“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Os Profetas de Zwickau

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Thomas Müntzer em gravura de 1608 de Christoffel Van Sichem.

"Em maio de 1520, tumultos haviam rebentado em uma pequena cidade da Saxônia, ao norte de Erzgebirge e da região hussita: Zwickau. Um padre, um iluminado, Thomas Müntzer, apoiado pelos artesãos, notadamente têxteis, tentara instaurar ali um 'reino de Cristo': sem rei, sem magistrado, sem autoridade espiritual ou temporal, e também sem lei, nem Igreja, nem culto, e cujos súditos livres, resgatando diretamente as Escrituras, se beneficiariam de um comunismo cujo sonho edênico obcecava os espírito simples. O magistrado de Zwickau, assustado, reagiu duramente. Detenções em massa interromperam o movimento. Müntzer fugiu, seguido por seus adjuntos. E, em 27 de dezembro de 1521, três deles, o pisoeiro Nicolas Storch, Thomas Dreschsel e Marcus Thomae, vulgo Strübner, entravam em Wittenberg como em um abrigo seguro. Três semanas depois de Lutero, após sua primeira escapadela, reintegrar seu quarto em Wartburgo. 

Tão logo se instalaram na cidade, os três apóstolos passaram a cumprir sua missão de homens de Deus repletos das graças e revelações diretas do Espírito. Não demorou para que a estranheza de suas doutrinas, sua postura de visionários, a mescla de consideração e desprezo com que se referiam a Lutero, reformador timorato que só servia para fornecer aos verdadeiros profetas, para seu salto no absoluto, o trampolim de uma doutrina terra a terra; isso tudo, além de seus discursos contra a ciência geradora de desigualdade, suas apologias do trabalho manual, suas incitações a quebrar as imagens, que mexeriam, no fundo das almas populares, com o antigo legado de crenças e superstições, herdadas e transmitidas pelas mulheres, pelos curandeiros, pelos inspirados, sobre as quais jamais saberemos algo muito preciso - mas não corremos risco algum de exagerar sua influência sobre os homens daquele tempo: tudo isso granjeou, em poucas semanas, para os fugitivos de Zwickau, para os 'profetas Cygneaens' [mais conhecidos como profetas de Zwickau], a preocupante aceitação dos wittenburgueses. Na primeira fila de suas plateias, Carlstadt, repentinamente inflamado pela nova graça, vinha trazer aos iluminados sem diploma a apreciável adesão de um erudito e, como diríamos, de um intelectual conhecido e representativo

Os profetas não demoraram a passar aos atos. Arremessando contra as igrejas, saquearam-nas de maneira abominável. Acaso não estava escrito: 'Não farás para ti imagens de escultura'?"  

FEBVRE, Lucien. Martinho Lutero, Um Destino. Tradução de Dorothée de Bruchard. São Paulo: Três Estrelas, 2012, p. 248-249.

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