“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A França às Vésperas da Revolução

sábado, 17 de junho de 2017

Abertura dos Estados Gerais, em Versalhes, no dia 05 de maio de 1789. Isidore-Stanislaus Helman (1743-1806) e Charles Monnet (1732-1808). 

8 de maio de 1788. Luís XVI, num esforço desesperado para reafirmar sua autoridade após anos de desordem fiscal e administrativa, despachou uma série de éditos ao Parlamento de Paris. Neles o monarca detalhava reformas na estrutura do Estado. Era só o começo. Até o dia 8 de agosto desse ano, a França mudaria definitivamente. 

No Antigo Regime, os parlamentos eram altamente privilegiados, e tinham responsabilidades legais, políticas e administrativas. Eram compostos principalmente por nobres que, via de regra, usavam sua riqueza pessoal para comprar cargos públicos. De caráter conservador, os parlamentos eram esbanjadores e preocupavam-se mais com seus próprios interesses. 

À medida que o século se aproximava do fim, o conflito entre o governo monárquico e os parlamentos tornou-se inevitável. Como o absolutismo tornava o direito à oposição algo raro, os parlamentos atraíam o interesse e o apoio do povo sempre que enfrentavam o governo de Luís XVI, mesmo quando obstruíam reformas sensatas. 

Enquanto isso, uma imensa dívida pública levava o país à beira da falência. Causado pelo injusto sistema de tributação, que isentava o Clero e a Nobreza e sobrecarregava o Terceiro Estado, esse endividamento foi agravado pela Guerra dos Sete Anos (1756-1763) e pelo envolvimento da França na Revolução Americana. Os gastos excessivos da corte só pioravam a situação, e os impostos estavam no centro dos prolongados entre o monarca e os parlamentos. 

Os éditos que o ministro Lamoignon apresentou ao Parlamento de Paris em 8 de maio levaram o povo às ruas. No meio do caos, havia um clamor crescente por uma reunião dos Estados Gerais, o maior corpo administrativo da nação e que não se reunia desde 1614. Em 13 de julho, uma violenta tempestade despejou granizos enormes no norte da França, agravando a crise alimentar (a safra de 1787 já havia sido pobre, e a de 1788 seria ruim de qualquer modo). 

Em 8 de agosto, Luís XVI finalmente concordou em reunir os Estados Gerais. Em 1614, eles haviam se reunido em três câmaras praticamente iguais numericamente. Eles haviam votado separadamente, por ordem, tornando fácil a derrota do Terceiro Estado. Desde 1614, no entanto, o Terceiro Estado crescera exponencialmente em números e riqueza, compreendendo 98% da população em fins da década de 1780. Assim, ele estaria gravemente sub-representado se os Estados Gerais fossem reunidos nos moldes de 1614, como exigia o Parlamento de Paris. Robespierre reagiu prontamente, denunciando com fúria essas antigas instituições legais.        

Além disso, o jovem advogado foi um dos milhares que publicaram panfletos com ideias sobre como os prometidos Estados Gerais deveriam ser organizados. Muitos pediam o dobro de representantes do Terceiro Estado e também que a contagem de votos fosse feita por cabeça, não por ordem. Em vez de defender os direitos históricos, constitucionais ou teóricos do Terceiro Estado em toda a nação, o panfleto de Robespierre tinha um foco específico e local. A não ser que a reivindicação do estado de Artois de representar a província homônima fosse negada, Robespierre não teria qualquer esperança de ir a Versalhes como representante do Terceiro Estado no ano seguinte (1789). Robespierre pretendia conquistar um papel na política nacional. Seu reconhecimento da oportunidade - e a ferocidade de sua determinação em abraçá-la - era assombroso. No passado, Robespierre discutira política quando ela envolvia seu trabalho legal ou surgia no contexto de seus ensaios premiados. Sem dúvida, ele era versado nas teorias políticas de Montesquieu e Rousseau, mas antes da convocação dos Estados Gerais não nutria a menor esperança de vir a desempenhar um papel na política nacional, por menor que fosse. Seus contemporâneos em Arras notaram com surpresa (e com um certo desgosto) o ímpeto com que Robespierre iniciou a campanha eleitoral. 

Na França do Antigo Regime, a pobreza era um problema comum e complexo. Segundo Arthur Young, que viajava pela França quando estourou a Revolução, a pobreza do país lhe lembrava a miséria da Irlanda. De fato, mais de um teço da população total da França era constituído de pobres; na melhor das hipóteses, essas pessoas viviam no nível da subsistência. Safras ruins, como as dos anos 1787-1788, poderiam deixar muitos à beira da inanição, e foi essa a situação com a qual Robespierre se deparou quando iniciou sua campanha eleitoral.   

Adaptado de SCURR, Ruth. Pureza fatal - Robespierre e a Revolução Francesa. Tradução de Marcelo Schild. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 2009, p. 77-86.  

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