“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Entrevista: O Ofício de Historiador

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Pesquisa em inquéritos policiais do século XIX no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. Início de 2008.

Como mencionei na página de agradecimentos da minha dissertação de mestrado, o historiador é um solitário. Seu trabalho é incansável, mas muito recompensador. Imagine descobrir, em meio às páginas amarelecidas de um arquivo, ou mesmo em fontes publicadas e já conhecidas, histórias incríveis, estudos inovadores e ideias que continuam atuais. Soma-se a isso o privilégio de lembrar o que os outros esquecem e contribuir para a preservação do patrimônio material e imaterial da humanidade, que são algumas das mais nobres funções sociais dos historiadores. 

Na entrevista abaixo, concedida a um aluno que cumpre um pré-requisito de uma especialidade, eu explico um pouco sobre o ofício de historiador.   

1. O que o motivou na escolha de ser um historiador ou professor de História?
A primeira observação que faço a essa pergunta é que não faço qualquer distinção entre ser historiador ou ser professor de História, não só por ter cursado tanto a licenciatura quanto o bacharelado, como também por não enxergar a menor separação entre o ensino e a pesquisa. Um professor deve ser um pesquisador, e um pesquisador precisar divulgar as suas descobertas, através das melhores ferramentas didáticas que dispõe.

Respondendo propriamente a pergunta, digo que sempre amei a História. Desde pequeno, sempre fui muito curioso, e na História eu encontrei uma fonte inesgotável de conhecimentos. Conhecer as diferentes culturas e civilizações, constatar a alteridade nas formas de organização social, no pensamento e na religião e perceber os extremos da existência humana é um desafio pra lá de instigante. 

2. O que mais lhe chama a atenção ao estudar História? 
O cumprimento exato das profecias bíblicas ao longo dos séculos, sobretudo as que constam nos livros de Daniel e Apocalipse. É também muito interessante perceber como a arqueologia e a investigação histórica têm confirmado muitos relatos das Escrituras.

3. Qual seria o aspecto mais interessante de sua profissão? Qual é o mais difícil?
Sobre o aspecto mais interessante da pesquisa, é tudo o que respondi acima: a constante descoberta ao estudar as diferentes civilizações e a constatação do cumprimento das profecias. Sobre o aspecto mais interessante do ensino, é poder inspirar alguns alunos a amarem a História, a se tornarem pessoas melhores. 

A pesquisa histórica é tremendamente difícil, uma vez que o historiador precisa penetrar nas consciências humanas a partir de apenas alguns vestígios do passado, as fontes. Além disso, o historiador é um "sujeito" da História e, portanto, confunde-se com o seu objeto de estudo. Desta forma, a duras penas persegue a meta da objetividade, fundamental a qualquer pesquisa que se pretenda científica. No campo do ensino, o desafio também imenso, sobretudo num país como o Brasil, que não valoriza o professor ou a educação. 

4. O que é História?
É a ciência dos homens no tempo, segundo o grande historiador Marc Bloch (1836-1944). Se quisermos levar em consideração uma definição mais detalhista, podemos considerar a História como "a ciência dos atos humanos do passado e dos vários fatores que neles influíram, vistos na sua sucessão temporal" (José Van Den Besselaar).

5. O que é historiografia?
Trata-se do estudo e da escrita da História. O registro e a interpretação dos eventos passados têm evoluído ao longo dos tempos e, no início do século XIX, os historiadores Barthold G. Niebuhr (1776-1831) e, sobretudo, Leopold von Ranke (1795-1886) revolucionaram a historiografia, fundando a moderna ciência histórica. Ainda no século XIX, Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) desenvolveram o materialismo histórico dialético, que marcaria gerações de historiadores marxistas, interessados nos acontecimentos relacionados à luta de classes. A partir de 1929, com a fundação da revista Annales d'Histoire Economique et Sociale, por Lucien Febvre (1878-1956) e Marc Bloch, a historiografia passou a fazer importantes cruzamentos com a Antropologia, a Sociologia, a Economia e muitas outras áreas do conhecimento. A noção de documento histórico se ampliou, passando a incluir fontes iconográficas, arqueológicas, orais, etc., além das fontes textuais. Graças a Fernand Braudel (1902-1985), difundiu-se a perspectiva de se estudar a história a partir da curta, da média e da longa duração.

6. Qual é a importância do estudo da História?
A História nos permite ampliar os horizontes mentais e culturais, nos obrigando a adotar uma postura de humildade perante a vida. Como dizia o historiador Henri-Irénée Marrou (1904-1977), "para quem não uma alma pequena e vil, a História é de uma grandeza que nos aniquila." Através da História, adquirimos maturidade e sabedoria, e nos tornamos mais tolerantes. 

7. Qual é o trabalho de um historiador e seu campo de trabalho?
A partir de sua matéria-prima, as fontes ou documentos históricos, o historiador pesquisa sobre os mais diversos temas que envolvem os seres humanos. A partir da "Nova História", os historiadores seguem a máxima "onde há homens, há história", tomando para si um campo extremamente amplo de pesquisa e estudos (de biografias e temas políticos e militares ao imaginário e à história das mentalidades; de conjunturas econômicas e estruturas sociais à história da sexualidade, do medo, do beijo, da moda).

8. Quais são as principais técnicas de pesquisa e levantamento histórico?
São a heurística (a pesquisa de fontes) e a crítica histórica (o exame judicioso das fontes ou documentos históricos - todos os vestígios deixados pelo homem ao longo do tempo). A crítica histórica divide-se em crítica externa, que corresponde à etapa em que o historiador pede ao documento a prova da autenticidade para ver se pode servir de testemunha e crítica interna, que é o ato em que o historiador passa a julgar a veracidade da testemunha.

9. O que é Cronologia e Periodização?
A cronologia é a verdadeira coluna vertebral da análise documental, a primeira estrutura do método histórico. Trata-se do estudo do tempo e de suas divisões, com o objetivo de distinguir a sucessão dos fatos. A periodização, por sua vez, é uma operação de "corte" do tempo, de segmentação da cronologia em etapas temporais fortemente individualizadas. Assim, a periodização foi uma das primeiras operações intelectuais destinadas a tornar inteligível o passado das sociedades humanas. 

A partir dos Annales, tornou-se forte a tendência para fragmentar a história e ver nela a justaposição de durações, de fenômenos, de fatos heterogêneos.

10. Qual é a diferença entre conhecimento histórico e a reflexão histórica?
O conhecimento histórico refere-se aos conhecimentos básicos que um historiador ou estudante de História deve dominar: a crítica histórica, os principais fatos, suas causas e consequências. A reflexão histórica, por sua vez, cabe a um homem maduro, segundo o grande historiador holandês Johan Huizinga (1872-1945). A partir dela, esse estudioso experimentado da experiência humana poderá tecer com segurança algumas generalizações, elaborar teorias e, segundo alguns, até "leis", embora a maioria dos historiadores na atualidades rejeitem em absoluto a existência de "leis da História".

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