“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Os 500 Anos da Reforma Protestante

terça-feira, 31 de outubro de 2017

"A menos que me convençam, por testemunhos das Escrituras ou por uma evidência da razão (pois não acredito apenas no papa e nos concílios: está provado que por vezes demais erraram e se contradisseram), tenho um compromisso com os textos que produzi; minha consciência é cativa das palavras de Deus. Não posso nem quero revogar o que quer que seja, porque agir contra a própria consciência não é seguro nem honesto. Que Deus me ajude, Amen!"

Essa resposta de Martinho Lutero (1483-1546) aos prelados católicos na Dieta de Worms, em 1521, é uma das mais reveladoras do espírito da Reforma Protestante, iniciada há exatos 500 anos quando o mesmo Lutero afixou na porta da catedral de Wittenberg, na atual Alemanha, suas 95 teses de protesto contra as indulgências.

As condições que facilitaram a Reforma se remontam ao século XIV. A espiritualidade dos europeus foi particularmente abalada pela Peste Negra e pelos cismas da Igreja; Guilherme de Ockham (1285-1347) e Marsílio de Pádua (c. 1275 - c. 1342) foram então os principais nomes da oposição teológica à Igreja Católica. Defendiam o conciliarismo, a ideia de que a Igreja é maior do que o papa.

Por outro lado, na chamada "oposição herética", destacaram-se John Wycliffe (c. 1328-1384), precursor da Reforma na Inglaterra, e Jan Huss (1369-1415), pré-reformador na Europa Central. Wycliffe foi perseguido, mas Huss teve a pior sorte: foi traído e queimado na fogueira em 1415, durante o Concílio de Constança.

Ao longo do século XV, a fim de equilibrarem o orçamento pontifício, os papas venderam cada vez mais dispensas e indulgências. Contra o clero, testemunhos imparciais, muitas vezes extraídos de relatórios de visitas episcopais, revelam uma quantidade assombrosa de casos de simonia, nepotismo, acumulação de cargos, imoralidade e desleixo no cumprimento dos deveres.

A crise da Cristandade ficou ainda mais evidente com a difusão do racionalismo e do individualismo pelos humanistas e artistas do Renascimento. Esse foi o terreno efervescente no qual despontou a Reforma Protestante.

Lutero naturalmente se destaca entre os reformadores. Além de teólogo, esse autêntico homem do Renascimento foi também um grande escritor (sua obra em língua inglesa perfaz 55 volumes), orador, músico e observador experimentado da natureza. Contra a tradição, defendeu as Escrituras como única regra de fé e prática; contra a altivez do clero, sustentou a ideia do sacerdócio universal.

O aspecto menos conhecido sobre Lutero é que, no seu íntimo, ele não procurava conduzir, e sim ser guiado por Deus aonde a Providência quisesse levá-lo. O antigo monge não se preocupava em organizar e legislar, rejeitando firmemente ser elevado ao patamar de "papa protestante".

Assim, coube a João Calvino (1509-1564) fornecer às crenças reformadas uma autoridade precisa, uma direção organizada e uma filosofia lógica. A partir de Genebra, a influência do calvinismo se espalhou pela Europa, e mais tarde chegou à América.

Apesar dos conflitos que acompanharam essa revolução que foi a Reforma Protestante, deve-se apreciar o seu legado. Afinal, o impacto do protestantismo foi muito além da religião, mudando sentimentos de nacionalidade, elevando o status do vernáculo, postulando diversidade de opiniões e alterando atitudes em relação ao trabalho e à arte. 

Publicado hoje no jornal A Tribuna (versão impressa e digital).

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