“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Aspectos do Direito Romano

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Ruínas do Fórum romano.

O direito romano pode ser qualificado de individualista: a liberdade de divórcio era igual para homens e mulheres, a propriedade poderia ser livremente alienada, a liberdade do testador era muito ampla. Embora as mulheres precisassem de um representante masculino para comparecerem a juízo, isso caiu em desuso, e mesmo antes a regra muitas vezes não era seguida. Nenhuma crença religiosa era imposta, e o braço secular deixava aos deuses o cuidado de vingar as injúrias que lhes eram feitas. O direito de mudar de domicílio e de atividade econômica era incontestado. 

Apesar disso, não mais do que a Grécia, Roma jamais garantiu de modo formal a liberdade em seu direito. Este se considerava antes como o estabelecimento dos deveres piedosos para com as relações da casa, obrigações de fidelidade, responsabilidades patrimoniais e diferenças de legislação pessoal. 

No mundo greco-romano, um legislador podia tentar revolucionar a sociedade por decreto; as leis nem sempre eram prudentes a ponto de não se atrasar muito nem avançar demais com relação aos costumes. A cidade era, antes, como uma instituição nascida da Lei e o cidadão era como um aluno preguiçoso que só respeitava a disciplina sob a palmatória do mestre. 

Em época normal, os costumes romanos eram traduzidos com bastante exatidão pelo direito civil. Numa sociedade tão "desigual, desigualitária e atravessada por redes de clientelas", os direitos mais formais não eram reais e um fraco tinha chances mínimas ao processar os poderosos. O poder público organizava a vendeta privada e não fazia nada para a impedir. 

Só no final da Antiguidade os governantes de província finalmente fizeram triunfar em tudo seu ideal de coerção pública. Até essa época, alguém que tivesse as suas terras invadidas por um vizinho, por exemplo, precisaria garrá-lo e mantê-lo em sua prisão privada até o dia do julgamento. Caso não o levasse à presença do juiz, não haveria processo. Considerando então que o cidadão lesado cumprisse essa exigência, no tribunal ele precisaria da intervenção de um homem poderoso que o aceitou como cliente. A sentença favorável, contudo, não significava a reparação do dano: ele próprio deveria proceder à execução, o que exigiria os meios. O juiz o autorizaria a se apoderar de todos os bens e domínios do condenado, que seriam vendidos em leilão. Uma quantia igual que o juiz atribuiu à propriedade tomada seria retida pelo demandante; o restante seria entregue ao condenado. 

Portanto, o direito entre os romanos era uma estratégia, mas também uma das matérias da velha cultura romana. Esse direito secretamente desconcertante também apresenta resquícios de justiça popular e privada. 

Bibliografia consultada: VEYNE, Paul. O Império Romano. In: ARIÈS, Philipe & DUBY, Georges (diretores da coleção). História da Vida Privada. Volume 1: Do Império Romano ao ano mil / organização de Paul Veyne. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 164-167.

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