-lhes o uso de roupas. Os resultados não foram bons, com inadaptação e sujeira. Os pastores calvinistas franceses no Rio de Janeiro também não foram bem-sucedidos na mesma exigência: à noite os indígenas tiravam as roupas para nadar, nus, nas praias. 

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 263.

Higiene e Saúde no Brasil Colônia

terça-feira, 24 de junho de 2025

Fonte: Scielo

As noções de higiene pública e pessoal eram em geral precárias. Interesses individuais exacerbados e pouca atenção à comunidade parecem caracterizar a higiene na Colônia, com graves danos para a saúde pública. Em Mojiguaçu, na capitania de São Paulo, no século XVIII, uma epidemia foi provocada pelo apodrecimento do peixe, capturado em excesso: 

Foi tão grande a quantidade de peixe, que apodrecendo infestou de tal modo o ar, que foi causa de perecer um grande número de pessoas. (Luís D'Alincourt)

Na Bahia, o professor régio Luís Santos Vilhena criticou severamente a administração dos cemitérios, por não impedir que sepulturas malfeitas exalassem mau cheiro, empestando o ar e provocando epidemias.

Outros fatores tornavam muito precária a higiene pública. No litoral, os mercados de escravos, sobretudo nos períodos de tráfico mais intenso, eram focos de escorbuto, varíola, sarampo, sarna e peste bubônica. As armações de pesca de baleias também contribuíam para trazer riscos à saúde pública. Em certas regiões, como Rio de Janeiro, Salvador e Belém, eram as próprias condições locais, com charcos e brejos poluídos, que facilitavam os "maus ares" e a propagação de doenças.

Legalmente, a supervisão da higiene e da saúde públicas era responsabilidade das câmaras municipais e, acima delas, do físico-mor e cirurgião-mor do reino. Seu controle, porém, era muito precário, com interesses e privilégios que impediam um funcionamento correto. Em 1792, por exemplo, a Câmara de Belém regulamentou minuciosamente o assunto, determinando que um de seus vereadores, o "provedor-mor de saúde", se encarregasse de toda a inspeção sanitária. O critério da indicação para o preenchimento do cargo, porém, foi estamental e não técnico: exigia-se que a pessoa nomeada fosse fidalgo, e não cirurgião, médico ou boticário.

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 267.

A Falta de Calçados no Brasil Colônia

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Praça XV com o chafariz do Mestre Valentim, no Rio de Janeiro. Nota-se uma intensa presença de comerciantes e demais trabalhadores da região portuária, quase todos descalços. Pintura de Jean-Baptiste Debret (1768-1848).


A falta de calçados foi característica marcante da Colônia. O alto custo de sapatos e botas fez com que fossem deixados como herança em testamento, do século XVI ao XVIII, em São Vicente. Outros documentos registram casos de pessoas que não saíam à rua ou deixavam de ir à igreja por falta de sapatos, no século XVII. No Rio Grande do Sul, no século XVIII, era comum cavalgar descalço, como mostram os estribos de quatro dedos, que deixavam de fora o polegar, e o estribo em triângulo, no qual, ao contrário, só cabia o polegar. O exemplo mais marcante foi dos vicentinos. Os bandeirantes percorriam descalços quatrocentas léguas "como se passeassem pelas ruas de Madri" (Montoya, 1643).

Os portugueses que até aqui se viram são todos mancebos descalços de pé e perna com escopetas e alfanjes. (Cabildo de Assunção, 1676)

Somente na entrada das vilas os bandeirantes costumavam limpar os pés da poeira e bichos para calçar-se, o que, segundo Sérgio Buarque de Holanda, pode ter dado o nome a uma das entradas de São Paulo ("Lavapés"). 

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 264.

Doenças no Brasil Colônia

sexta-feira, 13 de junho de 2025

 

Doenças como o sarampo, a sífilis e a varíola dizimaram populações indígenas inteiras no período colonial.

No início da colonização costumava-se distinguir as doenças do litoral, vindas da Europa - como o sarampo, a varíola e a sífilis - e as doenças do sertão, genericamente chamadas "febres malignas", e também fatais. As expedições ao interior durante os séculos XVII e XVIII acabaram por disseminar umas e outras, de forma que as condições de saúde no período final da Colônia eram muito precárias. Somente nos últimos anos do século XVIII, com a introdução da vacina contra a varíola, foi possível enfrentar com sucesso pelo menos este mal.

Quanto à sífilis, extremamente difundida desde o século XVI, foi introduzida no Brasil tanto por portugueses como por franceses. Aliás, a expansão da doença acompanhou o processo de mundialização do comércio nesse século: os europeus a deixaram por todas as regiões onde estiveram. No Japão, aberto ao Ocidente pelo comércio português, a doença chamou-se mambakassam - doença dos portugueses. No Brasil, segundo o testemunho de alguns autores, a sífilis era pouco cuidada. As marcas na pele, típicas dos vários estágios da doença, eram ostentadas como honrosas "feridas de guerra" pelos homens, no dizer de Gilberto Freire.

As verminoses parecem ter sido endêmicas em todas as regiões do Brasil colonial. Documentos descrevem com frequência seus sintomas, demonstrando que o "Jeca Tatu" denunciado por Monteiro Lobato no século XX já existia vários séculos antes.

A malária também grassou no período colonial, sendo impossível precisar seu itinerário. Na região de Guairá, por exemplo, segundo mostra Sérgio Buarque de Holanda, ela era desconhecida à época das missões jesuíticas, no final do século XVI, tornando-se fortemente disseminada bem mais tarde.

Eventualmente, havia surtos epidêmicos, cuja disseminação era facilitada pelas más condições higiênicas dos portos e pela ignorância das formas de contágio. Houve epidemias de varíola desde o século XVI. Uma das mais fortes ocorreu em 1665-1666. Começando em Pernambuco, desceu a costa até o Rio de Janeiro, enfraquecendo-se à medida que avançava.

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 268.

Congadas no Brasil Colônia

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Konshaça, banda de Congo de Serra, ES


Congos ou congadas eram autos populares, de origem africana, mas já diferenciados, que ocorriam não apenas no ciclo de Natal, mas em outras datas comemorativas, geralmente de devoções religiosas dos negros. Comum a sudaneses e bantos, a congada tinha como elementos principais a coroação do rei do Congo, préstitos, embaixadas e danças guerreiras. Sabe-se de sua existência na festa de N. S. do Rosário, no Recife, em 1674, e em outros locais nos séculos XVII e XVIII. Nos desfiles havia imagens e homenagens aos santos protetores dos negros, cuja devoção se concentrava em quatro: N. S. do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia e Santo Antônio Preto. Além das representações, as congadas contavam também com bailes e banquetes, com a presença de autoridades portuguesas e dos senhores de escravos, que, aliás, frequentemente lhes emprestavam joias e adereços. Em 1748, no Rio de Janeiro, celebrou-se com luxo e aparato a coroação de um "rei do Congo", numa grande congada. Em 1760, nas festas oficiais, em Salvador, por motivo do casamento da futura rainha dona Maria I, foi a eles incorporada uma congada. Torna-se, assim, evidente o papel político atribuído pelas autoridades governamentais a essa festa, que reunia basicamente escravos e ex-escravos.

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 256.

Sincretismo no Brasil Colônia

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Maracatu


As atitudes sincréticas e supersticiosas revelavam-se em muitos aspectos da vida social. A divindade africana das águas, por exemplo, tinha sua correspondente na "moura encantada" da tradição portuguesa, deusa das águas que, vaidosa, vivia junto às fontes, penteando-se. A cor vermelha era considerada eficiente contra os maus espíritos nas três culturas: muitas tribos usavam tinturas desta cor para espantar os demônios da floresta; os portugueses colocavam fitas desta cor no pescoço dos animais e usavam preferencialmente telhas vermelham em suas casas; a tradição africana também a considerava profilática contra os maus espíritos, razão pela qual os maracatus e reisados o rei e a rainha vestiam-se com trajes vermelhos.

A concepção indígena de que a floresta era povoada por seres mágicos combinava-se com o imaginário medieval que os portugueses traziam de sua terra, com o imaginário africano e com o catolicismo. Assim, em documentos missionários, há frequentes referências associando os espíritos da floresta com o demônio da tradição cristã, bem como expedientes híbridos para dominá-los: a bala de cera benta para matar o caipora (se o atinge no umbigo) e o laço do rosário usado para aprisionar o saci são exemplos. 

É possível, assim, figurar a religiosidade colonial como sempre presente na vida dos homens, fornecendo explicações e soluções para todos os momentos de sua existência. Era, em seu topo "oficial", barroca, mística, muitas vezes soturna e angustiada, dominada pela obsessão com o pecado e o castigo eterno. Na prática social, porém, era mesclada e sincrética. Além dos princípios da religião oficial, incorporava elementos mágicos e supersticiosos de origem não apenas indígena ou africana, mas também medieval portuguesa, como o culto nas encruzilhadas.

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 250.

Brasil Colônia, Séc. XVIII

segunda-feira, 2 de junho de 2025

Nos arredores do centro do Rio de Janeiro, a Igreja da Irmandade de Nossa Senhora da Glória, concluída em 1739. Óleo sobre tela de 1790. Crédito: Leandro Joaquim/Museu Histórico Nacional - Iphan.


A transferência da capital para o Rio de Janeiro, em 1763, acentuou o declínio. Convém lembrar, entretanto, que foi um declínio apenas relativo à expansão do Centro-Sul e não um processo de decadência irreversível. Basta lembrar que, comparado à produção do século, o açúcar, predominantemente baiano e pernambucano, gerou uma renda três vezes superior à do ouro. Assim, assistimos menos a uma decadência, do que a um processo de diversificação da economia colonial, por produtos - os metais e a pecuária - e regiões, fatos positivos se comparados às condições anteriores da Colônia.

Pernambuco, na primeira década do século XVIII, sofria com a retirada de escravos para as minas, o preço baixo do açúcar e o endividamento de senhores de engenho e lavradores de cana. À exceção do primeiro, todos os demais problemas já existiam há décadas, agravando-se no início do século. Essas dificuldades afloraram claramente na Guerra dos Mascates, em 1710. A oposição entre senhores de engenho pernambucanos e comerciantes lembra o conflito, na mesma época, entre paulistas e emboabas na região das minas. Mais do que uma afirmação nacionalista, o antilusitanismo que de fato existiu contra emboabas e mascates significou a afirmação de interesses locais, longamente consolidados, frente a adventícios que eram considerados meros aventureiros e especuladores.

No caso pernambucano, deve-se lembrar que os proprietários rurais, especialmente senhores de engenho, consideravam-se uma aristocracia da terra, embora tivessem tido, muitas vezes, antepassados que também eram comerciantes. Sua vida opulenta, os escravos de que dispunham e o orgulho das vitórias alcançadas na luta contra os holandeses combinaram-se para fazê-los uma aristocracia auto-atribuída. Antonil, escrevendo em 1711, afirmava num texto muito conhecido:

"O ser senhor de engenho é título a que muitos aspiram, porque traz consigo o ser servido, obedecido e respeitado por muitos (...) bem se pode estimar no Brasil o ser senhor de engenho, quanto proporcionadamente se estimam os títulos entre os fidalgos do reino."

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 175.

Perfil do Gaúcho

sexta-feira, 30 de maio de 2025

A conquista [do Sul] foi solidificada quando, em 1740, chegaram os primeiros casais açorianos, estabelecidos no Viamão, ao norte da lagoa dos Patos. Novas levas chegaram entre 1747 e 1753, reforçando a presença portuguesa na área entre Santa Catarina e o Prata.

Entre a colonização açoriana do litoral e as missões jesuíticas a oeste, passou a existir no século XVIII um novo tipo cultural, o gaúcho. Sua origem é obscura, embora os indícios admitam presumir sua constituição a partir da segunda década do século, com desertores portugueses fugidos de Sacramento, desertores e contrabandistas espanhóis fugitivos do Brasil. Unidos a mulheres indígenas, tornaram-se grandes conhecedores da região, vivendo dos rebanhos de gado selvagem e do comércio de couro com espanhóis e portugueses. A abundância de gado fazia com que promovessem sistemáticas matanças, censuradas pelos portugueses como André Ribeiro Coutinho (1740):

"Não se comendo no dito campo a carne de touros, de que se fazia a courama, se matavam as vacas, só para se comer a melhor parte e às vezes não mais que para lhes tirar o leite e fazer outras atrocidades."

Este novo tipo, o gaúcho, embora vivendo da pecuária, distinguia-se de várias maneiras do vaqueiro nordestino. Aquele prezava sobretudo a sua independência, era um predador nômade; este era um empregado ou arrendatário de um sesmeiro (isto é, um grande proprietário), um criador sedentário, na medida do possível. O historiador Jaime Cortesão traçou o perfil do gaúcho com poucas e precisas palavras:

"Homens rústicos e descalços, envoltos no poncho, hipocentauros ou sátiros aos quais não falta a viola e o cavalo, as bolas e a faca para apanhar uma rês e assar a carne de que se alimentam, apenas para adquirir o tabaco que fumam ou o mate que bebem sem açúcar todo o dia."

WEHLING, Arno & WEHLING, Maria JoséFormação do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 171.