quinta-feira, 27 de outubro de 2011
Apesar do título, não pretendo aqui dissertar sobre um tema tão amplo. Em primeiro lugar, gostaria de abordar o tema da pederastia grega. Depois, farei uma sugestão de leitura.
Trataremos, portanto, do chamado "amor dório" (o amor homossexual masculino; o termo "pederastia" é mais adequado que "homossexualidade", conforme explicarei adiante). Esse relacionamento homoerótico teria partido de Esparta, cidade-Estado famosa por seus valentes guerreiros. Não se tratava, via de regra, de uma opção para a vida, no sentido de um modo de vida gay, efeminado. De outro modo, a tradição antiga é unânime em relacionar a prática da pederastia à bravura e à coragem - o mais velho se inclinava a "brilhar" diante de seu amado, e em ambos se reforçava este "amor da glória".
O soldado veterano - erastes - relacionava-se com o recruta, vários anos mais jovem e denominado eromenos. Na imagem do utensílio de cerâmica acima, o erastes é o homem de barba. Esse tema é recorrente nos vasos gregos e aparece também na literatura. A diferença etária entre os dois amantes estabelecia uma relação de desigualdade: o eraste era o heroi, ao qual o eromenos procuraria modelar-se.
O soldado veterano - erastes - relacionava-se com o recruta, vários anos mais jovem e denominado eromenos. Na imagem do utensílio de cerâmica acima, o erastes é o homem de barba. Esse tema é recorrente nos vasos gregos e aparece também na literatura. A diferença etária entre os dois amantes estabelecia uma relação de desigualdade: o eraste era o heroi, ao qual o eromenos procuraria modelar-se.
O relacionamento era bem mais amplo que o simples contato sexual e tinha a ver com a transmissão de experiência militar e social. De qualquer forma, a forma mais comum de prática sexual era o coito intercrural (entre as pernas), no qual o erastes normalmente desempenha o papel ativo. A prática seria simplesmente um "rito de passagem" (há, contudo, quem conteste duramente um suposto caráter religioso da prática, que para os outros seria uma marca solene do ingresso do efebo na confraternidade masculina). Uma vez concluído o seu aprendizado, o eromenos seguia a vida normal de um soldado-cidadão. Acabava por se casar e constituía uma família. Mais tarde, ele próprio se tornaria um erastes. Em todo caso, eram homens viris, valentes guerreiros e sem traços efeminados. Travestis e transexuais não eram conhecidos. Por tudo isso, faz mais sentido falarmos em pederastia (paiderastía-as, "prática sexual de um homem maduro com um efebo ou rapazinho entre a puberdade e a adolescência") que em homossexualidade na Grécia Antiga.
A pederastia alcançou grande parte da Hélade (sobretudo em Esparta). Mas nem toda, e nem todos os indivíduos aderiram a ela. Ao contrário da crença do senso comum, a pederastia parece ausente da obra de Homero (Ganimedes é apenas um serviçal de Zeus e entre Aquiles e Pátroclo houve apenas uma amizade de infância e uma fraternidade de combate). Na Jônia, era rejeitada; Platão (c. 428 - c. 348 a.C.), nas Leis, refere-se a ela como antinatural ou contra naturam; Xenofonte (c. 430 - 355 a.C.), em seu Banquete, elogia veementemente o amor conjugal heterossexual; Aristóteles (384 - 322 a.C.) foi ainda mais longe: na Política disse que a melhor pólis deveria estar livre da pederastia. Sócrates (469 - 399 a.C.), a despeito do que se propala por aí, provavelmente não se rendeu ao "amor dório", como atesta ninguém menos que Alcibíades (450 - 404 a.C.). Este, que para muitos teria sido o amante de Sócrates, lamentou, no Banquete platônico, seu insucesso em conquistar o grande filósofo.
A "onda" pederasta também não permaneceu na mesma envergadura por todo o tempo; declinou ainda durante a vida de Platão. Mas é fato que arraigou-se profundamente em Atenas, como atestam os discursos de Fedro, Pausânias, Aristófanes, etc. presentes no Banquete de Platão. Essas personalidades da aristocracia ateniense não só defenderam com afinco o amor dório, como atacaram ferozmente o amor heterossexual, cujos praticantes seriam ou covardes, ou adúlteros, etc.
Tudo isso nos mostra, mais uma vez, o quão complexos são os fenômenos históricos. Devemos desconfiar fortemente de explicações generalizantes com relação ao tempo, ao espaço e aos indivíduos, sobretudo se tivermos em mente a multifacetada Grécia Antiga.
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Dito isso, passo à sugestão do livro. Como estamos a tratar de um aspecto da sexualidade da Grécia Antiga, nada mais justo que uma sugestão de leitura que contemple também a Roma Antiga:
VEYNE, Paul. Sexo e poder em Roma. Rio de Janeiro: Record, 2008 (R$ 30).
Trata-se de mais um belo livro desse grande historiador de Roma. Ele uniu um texto leve e a uma descrição erudita sobre a moral, as práticas e as perversões da sexualidade e do erotismo em Roma. Fundamental para entendermos essa faceta da vida romana e, até hoje, tão marcante em nossa sociedade.
VEYNE, Paul. Sexo e poder em Roma. Rio de Janeiro: Record, 2008 (R$ 30).
Trata-se de mais um belo livro desse grande historiador de Roma. Ele uniu um texto leve e a uma descrição erudita sobre a moral, as práticas e as perversões da sexualidade e do erotismo em Roma. Fundamental para entendermos essa faceta da vida romana e, até hoje, tão marcante em nossa sociedade.
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- Cf. MARROU, H.-I. História da Educação na Antiguidade. Tradução de Mário Leônidas Casanova. São Paulo: Herder, 1966, pp. 51-65 (cap. III - "Da pederastia como Educação"); e
Amor y sexo en la Grecia Antigua, de Juan Eslava Galan.
- Cf. MARROU, H.-I. História da Educação na Antiguidade. Tradução de Mário Leônidas Casanova. São Paulo: Herder, 1966, pp. 51-65 (cap. III - "Da pederastia como Educação"); e
Amor y sexo en la Grecia Antigua, de Juan Eslava Galan.
- As informações do Prof. Nougué foram extraídas a partir de Contra Impugnantes.
- Conheça mais sobre o tema da pederastia em Roma a partir do artigo Lex Scantina, a lei do sexo.
- Conheça mais sobre o tema da pederastia em Roma a partir do artigo Lex Scantina, a lei do sexo.