“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos Evergetismo

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

A corrida de bigas, uma pintura de Ulpiano Checa (1860-1916). 
Grandes eventos e espetáculos da civilização greco-romana só foram possíveis por causa da prática do evergetismo. 

1. "Evergetismo" é um conceito desenvolvido por André Boulanger e Henri-I. Marrou, na primeira metade do século XX. A palavra "evergetismo" vem do grego moderno, no sentido de mecenato dos escritos de Boulanger, que foi membro da Escola Francesa de Atenas: por volta dos anos 1900, chamavam-se evérgetas os ricos negociantes gregos que, do Egito ou da Anatólia, fundavam escolas ou edifícios públicos em seu país natal. 

2. Sendo, simultaneamente, uma conduta espontânea, uma obrigação moral e uma obrigação legal, o evergetismo não dizia respeito plenamente nem aos especialistas das instituições, nem aos da civilização e da vida cotidiana. Assim, o estudo e até mesmo a ideia do estudo acerca do evergetismo eram discutidos entre áreas diferentes do conhecimento, perdendo, assim, sua unidade.

3. Nenhuma palavra da Antiguidade corresponde perfeitamente ao evergetismo; liberalitas não se dizia somente das liberalidades para com o público, cidade ou "colégio", mas também sobre qualquer liberalidade. O termo do idioma grego antigo que mais se aproxima de evergetismo também é muito amplo e enfatiza, principalmente, as razões do evergetismo, a virtude que o explica: um nobre desejo de glória e de honras. 

4. O evergetismo consistia no fato de que as coletividades (cidades, colégios, etc.) esperavam que os ricos contribuíssem com seus próprios recursos para as despesas públicas, e que suas expectativas fossem atendidas: os ricos contribuíam com as despesas públicas espontaneamente ou de bom grado. 

5. Essas despesas em favor da coletividade eram destinadas essencialmente a espetáculos de circo e de arena, mais amplamente a prazeres públicos (banquetes) e à construção de edifícios públicos: em resumo, a prazeres e a construções. 

6. Os historiadores denominam "evergetismo livre" as evergesias oferecidas por notáveis fora do contexto de suas obrigações definidas. 

7. Outras vezes, as evergesias eram oferecidas no momento em que um notável era eleito a uma "honra" pública, uma magistratura ou uma função municipal. Tal era o evergetismo ob honorem, e era moralmente ou até mesmo legalmente obrigatório. 

8. O evergetismo livre podia ser às vezes o resultado de uma "doce" violência, de uma desonra pública, de uma luta de classes latente ou oculta. 

9. O evergetismo obrigatório era apenas a continuação e a codificação do evergetismo livre na época romana, que surgiu no mundo grego bem no início da época helenística e que foi, logo depois, imitado pelos notáveis das cidades romanas. Assim, de forma honesta, a distinção entre as duas formas de evergetismo é superficial. 

10. Paralelamente ao evergetismo ob honorem, o evergetismo livre continuou a existir até o fim da Antiguidade. 

11. Vários notáveis, ao serem eleitos magistrados, nem sempre se contentavam em pagar o que deviam à coletividade, mas pagavam espontaneamente mais do que deviam e transformavam, assim, sua evergesia ob honorem em uma evergesia livre. 

12. Na evolução do evergetismo, a liberalidade espontânea era e continuou sendo o fato principal. 

13. Dois quadros contraditórios do evergetismo: por um lado, notáveis rivalizavam em suas liberalidades e inventavam refinamentos de munificência dificilmente imagináveis. Por outro, existiam homens que satisfaziam o povo em seus prazeres pressionados pela plebe, ou por seus pares que temiam a plebe. 

14. Uma evergesia era um "fato social total": além de ser um hábito ou mesmo um aspecto de direito escrito, era uma atitude e um fenômeno de mentalidade e possuía alcance político-social (o pão e circo não deveriam despolitizar a plebe?) e dinástico. 

15. Em suma, os evérgetas eram homens ricos que ajudavam a coletividade com seu pecúlio. Seus dons, suas evergesias, são direcionados à coletividade, e não a alguns indivíduos, o que basta para distingui-los do mecenas comum: as evergesias eram bens coletivos.    

Bibliografia consultada: VEYNE, Paul. Pão e circo: sociologia histórica de um pluralismo político. Tradução Lineimar Pereira Martins. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2015, p. 14-17.

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