“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

#15Fatos Escravidão Indígena no Brasil

domingo, 26 de novembro de 2017

Índios soldados da província de Curitiba escoltando prisioneiros nativos, 1830?, por Jean-Baptiste Debret (1768-1848). 

1. Apesar das tentativas de portugueses, brasílicos e mestiços, a organização social dos tupis, aruaques, caribes e jês permaneceu avessa à troca extensiva de escravos. A função do chefe tribal representava um poder muito instável para extrair cativos de sua própria comunidade ou organizá-la como comunidade preadora.

2. Além disso, não surgiram redes internas de tráfico - componente decisivo do trato continental na África - e nenhuma comunidade indígena se firmou no horizonte da América portuguesa como fornecedora regular de cativos aos colonos.

3. O trato de escravos índios esbarrava na esfera mais dinâmica do capital mercantil (investido no negócio negreiro), na rede fiscal da Coroa (acoplada ao tráfico atlântico africano), na política imperial metropolitana (baseada na exploração complementar da América e da África portuguesa) e no aparelho ideológico de Estado (que privilegiava a evangelização dos índios).

4. A vulnerabilidade dos índios ao "choque epidemiológico" constituiu um fator restritivo à extensão do cativeiro indígena e, inversamente, facilitou a escravidão negra. Além disso, o choque microbiano diminuiu a resistência armada indígena ao contato europeu. 

5. Mais baratos que os africanos, os índios escravos acabavam saindo mais caros porque morriam em maior número. Assim, o fluxo do tráfico negreiro para o Nordeste se acentuou após a mortalidade infligida aos cativos indígenas pelas epidemias de varíola e rubéola nos anos 1559-63. 

6. Leis sucessivamente editadas permitiam três modos de apropriação de indígenas: os resgates (troca de mercadorias por índios prisioneiros de outros índios), cativeiros (correspondia aos índios capturados numa "guerra justa") e descimentos (deslocamento forçado dos índios para as proximidades dos enclaves europeus).

7. Os descimentos aparecem como as iniciativas de consequências mais catastróficas para os índios. Mal alimentados e expostos ao trabalho forçado (embora, nos termos da lei, devessem receber salário), os nativos aldeados pereciam em grande número.  

8. Após cativar e dizimar parte das comunidades nativas do litoral, os colonos portugueses encararam outros tupis, bem mais hostis, e os povos jês. Potiguares assediaram desde 1550 os enclaves europeus na Paraíba e em Pernambuco, aimorés atacaram moradores da Bahia, de Ilhéus e do Espírito Santo, tamoios investiram contra o Rio.

9. Devido à tênue presença militar na América, e a escalada dos reveses no Oriente, a Coroa tentou preservar a paz com os índios. O método de fixar tribos aliadas entre os moradores e os índios inimigos deu lugar à política de "descimentos".

10. Os índios aliados, segundo o Padre Antônio Vieira, constituíram a principal parte do exército colonial quando os holandeses invadiram a Bahia (1624-25).

11. Os potiguares do Rio Grande do Norte esmagaram a revolta aimoré na Bahia; atacaram quilombos das margens do rio Itapicuru, pelas bandas de Sergipe; apoiaram a expedição holandesa que saiu de Pernambuco para invadir Luanda (1641) e, finalmente, guerreiros potiguares se juntaram às tropas luso-brasílicas que atacaram o Quilombo de Palmares na segunda metade do século XVII.

12. Na Amazônia, lançava-se mão de forma sistemática do trabalho compulsório indígena na coleta e eventual cultivo das drogas do sertão e nos postos de remadores das canoas. Mal alimentados, forçados a cadências ininterruptas, atingidos pelas doenças nos portos e nas vilas, os remeiros indígenas morriam em grande número.   

13. Após a revolta maranhense de 1684, liderada por Manoel Beckman, a Coroa decidiu se apoiar ainda mais nos jesuítas. O regimento de 1686 confiou-lhes a totalidade da administração temporal da população indígena. Contudo, em 1759 a Companhia de Jesus foi banida de todos os domínios portugueses e leis régias proibiram definitivamente o cativeiro indígena.

14. Em 1850, quando o tráfico transatlântico de negros chegou ao fim, os proprietários de escravos da região amazônica revolveram vendê-los para os latifundiários cafeicultores do Sul, e partiram, como antigamente, para a exploração do extrativismo e da mão de obra autóctone, indígena ou cabocla. 

15. Relatos sobre o antropomorfismo de macacos de Angola e da Amazônia constituem uma representação dramática da recusa dos nativos das duas margens do Atlântico Sul à reprodução social escravista, ao trabalho colonial. Tornado subumano pela escravatura, o nativo imaginava que a única forma de assegurar a sua liberdade consistia em abrir mão do pertencimento à humanidade.   

Bibliografia consultada: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 117-152.

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