“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Reforma e a Arte: Dürer e Holbein

domingo, 22 de outubro de 2017

Combate de São Miguel com o dragão, 1498. Xilogravura, 39,2 X 28,3 cm de Albrecht Dürer (1471-1528).

No início do século XVI, nos países setentrionais, na atual Alemanha, Holanda e Inglaterra, os artistas enfrentavam uma crise muito mais real do que seus colegas na Península Itálica e na Espanha - se estes tinham apenas que lidar com o desafio de como pintar de uma nova e empolgante maneira, ao norte os artistas se defrontavam com a séria questão se a pintura podia e devia existir. Essa foi a grande crise provocada pela Reforma. Para muitos protestantes, a existência de quadros ou estátuas de santos em igrejas era um sinal de idolatria papista. Os mais rigorosos entre os calvinistas censuravam até as decorações alegres nas casas. Assim, restava aos artistas apenas a ilustração de livros e a pintura de retratos, sendo duvidoso que isso fosse suficiente para uma vida decente. 

Albrecht Dürer (1471-1528), o maior expoente da arte renascentista na Europa setentrional, e Hans Holbein, o Moço (1497-1543), o maior pintor alemão de sua geração, tiveram suas obras impregnadas por essa agitação religiosa derivada da Reforma Protestante. 

Dürer era filho de um ilustre mestre ourives húngaro que se instalou na florescente Nuremberg. Além de obter os conhecimentos técnicos da sua difícil arte, Dürer provou "que era dono daquela intuição e imaginação intensas que são o apanágio do grande artista" (Gombrich, s/d: p. 343). Uma série de xilogravuras para ilustrar o Apocalipse de João esteve entre as suas primeiras grandes obras e foi um sucesso imediato. A imaginação de Dürer e o interesse do público alimentaram-se do descontentamento que, no final da Idade Média, se difundira por toda a atual Alemanha contra as instituições da Igreja. Como se sabe, essa insatisfação acabou por eclodir na Reforma de Lutero.   

Holbein era natural de Augsburg, uma próspera cidade mercantil que mantinha estreitas relações de comércio com a Itália; contudo, cedo se transferiu para Basileia, "um famoso centro do Novo Saber" (Gombrich, s/d: p. 374). De uma família de pintores e sendo muito arguto, "o Moço" logo absorveu-se das realizações dos artistas setentrionais e italianos. Assim, o conhecimento pelo qual Dürer lutara com tanto afinco durante toda a vida veio, por assim dizer, de um modo mais natural para Holbein. 

Em 1526, Holbein trocou a Suíça pela Inglaterra, graças à recomendação do grande humanista Erasmo de Rotterdam (1466-1536). Um dos primeiros trabalhos do artista em terras inglesas foi preparar um grande retrato de um outro humanista inglês, sir Thomas More (1478-1535). Se Holbein esperava furtar-se às convulsões provocadas pela Reforma, deve ter-se frustrado com os eventos posteriores. Entretanto, uma vez instalado definitivamente na Inglaterra, Holbein recebeu o título de Pintor da Corte. Ele foi assim agraciado pelo rei Henrique VIII (1509-1547), o mesmo que ordenou o julgamento que condenou à morte por razões de consciência Thomas More, o primeiro benfeitor de Holbein na Inglaterra. 

Como se nota, o contexto do Renascimento e da Reforma foi para lá de complexo. As obras de arte dessa época podem traduzir o espírito de contestação da época, e as biografias dos seus autores revelam o dilema que enfrentaram entre a lealdade à consciência e a necessidade de obter meios para garantir sua sobrevivência. Como o Combate de São Miguel com o dragão, esse período da história da arte permanece ao mesmo tempo rico, efervescente e perturbador. 

Bibliografia consultada: 
CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de Arte. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla; revisão técnica de Jorge Lúcio de Campos. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução de Álvaro Cabral. 16ª edição. Rio de Janeiro: LTC, s/d, p. 342-345 e p. 374-376.    

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