“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Loucura expõe o Clero

domingo, 21 de maio de 2017

Um monge medieval se embriagando.

Declamação: a Loucura fala

"Chegam muito perto da felicidade dos teólogos aqueles que vulgarmente se chamam 'religiosos' e 'monges', com duas denominações sumamente falsas, uma vez que boa parte deles está muito longe da religião e que ninguém é mais visível em todos os lugares. 

Não vejo o que poderia haver mais lastimável que eles, se eu não viesse em seu socorro de muitas maneiras. O fato é que todos execram tanto essa classe de homens que se acredita que deparar com um, ainda que por acaso, é de mau agouro. E, no entanto, eles têm para consigo mesmos uma magnífica condescendência. 

Em primeiro lugar, consideram a suprema piedade se souberem tão pouco as letras que nem sequer podem ler. (...) 

Entre eles verás alguns tão rigidamente observantes das normas religiosas que, como roupa exterior, não usam senão as de cilício e, como roupa de baixo, finos linhos milésios; outros, em contrapartida, por fora vão de linho e por dentro de lã. De igual modo, há outros que se abstêm horrorizados do contato do dinheiro como de um veneno; mas enquanto isso, não se guardam em absoluto do vinho nem do contato com as mulheres. Enfim, há em todos eles um admirável empenho em distinguir-se no gênero de vida e não se preocupam em ser semelhantes a Cristo, mas sim em ser diferentes entre si. É por isso que grande parte de sua felicidade está em suas denominações. Enquanto uns se comprazem em chamar-se 'cordeleiros', e entre esses há 'coletinos', 'menores', 'mínimos', e 'observantes'; outros preferem ser 'beneditinos' ou 'bernardinos', 'brigidenses' ou 'agostinianos', 'guilhermitas' ou 'jacobitas', como se, em realidade, fosse pouco chamar-se cristãos. 

Uma grande parte destes coloca tanto empenho em suas cerimônias e em tradiçõezinhas humanas que crê que um só céu é prêmio pouco digno para tantos méritos; e não pensam que Cristo, desprezando todas essas minúcias, vai exigir deles só que tenham posto em prática um único preceito, o da caridade."  

ERASMO DE ROTTERDAM. Elogio da Loucura. Tradução de Elaine C. Sartorelli. São Paulo: Hedra, 2013, LIV, p. 135-137.

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