“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Fitafuso defende a Nova Educação

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

"O princípio básico da nova educação é que os alunos lentos e vagabundos não devem sentir-se inferiores aos alunos inteligentes e esforçados. Isso seria 'antidemocrático'. Essas diferenças entre os alunos - porque elas são, muito obviamente, diferenças individuais - precisam ser disfarçadas. Isso pode ser feito em vários níveis. Nas universidades, as provas devem ser elaboradas de tal forma que quase todos os alunos consigam boas notas. Os vestibulares devem ser feitos para que todos ou quase todos os cidadãos possam entrar nas universidades, quer tenham a capacidade (ou o desejo) de se beneficiarem com uma educação superior, quer não. Nas escolas, as crianças que forem lentas ou preguiçosas demais para aprender línguas, matemática e ciências podem ser levadas a fazer aquilo que as crianças costumavam fazer em seu tempo livre. É possível deixá-las, por exemplo, fazer bonequinhos de argila e dar a isso o nome de Educação Artística. Mas durante todo esse tempo jamais deve haver nenhuma menção ao fato de que elas são inferiores às crianças que estão efetivamente estudando. Qualquer bobagem em que estiverem envolvidas deve ter - acho que os ingleses já estão usando essa expressão - 'igualdade de valor'. E é possível conceber um esquema ainda mais drástico. As crianças que estiverem aptas a ser mantidas na classe anterior usando métodos artificiais, com a justificativa de que as outras poderiam ter algum tipo de trauma - por Belzebu, que palavra útil! - caso ficassem para trás. Assim, o aluno mais inteligente permanece democraticamente acorrentado a seus colegas da mesma idade em toda a sua carreira escolar, e um menino capaz de compreender Ésquilo ou Dante é obrigado a ficar sentado ouvindo seus coevos tentando soletrar 'O VOVÔ VIU A UVA!'."

LEWIS, C. S. Cartas de um diabo a seu aprendiz. Tradução de Juliana Lemos. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 195-196.   

#15Fatos Grandes Cientistas

segunda-feira, 27 de novembro de 2017


1. Aristóteles (384-322 a.C.) foi um gigante intelectual do mundo grego clássico e suas ideias tiveram duradoura influência na civilização ocidental. Enquanto dirigia o Liceu sua própria escola em Atenas Aristóteles realizou amplos estudos sobre quase todo tipo de disciplina. Seu método de ensino era o peripatético.

2. Arquimedes (c. 287-212 a.C.), natural de Siracusa, uma cidade-estado grega da ilha da Sicília, tornou-se célebre pelas máquinas que inventou. No entanto, ele sempre achou que suas teorias matemáticas eram mais importantes do que seus conhecimentos de mecânica.

3. Ptolomeu (c. 90 - c. 168) era de ascendência grega e viveu na província romana do Egito. Ele fez suas observações astronômicas em Alexandria, e se destacou como um grande elaborador de sínteses em suas explicações sobre o funcionamento do universo.   

4. Euclides de Alexandria (c. 325-265), um greco-egípcio, é considerado o "pai da geometria". Sua obra Os elementos é, até hoje, o livro mais reproduzido no mundo. Esse livro foi considerado ao longo da Idade Média o mais importante compêndio de matemática.

5. Fibonacci (1170-1250) é o autor do Liber abaci, obra revolucionária que introduziu na Europa várias ideias e conceitos indo-arábicos de importância crucial. Entre eles estavam os numerais arábicos, o conceito matemático do zero e o sistema de numeração com casas decimais. A "Sequência de Fibonacci" tem uso prático, uma vez que ajuda a solucionar alguns problemas matemáticos.

6. Nicolau Copérnico (1473-1543) deve ter conhecido a teoria de Ptolomeu na Universidade de Cracóvia, onde estudou. Em 1514, ele divulgou a um pequeno grupo de amigos sua primeira versão do estágio de desenvolvimento de sua teoria do sistema heliocêntrico. No entanto, a versão completa só foi para o prelo quando ele estava à beira da morte.

7. Galileu Galilei (1564-1642), famoso defensor do heliocentrismo (a ponto de quase ser condenado à fogueira pela Inquisição), muitas vezes é conhecido como "o pai da ciência moderna". Seu método experimental quantitativo se tornou, mais tarde, a metodologia padrão na esfera da investigação científica.

8. Johannes Kepler (1571-1630) foi adepto do luteranismo durante toda a vida. Em Praga, ele ajudou o astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601) a elaborar um novo conjunto de tabelas astronômicas. Sua mãe, Catarina, foi presa sob a acusação de bruxaria, e por pouco não foi submetida a sessões de tortura. 

9. René Descartes (1596-1650) é considerado o "pai da filosofia moderna". Ele formulou sua teoria de geometria analítica enquanto sofria com o calor intenso de seu quarto. É o autor da frase "ergo, cogito ergo sum" ("penso, logo existo").

10. Sir Isaac Newton (1642-1727), nascido em Lincolnshire, Inglaterra, escreveu muito sobre alquimia história antiga e estudos bíblicos. Tornou-se membro do Parlamento reformou a Casa da Moeda e foi eleito presidente da Royal Sociey, de 1703 em diante. 

11. Benjamin Franklin (1706-1790) nascido em Boston, Massachusetts foi uma figura de destaque na Guerra de Independência Americana e, inclusive, ajudou a redigir a Declaração de Independência (1776). Apesar de ter sido cientista e inventor, achava que seu trabalho no serviço público era mais importante do que suas contribuições científicas. 

12. Carl Friedrich Gauss (1777-1855) nasceu em Brunswick, atual Alemanha. Em 1801 estabeleceu os fundamentos de seu método de busca de conhecimento científico e do saber das ciências matemáticas: intensas pesquisas empíricas, seguidas de reflexões que, por suas vez, levaram-no à formulação de uma teoria. Foi um grande polímata. 

13.  Heinrich Hertz (1857-1894), um físico alemão, descobriu as ondas de rádio. Hertz demonstrou que as ondas de rádio eram passíveis de reflexão, refração e difração.

14. Marie Curie (1867-1934) nasceu em Varsóvia, então parte do Império Russa. Tornou-se a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel, conquistado por suas pesquisas sobre radiação na área da física, junto com seu marido, Pierre, e Henri Becquerel. 

15. Albert Einstein (1879-1955), famoso pela teoria da relatividade, era de ascendência judaica. Por essa razão, ele abandonou definitivamente a Alemanha em 1932, imigrando para os Estados Unidos. Em 1952, recusou o convite para se tornar o presidente de Israel.

Bibliografia consultada: CHALTON, Nicola & MacARDLE, Meredith. A História da Ciência para quem em pressa. radução de Milton Chaves. 1. ed. Rio de Janeiro: Valentina, 2017.

#15Fatos Escravidão Indígena no Brasil

domingo, 26 de novembro de 2017

Índios soldados da província de Curitiba escoltando prisioneiros nativos, 1830?, por Jean-Baptiste Debret (1768-1848). 

1. Apesar das tentativas de portugueses, brasílicos e mestiços, a organização social dos tupis, aruaques, caribes e jês permaneceu avessa à troca extensiva de escravos. A função do chefe tribal representava um poder muito instável para extrair cativos de sua própria comunidade ou organizá-la como comunidade preadora.

2. Além disso, não surgiram redes internas de tráfico - componente decisivo do trato continental na África - e nenhuma comunidade indígena se firmou no horizonte da América portuguesa como fornecedora regular de cativos aos colonos.

3. O trato de escravos índios esbarrava na esfera mais dinâmica do capital mercantil (investido no negócio negreiro), na rede fiscal da Coroa (acoplada ao tráfico atlântico africano), na política imperial metropolitana (baseada na exploração complementar da América e da África portuguesa) e no aparelho ideológico de Estado (que privilegiava a evangelização dos índios).

4. A vulnerabilidade dos índios ao "choque epidemiológico" constituiu um fator restritivo à extensão do cativeiro indígena e, inversamente, facilitou a escravidão negra. Além disso, o choque microbiano diminuiu a resistência armada indígena ao contato europeu. 

5. Mais baratos que os africanos, os índios escravos acabavam saindo mais caros porque morriam em maior número. Assim, o fluxo do tráfico negreiro para o Nordeste se acentuou após a mortalidade infligida aos cativos indígenas pelas epidemias de varíola e rubéola nos anos 1559-63. 

6. Leis sucessivamente editadas permitiam três modos de apropriação de indígenas: os resgates (troca de mercadorias por índios prisioneiros de outros índios), cativeiros (correspondia aos índios capturados numa "guerra justa") e descimentos (deslocamento forçado dos índios para as proximidades dos enclaves europeus).

7. Os descimentos aparecem como as iniciativas de consequências mais catastróficas para os índios. Mal alimentados e expostos ao trabalho forçado (embora, nos termos da lei, devessem receber salário), os nativos aldeados pereciam em grande número.  

8. Após cativar e dizimar parte das comunidades nativas do litoral, os colonos portugueses encararam outros tupis, bem mais hostis, e os povos jês. Potiguares assediaram desde 1550 os enclaves europeus na Paraíba e em Pernambuco, aimorés atacaram moradores da Bahia, de Ilhéus e do Espírito Santo, tamoios investiram contra o Rio.

9. Devido à tênue presença militar na América, e a escalada dos reveses no Oriente, a Coroa tentou preservar a paz com os índios. O método de fixar tribos aliadas entre os moradores e os índios inimigos deu lugar à política de "descimentos".

10. Os índios aliados, segundo o Padre Antônio Vieira, constituíram a principal parte do exército colonial quando os holandeses invadiram a Bahia (1624-25).

11. Os potiguares do Rio Grande do Norte esmagaram a revolta aimoré na Bahia; atacaram quilombos das margens do rio Itapicuru, pelas bandas de Sergipe; apoiaram a expedição holandesa que saiu de Pernambuco para invadir Luanda (1641) e, finalmente, guerreiros potiguares se juntaram às tropas luso-brasílicas que atacaram o Quilombo de Palmares na segunda metade do século XVII.

12. Na Amazônia, lançava-se mão de forma sistemática do trabalho compulsório indígena na coleta e eventual cultivo das drogas do sertão e nos postos de remadores das canoas. Mal alimentados, forçados a cadências ininterruptas, atingidos pelas doenças nos portos e nas vilas, os remeiros indígenas morriam em grande número.   

13. Após a revolta maranhense de 1684, liderada por Manoel Beckman, a Coroa decidiu se apoiar ainda mais nos jesuítas. O regimento de 1686 confiou-lhes a totalidade da administração temporal da população indígena. Contudo, em 1759 a Companhia de Jesus foi banida de todos os domínios portugueses e leis régias proibiram definitivamente o cativeiro indígena.

14. Em 1850, quando o tráfico transatlântico de negros chegou ao fim, os proprietários de escravos da região amazônica revolveram vendê-los para os latifundiários cafeicultores do Sul, e partiram, como antigamente, para a exploração do extrativismo e da mão de obra autóctone, indígena ou cabocla. 

15. Relatos sobre o antropomorfismo de macacos de Angola e da Amazônia constituem uma representação dramática da recusa dos nativos das duas margens do Atlântico Sul à reprodução social escravista, ao trabalho colonial. Tornado subumano pela escravatura, o nativo imaginava que a única forma de assegurar a sua liberdade consistia em abrir mão do pertencimento à humanidade.   

Bibliografia consultada: ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O Trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 117-152.

#15Fatos O Império Bizantino

sábado, 25 de novembro de 2017

Reconstituição parcial de Constantinopla. Clique na imagem.

1. A "Nova Roma" (mais tarde, Constantinopla), a nova capital do império, foi fundada por Constantino a 11 de maio de 330. A escolha era excelente, tanto do ponto de vista militar, quanto econômico e administrativo.

2. A transferência do poder imperial para Constantinopla concluiu uma transformação na concepção do poder do soberano, que passou a fundamentar a sua autoridade no poder divino. No Império Bizantino, desenvolveu-se o "cesaropapismo".

3. Ao contrário de Roma, Constantinopla jamais caiu nas mãos dos invasores bárbaros. É verdade que também sofreu o choque das invasões - as dos hunos e dos eslavos (séculos VI e VII), bem como as dos árabes e as dos búlgaros (século VII). A capital bizantina só foi conquistada em 1204, pelos latinos da quarta cruzada, e em 1453, quando foi definitivamente tomada pelos turcos otomanos.

4. A população do império bizantino era composta por uma maioria de gregos, ou de populações completamente helenizadas, mas também eslavos, armênios, capadócios, semitas e egípcios. Por razões religiosas, e muitas vezes políticas, os imperadores bizantinos transportavam de uma região para outra importantes grupos populacionais.

5. O grego era a língua da Igreja, do comércio e da literatura; era verdadeiramente uma língua "nacional", que quase todos falavam ou que pelo menos todos compreendiam.

6. Justiniano (527-565) foi o último dos grandes imperadores romanos. Mediante a Reconquista, Justiniano teve a grandiosa ambição de reconstituir em sua integridade o Império Romano desaparecido, e chegou perto desse objetivo. Em outra frente, foi um legislador impecável, que deu prosseguimento à obra legislativa dos grandes jurisconsultos romanos. Além da Reconquista, a Revolta de Nika (532) e a Peste de Justiniano (542) estiveram entre os seus principais desafios. Um dos seus maiores legados foi a obra jurídica Corpus Iuris Civilis, publicada entre 529 e 534.

7. Durante vinte anos de anarquia (695-717), o avanço da superstição, o embrutecimento dos costumes, as revoltas militares e as usurpações colocaram em perigo a própria existência do império.

8. Os imperadores isáuricos (717-867) foram os "gloriosos artesãos da reorganização do império" (Diehl). Contudo, foi nessa época em que também ocorreu a ruptura com o papado (definitiva no Grande Cisma do Oriente, em 1054); a perda da Itália e o restabelecimento do império do Ocidente por Carlos Magno e, finalmente, a querela das imagens (726-842). 

9. Miguel VIII Paleólogo (1261-1282) foi o último grande imperador bizantino. Chegou a marcar presença no Peloponeso latino, frustou as tentativas de Carlos de Anjou para conquistar a costa oriental do Adriático e ordenou minimamente as finanças, a marinha e o exército.

10. No Império Bizantino, assim como no romano, não existiam leis de sucessão, que determinassem a transmissão regular do trono. Isso somado à ausência de família imperial ou sangue real nos primórdios do império, permitia que até os mais humildes nutrissem aspirações ao trono. Todo mundo tinha qualidades para ser imperador (Justiniano era um camponês da Macedônia e Leão I, segundo a tradição popular, começara como um açougueiro).  

11. A Igreja Ortodoxa aceitava a constante intervenção do soberano em seus assuntos administrativos e teológicos como coisa perfeitamente legítima. Contudo, o patriarca de Constantinopla possuía grande importância, com a qual era preciso contar.

12. A guerra bizantina adquiriu um caráter religioso. Os soldados não combatiam apenas pelo imperador e pela defesa do território, mas "pelo conjunto da comunidade cristã". Se alcançavam a vitória, eles o faziam "pela graça de Cristo". 

13.  O "feudalismo" oriental nunca se assemelhou completamente ao do Ocidente, e jamais conheceu aquela hierarquia restrita, que fez da sociedade feudal do Ocidente uma vasta rede de suseranos e vassalos. Até o fim da história bizantina, o poderio dos aristocratas foi causa perpétua de lutas sociais e de perturbações.

14. O Império Bizantino nunca foi um Estado essencialmente agrícola. A vida urbana também floresceu e progrediu. Alexandria, no Egito; as cidades da Ásia Menor (sobretudo Antioquia e Éfeso); Patras, Tebas, Corinto e Tessalônica (na Grécia) e Constantinopla eram grandes cidades.

15. A arte bizantina foi essencialmente religiosa e, com efeito, a Igreja exerceu sobre ela grande influência (cf. a iconografia sagrada). Contudo, ao lado dessa arte religiosa, há a profana que se dedicou a representar os retratos dos soberanos, as grandes cenas da história, os episódios famosos da mitologia. Além disso, a decoração dos palácios imperiais, entre os séculos X e XII, teve lugar de destaque.  

Bibliografia consultada: DIEHL, Charles. Grandes Problemas da História Bizantina. Tradução de Frederico O. Pessoa de Barros. São Paulo: Editora das Américas, 1961.

#15Fatos O Poder Imperial em Roma

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

1. A partir de Augusto, o Estado passou a ser o imperador: o estilo monárquico substituiu a incitação ao senso cívico de todos pela exaltação das virtudes pessoais do príncipe. Ao invés de obedecer por devoção ao Estado, os súditos passaram a confiar na providência do soberano. 

2. O estilo monárquico atribuía as próprias instituições públicas e até mesmo as decisões administrativas mais cotidianas à bondade do imperador. Pelo efeito de sua bondade, o princeps garantia, por exemplo, o abastecimento de pão a Roma.

3.  A pessoa real tem um caráter público. Assim, o imperador tinha as relações privadas de um pai ou de um patrão com a plebe de sua capital. Ele exibia um aparato em Roma ou no circo que transformava a cidade eterna em uma corte real.

4. Os romanos gostavam de seu soberano, ainda que achassem os impostos muito pesados. O nome do imperador era pronunciado com respeito, e as opiniões políticas não eram manifestadas e a conversa sobre política era simplesmente inexistente. 

5. Um princeps obtinha o reconhecimento máximo de seus súditos quando suprimia uma taxa, quando diminuía momentaneamente um encargo fiscal de uma província ou devolvia ao contribuinte impostos atrasados que devia ao Fisco.   

6. Quando agia como um legislador, o imperador romano se expressava como se falasse com crianças: ele culpava, ameaçava e enquadrava. Nesse sentido, certa vez o imperador Augusto repreendeu por édito os espectadores que, no teatro, o cumprimentaram chamando-o de senhor.

7. Os legistas consideravam o imperador como um mandatário. O povo e os ideólogos, por sua vez, viam nele um "bom rei", ou seja, um pai. 

8. Além de ter o controle da burocracia, o imperador era o senhor exclusivo da política externa e comandava os exércitos. Caso ele inspecionasse uma tropa, vestia-se com trajes militares e assumia pessoalmente o comando. Os exércitos, por sua vez, nomeavam ou permitiam nomear os imperadores.

9. Augusto e seus sucessores foram mecenas de Estado. Nessa condição, em vez de retirar dinheiro dos cofres públicos como se fossem seus próprios cofres, usavam seus próprios recursos para atender as necessidades de Estado.

10. O princeps possuía, para administrar seu império, altos funcionários chamados procuradores. Esses escravos imperiais não constituíam sua domesticidade privada - eram "escravos da coroa", permanecendo em sua função quando o imperador mudava. 

11. A existência individual de todos parecia depender do imperador, bom ou mau, uma vez que se confundia o imperador com o Estado e com a sociedade. Segundo Horácio, graças a Augusto, os bois pastavam com segurança, os campos eram férteis, os navegantes cruzavam mares pacíficos e a castidade do lar não sofria mais com os problemas do adultério. 

12. Apesar disso, o imperador não poderia ser considerado hábil ou inteligente como os deuses. Sua individualidade era exclusivamente ética, suas virtudes eram louvadas, mas seria desrespeitoso falar de suas habilidades políticas.

13. O culto dos reis na Antiguidade greco-romana também era dualista e ambíguo. Os adoradores sabiam que o monarca era um simples mortal, mas tinham excelentes razões para tratá-lo como um deus. 

14. No mundo greco-romano, a adoração pelo soberano era mais frequentemente uma iniciativa das cidades autônomas, e não um decreto do próprio soberano. Assim, o imperador não fazia que o adorassem: apenas permitia que o adorassem. Aqueles que organizaram seu próprio culto foram considerados tiranos. Na Itália romana, os imperadores recusaram, em vida, o culto de seus súditos italianos. O culto do soberano vivo só era autorizado para os provincianos.

15. O culto monárquico nunca correspondeu a uma crença popular, mas a um sentimento popular. Frequentemente, o culto monárquico não passava de um cerimonial. Nesse sentido, as autoridades romanas e o populacho não pediam aos mártires cristãos para acreditar na divindade do imperador. Elas exigiam apenas os sinais externos de respeito.

Bibliografia consultada: VEYNE, Paul. Pão e circo: sociologia histórica de um pluralismo político. Tradução Lineimar Pereira Martins. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2015, p. 520-643.

#15Fatos O Diabo na Idade Média

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

O Triunfo da Morte (1336-1341), de Buonamico Buffamalcco. Cemitério Monumental, Pisa, Itália.
Nesse afresco, as almas dos moribundos são disputadas por anjos e demônios.

1. O Diabo - Satã e seus demônios - foi certamente uma das figuras mais destacadas do universo do Ocidente medieval. Ele era onipresente e seu poder sentia-se em todos os aspectos da vida. 

2. O Diabo era a encarnação do mal, o oponente das forças ocultas, o tentador do justo, inspirador dos ímpios e dos pecadores, verdugo dos condenados. 

3. Até o século IX, contudo, o Diabo esteve quase ausente das imagens cristãs. Por volta do ano 1000 é que se desenvolveu uma representação específica enfatizando sua monstruosidade e animalidade.

4. Embora não se possa fazer do cristianismo medieval uma variante das religiões dualistas (Deus é senhor de todas as coisas e Satã é um anjo caído, submetido a ELE), uma forte tendência centrífuga - uma tentação politeísta - trabalhou os estratos mais profundos do cristianismo medieval.

5. No Novo Testamento e nos textos medievais, o Diabo ou os diabos eram designados principalmente por dois termos de origem grega: Diabolus ("que separa") e daemon (na origem, os espíritos, bons e maus, intermediários entre os deuses e os homens). Lúcifer, outrora o anjo de luz, continuo a ser assim designado, mesmo após se tornar o príncipe do Inferno. 

6. Embora decaídos, os diabos mantiveram a mesma natureza dos anjos. São, portanto, de corpo etéreo. Além disso, tendem à diversidade e às metamorfoses, podendo se manifestar em forma animal. O Tentador, inclusive, podia usurpar uma aparência totalmente humana - mesmo a da Virgem ou de Cristo. 

7. A partir do século XI, desenvolveu-se uma iconografia específica do Diabo: sua silhueta antropomórfica, feita por Deus, foi pervertida, tornada monstruosa pela deformidade e pelo acréscimo de características animais. 

8. Na sua própria essência, os diabos, como os anjos, não têm sexo (ou melhor, não há mulheres entre eles).

9. Apesar disso, atribuía-se a eles uma intensa atividade sexual (embora os clérigos afirmassem que eles não praticavam a homossexualidade entre si). Numerosas crenças folclóricas atribuíam a eles, inclusive, a capacidade de procriação. 

10. Guilherme de Auvergne e São Tomás de Aquino admitiam a veracidade do testemunho de mulheres que se diziam vítimas de demônios íncubos. Entretanto, esses teólogos consideravam que esses demônios se limitavam a transmitir uma semente que não era sua, de modo que embora desempenhassem um papel na procriação, os seres nascidos dessas uniões (como Merlin) não seriam seus filhos. 

11. Os demônios conservavam vantagens de sua natureza angélica, em particular uma potência intelectual notadamente superior à dos homens. 

12. Desde Agostinho, admitia-se que os demônios poderiam prever o futuro e anunciá-lo aos homens, embora não possuíssem o dom de profecia como os anjos. Toda tentativa de recorrer a essa ciência diabólica, uma tendência crescente em fins da Idade Média, era condenada como pecado grave.   

13. Segundo Agostinho, por causa do Pecado Original, Satã era o príncipe dos pecadores. Essa concepção foi dominante ao longo do Medievo. 

14. O Inimigo era responsabilizado por todas as catástrofes: tempestades e tormentas, destruição dos frutos da terra, doenças em seres humanos e animais, naufrágios e desabamentos de edifícios.

15. O homem medieval não estava só diante dos demônios. Dispunha de práticas, de gestos e de ritos para se proteger. Por meios dos sacramentos que dispensa, a Igreja era e é considerada um baluarte contra o Diabo. Os jejuns e as preces seriam as armas mais eficazes dos mortais, e o sinal da cruz seria um gesto de poder infalível. 

Bibliografia consultada: BASCHET, Jérôme. Diabo. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval - vol. II. Coordenador de tradução - Hilário Franco Júnior. Bauru, SP: Edusc, 2006, p. 319-331.

#15Fatos A Cidadania em Roma

domingo, 19 de novembro de 2017

Esses 15 fatos se concentram no período monárquico e republicano (séculos VIII-I a.C.). Futuramente, publicarei uma série sobre o período imperial. 

1. O homem livre era denominado ciuis e, por isso, ciuitas ("cidadania", "cidade", "Estado") carregava a noção de liberdade em seu centro. 

2. A cidade romana formou-se sob o domínio etrusco e, aparentemente, até o nome da cidade parece derivar de uma estirpe etrusca, Ruma. Os etruscos legaram à cidadania romana a divisão social em dois grupos (nobreza, privilegiada, e o restante da população, sem direitos de cidadania) e o relevante papel feminino na sociedade.  

3. Em grande parte, a história de Roma pode ser vista como uma luta pelos direitos sociais e pela cidadania entre os patrícios, que usufruíam de direitos civis plenos, e o restante da população (populus).  

4. Entre os patrícios e os plebeus, existiam os clientes (homens livres que mantinham relação de fidelidade a um patrono, a quem deviam serviços e de quem recebiam terra e proteção) e os escravos.

5. Entre os séculos V e IV a.C., a luta pelos direitos civis dos plebeus foi o grande motor das transformações históricas a partir da República. Os plebeus urbanos preocupavam-se com os direitos políticos e sociais (ocupar cargos, votar no Senado e casar-se com patrícios), ao passo que a plebe rural, desprovida de suas terras para o pagamento de suas dívidas, lutava pelo fim da escravidão por dívida e pelo direito a parte da terra conquistada de outros povos.

6. Dentre as conquistas da plebe, destacam-se o Tribunado da Plebe (instituído em 494 a.C.); a Lei das Doze Tábuas (meados do séc. V. a.C.); as Leis Licínias Séxtias (367 a.C.), que começaram a regular as relações entre credores e devedores; a Lei Publília (339 a.C.), que restringiu o direito de veto do Senado; a Lei Ogúlnia (300 a.C.), que garantiu aos plebeus acesso a todos os cargos; a Lei Poetélia Papíria (326 a.C.), que aboliu a servidão por dívida; finalmente, a Lei Hortênsia (287 a.C.), que permitiu que os plebiscitos tivessem força de lei, ainda sem o aval do Senado.

7. Especialistas afirmam que, como resultado das lutas dos plebeus, o Estado passou a se chamar "Povo e Senado de Roma", com a plebe em primeiro lugar! Ao longo do séc. III a.C., as camadas plebeias superiores passaram a integrar a elite aristocrática. Assim, os grandes conflitos sociais deslocaram-se do choque entre patrícios e plebeus para os confrontos entre dominantes e subalternos, romanos e não romanos aliados, senhores e escravos (por exemplo, o grande levante de escravos entre 136 e 132 a.C., na Sicília).

8. Aqueles que passaram a tentar aceder aos cargos mais altos passaram a ser chamados de "homens novos". Com origens sociais modestas, destacavam-se pela dedicação e perseverança - em raras ocasiões, obtinham sucesso.

9. Durante o séc. III a.C., Roma expandiu-se pela Itália antiga. Ao contrário dos gregos, passaram a conceder a cidadania a aliados, utilizando-se disso como um importante fator para a acomodação das elites nos territórios conquistados. Comunidades itálicas inteiras foram incorporadas à esfera de influência dos "nobres" - patrícios e plebeus ricos, que passaram a contar com grande contingente de clientes.

10. Fora da Península Itálica, os romanos criaram um novo conceito: a província, um território administrado pelos romanos para seu benefício, sujeito a tributação. Assim, foram criadas, por exemplo, as províncias da Hispânia Citerior e Ulterior (197 a.C.), seguidas da Macedônia (148 a.C.), África (146 a.C.) e Ásia (133 a.C.).

11. Nas lutas para que a plebe tivesse acesso a terras e à distribuição de trigo, destacam os irmãos Tibério e Caio Graco, eleitos tribunos em 134 e 124 a.C., respectivamente. O primeiro propôs a Lei Semprônia, que limitava o uso ilegal de terras públicas pelos grandes proprietários, mas foi assassinado em 133 a.C. Seu irmão, Caio, propôs todo um programa legislativo - lei agrária, militar, direito de cidadania romana aos aliados itálicos, distribuição de alimentos e reforma judiciária. Mais tarde, os oligarcas conseguiram se recuperar, anular suas medidas e matá-lo.

12. Ao longo do séc. II a.C., as comunidades itálicas passaram a exigir de forma mais intensa a extensão da cidadania romana. O ponto alto dessa pressão foi a Guerra Social (91-88 a.C.), uma revolta armada dos itálicos contra os romanos. As próprias elites itálicas, como a etrusca, ficaram ao lado dos dominados, uma vez que já possuíam a cidadania romana e não queriam que artesãos e camponeses obtivessem iguais direitos. 

13. Entre 82 e 78 a.C., o general Sila exerceu a ditadura e conseguiu aprovar uma série de leis que fortaleciam o poder no Senado e enfraqueciam os poderes ligados à plebe. Essas medidas foram abolidas, mas os generais posteriores adotaram atitudes semelhantes que resultariam em restrições aos direitos civis. 

14. As eleições em Roma constituíam um grande tesouro da cidadania. Os comícios por tribos elegiam questores, edis, tribunos militares e tribunos da plebe. À diferença de muitas cidades gregas, em que o voto era restrito, em Roma votavam pobres e mesmo libertos. Contudo, nas assembleias, o voto era por grupo, e não individual. 

15. Pelo menos em termos legais, os cidadãos comuns podiam recorrer dos abusos de autoridade cometidos pelos poderosos, e as inscrições que tratavam desse direito eram afixadas publicamente. Ao final da República (509-27 a.C.), introduziu-se o voto secreto e, para isso, adotou-se o voto por escrito nos comícios eleitorais. 

Bibliografia consultada: FUNARI, Pedro Paulo. A Cidadania entre os Romanos. In: PINSKY, Carla B. & PINSKY, Jaime (orgs.). História da Cidadania. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005, p. 49-63.

Brasil Paralelo - Ep. 3

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

O Século de Ouro de São Luís

terça-feira, 14 de novembro de 2017

Sagração de Luís IX como rei da França na Catedral de Reims. Iluminura do século XIII.

Quando o rei Luís VIII da França morreu, seu filho e herdeiro só possuía 13 anos. A partir daí, por dois anos ele foi tutelado por sua mãe, até que foi coroado como Luís IX, em 1226. Seu governo durou até sua morte, em 1270, e destacou-se tanto que o século XIII foi chamado de "o século de ouro de São Luís". 

O rei casou-se muito jovem e teve onze filhos. Foi um notável legislador: durante seu reinado desenvolveu-se uma abundante legislação. Foi também muito religioso, e a partir de seu reinado houve um reconhecimento definitivo das virtudes taumatúrgicas dos reis da França. A virtude reconhecida desses reis, contudo, era muito limitada. Ela dizia respeito a somente uma doença, as escrófulas (ou adenite tuberculosa) e se produzia apenas em certos dias, em certos lugares, e era conferida pela sagração (e não pelo nascimento ou dinasticamente). 

Além de governar, legislar e curar escrofulosos, Luís IX lançou-se a uma aventura fora das fronteiras da França. Em 1248, ele liderou a Sétima Cruzada. Essa expedição reuniu mais de 30 mil soldados e quase 100 navios. Ao chegar ao Egito, os homens foram surpreendidos por uma peste e pelo transbordamento do rio Nilo. Muitos homens morreram, e outros fugiram. Luís IX e alguns nobres foram capturados pelos muçulmanos. Após longa negociação e o pagamento de um resgate, foram libertados. O monarca retornou à França em 1253, com o falecimento de sua mãe. 

Anos mais tarde, o rei organizou a Oitava Cruzada contra os muçulmanos. Contudo, morreu vítima de peste em 1270, quando chegou à Tunísia, na África. Seu corpo foi levado para a abadia de Saint-Denis, na França, onde foi sepultado. 

Na Alta Idade Média, no início da evolução da ideia de santidade real, o personagem do rei sofredor era predominante. Por volta do ano 1000, a santidade era concedida ao rei que convertia o povo: tal foi o caso dos reis escandinavos e de Santo estevão da Hungria. O rei, enfim, quase a exemplo de outros santos, passava a ser reconhecido como santo em função tanto de suas virtudes pessoais como por seus milagres, e em decorrência de um processo de canonização. Apenas Luís IX (São Luís) se beneficiou dessa evolução, em 1297. 

Bibliografia consultada: LE GOFF, Jacques. Rei. In: LE GOFF, Jacques & SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário Temático do Ocidente Medieval - vol. II. Coordenador de tradução - Hilário Franco Júnior. Bauru, SP: Edusc, 2006, p. 403.

O Ancilóstomo e a Ocupação da América

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Jeca Tatu

Os ovos do ancilóstomo (Ancylostoma duodenale) são eliminados nas fezes humanas. Eles permanecem no solo e, em condições climáticas ideais, eclodem em pequenas larvas. Essa transformação ocorre em solo úmido e quente, razão pela qual a verminose é típica de país tropical. As larvas entram em contato com a pele humana geralmente nos pés de pessoas descalças. Invadem a pele, penetram no organismo e transformam-se em parasitas adultos. 

No organismo humano, esse parasita adere-se firmemente à parede intestinal, provocando lesões que sangram lentamente. O verme alimenta-se do sangue, e sua constante perda provoca anemia. Seus sintomas são fraqueza intensa, indisposição, tontura e a palidez da pele. A verminose - como é popularmente chamada - é conhecida como "amarelão", e tornou-se célebre por acometer o personagem preguiçoso do Jeca Tatu das obras de Monteiro Lobato. 

Dentre os homens que transpuseram o estreito de Bering e iniciaram o povoamento do continente americano, alguns estavam contaminados com o Ancylostoma duodenale. Contudo, o mundo atravessava então a Era Glacial e os ovos eliminados pelas fezes não encontraram solo favorável para eclodirem em larvas. Assim, aqueles que nasceram durante a jornada não foram infectados. As mesmas terras frias que possibilitaram a travessia do homem barraram a entrada do ancilóstomo. Contudo, os índios já conheciam o "amarelão" bem antes do contato com os europeus. Como isso foi possível? 

ancilóstomo não teria acompanhado os primeiros americanos se eles houvessem chegado à América apenas por via terrestre. Assim, a ciência médica ajuda a sustentar a hipótese de que houve uma outra rota para a ocupação do "Novo Mundo", e foi por via marítima. Formas adultas e ovos do ancilóstomo em coprólitos de múmias peruanas, chilenas e brasileiras comprovam-no: o litoral quente e úmido, ao contrário do gélido Alasca, não impediu a entrada do parasita em nosso continente.       

Bibliografia consultada: UJVARI, Stefan Cunha. A História da Humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros microrganismos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 71-73.

Aviso aos Navegantes

domingo, 12 de novembro de 2017


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A Crise das Cidades Romanas

sábado, 11 de novembro de 2017

Rotas comerciais do Império Romano, por volta de 180 d.C. 
Clique na imagem para ampliá-la.

Em poucas épocas metade do mundo viveu com tamanha indiferença pela outra metade como ao longo do século II do Império Romano. A classe governante tradicional orgulhava-se em preservar as antigas particularidades da cidade. As aristocracias gregas, por exemplo, colecionavam os ritos e costumes sacerdotais, provas das tradições locais, temerosas do risco da esterilização cultural no vasto império do qual faziam parte. Assim, insistiam em ver o mundo romano como um mosaico de cidades e tribos distintas. 

Foi justamente nessa época que Taciano (120-180), um jovem estudante da Síria, visitou Roma. Durante todo o caminhou, comunicou-se em grego e verificou que por toda parte existia a mesma cultura filosófica grega. O que o chocou, no entanto, foi o particularismo clamoroso das cidades. "Podia haver um só código de leis para toda a humanidade e uma única organização política", escreveu ele. 

Taciano fala por milhares de homens cuja experiência do Império Romano era completamente oposta à das classes dominantes. Para os senhores gregos e romanos bem relacionados, a paz do Império dava-lhes a oportunidade de restabelecerem e reforçarem os costumes da cidade antiga. Para os mais humildes, era diferente. Significava horizontes mais vastos e ocasiões novas de viajarem; significava ainda a erosão das diferenças locais através do comércio e da emigração, o enfraquecimento das antigas barreiras ante a nova riqueza e o novo conceito do direito. 

Enquanto as cidades gregas e da costa egeia da Ásia se orgulhavam da preservação das suas características locais, os habitantes da Frígia, Bitínia e Capadócia entravam num novo mundo. Os seus mercadores mantinham-se em constante movimento - um mercador frígio, por exemplo, visitava Roma 72 vezes ao longo da sua vida. 

Os homens que se libertavam da existência tradicional e os itinerantes foram os primeiros a serem tocados pelos inquietos pensamentos dos religiosos do fim do século II. Comerciantes, administradores livres e mulheres educadas agora se consideravam "cidadãos do mundo", e muitos dentre eles consideravam o mundo solitário e impessoal. Assim, por volta do ano 200, as comunidades cristãs eram formadas pelas classes médias mais baixas e de respeitáveis artífices das cidades, e não mais pelos "humildades e oprimidos".  

Um dos acontecimentos dominantes dos dois primeiros séculos da Era cristã foi a difusão dos cultos orientais na Europa ocidental. Estes cultos disseminaram-se porque davam ao emigrante e, posteriormente, ao aderente local um sentimento de intimidade e de lealdade que perdera nas funções civis da cidade. Isso foi revelado pelo espontâneo crescimento das associações dos pobres. Em vida, eles poderiam compartilhar os momentos das refeições; após a morte, poderiam ser enterrados e lembrados pelos companheiros. A grande proliferação de manuais de astrologia, de livros de sonhos e de feitiçaria revelam, na forma mais negra, as dificuldades deste novo público, despreparado para uma vida cuja paz não era segura. 

Adaptado de BROWN, Peter. O Fim do Mundo Clássico - De Marco Aurélio a Maomé. Tradução de António Gonçalves Mattoso. Lisboa: Verbo, 1972, p. 65-67.   

Os 80 Anos do Golpe do Estado Novo

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Há exatamente oito décadas, Getúlio Vargas iniciava, mediante um golpe, a ditadura do Estado Novo (1937-1945). Assim, é importante refletir brevemente sobre o contexto desse golpe. 

A Constituição de 1934 previa eleições para janeiro de 1938. Em fins de 1936 e nos primeiros meses de 1937 já haviam se definido os candidatos para a disputa: Armando de Salles Oliveira (Partido Constitucionalista), José Américo de Almeida (o candidato oficial, apoiado por Vargas) e Plínio Salgado (Ação Integralista Brasileira). Embora a disputa política tivesse promovido um afrouxamento das medidas repressivas (que incluiu a libertação de cerca de 300 pessoas em junho de 1937), ao longo de 1937 o governo interveio em alguns Estados e no Distrito Federal. Na capital federal, o prefeito Pedro Ernesto foi destituído após ser acusado de estar associado à extinta ANL. No Exército, vários oficiais legalistas foram afastados dos comandos militares. 

O grande pretexto para reacender o clima golpista, contudo, foi um tal Plano Cohen. Seria, supostamente, um plano de insurreição comunista que passou das mãos dos integralistas à cúpula do Exército. Em 30 de setembro, era parcialmente publicado nos jornais e transmitido pela "Hora do Brasil" (sobre esse programa de rádio, veja a charge acima). Os efeitos da divulgação do Plano Cohen foram rápidos, e o golpe previsto por Getúlio e a cúpula militar para o dia 15 de novembro foi antecipado para o dia 10 desse mês. 

O Estado Novo foi implantado de forma autoritária e concentrou mais poderes do que qualquer outro regime até então conhecido na história do Brasil independente. O Congresso, dissolvido, submeteu-se. Os Estados passaram a ser governados por interventores e uma nova Carta constitucional, a de 1937, foi imposta ao país. Era o início de um dos períodos mais repressivos da história do Brasil que, até hoje, não foi devidamente investigado e revelado. 

Bibliografia consultada: FAUSTO, Boris. História do Brasil. Colaboração de Sérgio Fausto. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013, p. 309-3015.

Sobre o significado desse golpe, ouça a reportagem da CBN.

O Colonizador Português e os Escravos

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Representação de um engenho do Brasil colônia. Destaco a Casa-Grande (1), a Capela (2), a Senzala (3), o Roçado (9), o Canavial (11) e a "Brecha camponesa" (12). Nota-se ainda que o engenho aproveitava a força hidráulica (4). 

Estima-se que durante a "Diáspora Africana", entre os séculos XVI e XIX, 11 milhões de negros foram transferidos de forma compulsória ao continente americano. De acordo com o historiador Boris Fausto, entre 1550 e 1885, entraram pelos portos brasileiros cerca de 4 milhões de escravos, na sua vasta maioria jovens do sexo masculino. Assim, para Gilberto Freyre, o colonizador português no Brasil foi um escravocrata terrível que só faltou transportar da África para a América, em navios imundos, a população inteira de negros.  

Por outro lado, o português foi o colonizador europeu "que melhor confraternizou com as raças chamadas inferiores. O menos cruel na relação com os escravos. É verdade que, em grande parte, pela impossibilidade de constituir-se em aristocracia europeia nos trópicos: escasseava-lhe para tanto o capital, senão em homens, em mulheres brancas. Mas independente da falta ou escassez de mulher branca o português sempre pendeu para o contato voluptuoso com mulher exótica. Para cruzamento e miscigenação. Tendência que parece resultar da plasticidade social, mais no português que em qualquer outro colonizador europeu." 

Bibliografia consultada: FREYRE, Gilberto. Casa Grande & senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. Apresentação de Fernando Henrique Cardoso. 51ª ed. rev. São Paulo: Global, 2006, p. 265.

#15Fatos O Prazer em Roma

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Cena de banquete em Herculano. Afresco de ca. de 50 a.C.

1. Para os romanos, o prazer não era menos legítimo que a virtude. Alguns chegavam a levar isso longe demais - segundo Suetônio, o imperador Tibério (14-37 d.C.) criou um novo cargo, a "intendência dos prazeres", confiado ao cavaleiro T. Cesônio Prisco. 

2. A urbanidade constituía um dever de bem viver. Os homens só eram plenamente eles mesmos na cidade, e uma cidade era composta de comodidades materiais (commoda), tais como banhos públicos, edifícios suntuosos e muros ("o mais belo enfeite de uma cidade" - P. Veyne). 

3. A amizade, ao contrário da paixão, era o valor que resumia a reciprocidade das relações entre indivíduos e a liberdade interior que cada um desejava preservar. O amor era escravidão, uma fraqueza quase vergonhosa, ou ainda uma espécie de loucura; a amizade, por outro lado, era sinônimo de liberdade e de igualdade. Foi apenas com o poeta Catulo (87/84 - 57/54 a.C.) que o amor passou a ser louvado. 

4. O banquete, para todos os usos, era a circunstância em que o homem privado desfrutava do que ele de fato era e o que mostrava verdadeiramente a seus pares. Até os pobres (90% da população) tinham as suas noites de festim. 

5. A comida servida nos banquetes continha muitos temperos e molhos complicados. A carne era fervida antes de cozinhar ou assar e adoçada. A melhor parte do jantar, a mais longa, era aquela em que se bebia, tanto é que constituía o banquete propriamente dito (comissatio). 

6. O povo conhecia com menos ostentação o prazer de estar junto: a taberna e os "colégios" ou confrarias (collegia) eram os seus principais espaços de sociabilidade. Quanto a estas últimas, eram vistas com desconfiança pelos imperadores, uma vez que reuniam muitos homens e seus objetivos não eram claramente definíveis. 

7. Nas cidades, o evergetismo proporcionava à população oportunidades de comer e beber à vontade. 

8. A festa e a devoção coexistiam nas seitas ou confrarias porque o paganismo era uma religião de festas. A festa religiosa oferecia o duplo prazer de ser também um dever, e num texto grego ou latino o termo "sacrifício" sempre implicava festim. 

9. Banhos e espetáculos eram pagos, pelo menos em Roma. Contudo, o preço de ingresso era módico e existiam lugares gratuitos para os espetáculos. Assim, homens livres, escravos, mulheres, crianças e até estrangeiros tinham acesso aos espetáculos e aos banhos. 

10. O banho não era uma prática de higiene, e sim um prazer complexo, como a nossa praia. Os cristãos e os pensadores recusavam tal prazer. 

11. Em Roma e em todas as cidades, os espetáculos constituíam o grande acontecimento, que, em terra grega, eram os concursos atléticos. Eram também as lutas de gladiadores. Saiba mais: Circos e Anfiteatros de Roma 

12. No espetáculo, o prazer tornava-se uma paixão cujo excesso os sábios e os cristãos reprovavam. Contudo, a crítica que fazemos ao sadismo dos espectadores não ocorreu a nenhum romano, filósofo ou não. Apesar disso, a literatura, a imaginária e a cultura greco-romana não eram sádicas em geral. 

13. Um autêntico libertino era reconhecido pela violação de três proibições: fazer amor antes do cair da noite, fazer amor sem criar penumbra ou ainda fazê-lo com uma parceira que ele havia despido por completo. 

As más línguas diziam que os tiranos libertinos - Calígula, Nero, Domiciano e Heliogábalo - violaram outras interdições: transaram com damas casadas, com virgens de boa família, com adolescentes de nascimento livre, com vestais e, ainda, com as próprias irmãs.

14. A tolerância antiga levou a pederastia a difundir-se bastante e superficialmente. Saiba mais: Os Vícios de Roma

15. Como o álcool e todos os prazeres, a volúpia era vista como perigosa para a energia viril e, portanto, não se devia abusar dela. A paixão amorosa era ainda mais temível, pois tornava um homem livre escravo de uma mulher.  

Bibliografia consultada: VEYNE, Paul. O Império Romano. In: ARIÈS, Philipe & DUBY, Georges (diretores da coleção). História da Vida Privada. Volume 1: Do Império Romano ao ano mil / organização de Paul Veyne. Tradução de Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 179-199.