domingo, 30 de janeiro de 2022
Foi quando a Reforma Protestante e a Contrarreforma se estabilizaram que a "polícia cristã" se tornou mais "pesada" na Europa. Em primeiro lugar, consideremos a luta contra as festas "pagãs". Elas constituíram outro grande capítulo da ação tenaz e multiforme para cristianizar a vida cotidiana por via autoritária e operar de maneira radical a necessária separação - necessária aos olhos da elite no poder - entre o sagrado e o profano. Essa ação, assim como a ação contra a blasfêmia, foi inseparável do combate conduzido ao mesmo tempo contra a feitiçaria e todos os inimigos declarados o encobertos do nome cristão. Satã introduzira-se nos divertimentos, pervertera-os, paganizara-os, servindo-se deles além disso para confundir as hierarquias e perturbar a ordem social.
Compreende-se melhor, a partir daí, que as fogueiras de são João tenham sido objeto da hostilidade ou, ao menos, da suspeita comum das autoridades católicas e protestantes. Calvino as eliminou de Genebra. Em país católico, os bispos que não ousaram proibir as fogueiras de são João esforçaram-se em fazê-las estreitamente controladas pelos eclesiásticos do lugar, pois assim seriam despaganizadas.
As suspeitas das igrejas se voltaram igualmente para as algazarras. Nas segundas núpcias, por exemplo, deveriam se eliminar o "alarido", o "tumulto" e "ruídos escandalosos". "Insolências", "indecências", desordens festivas tornaram-se como tais repreensíveis aos olhos das autoridades religiosas, católicas ou protestantes. Desde então, esse enquadramento da festa valeu tanto para o primeiro casamento como para os demais.
Embora, em vários países, a legislação civil tenha continuado a tolerar as fogueiras de são João e o carnaval (ao qual a Igreja tridentina tentou opor as "Quarenta Horas"), no entanto, a partir do século XVI, o poder eclesiástico e o poder civil apoiaram-se mutuamente para melhor vigiar a conduta religiosa e moral das populações.
A loucura se tornou, senão para Erasmo, ao menos para muitos espíritos cultivados de seu tempo, uma verdadeira obsessão. Ligada à tentação, ao pecado, aos pesadelos e à morte, ela então tomou uma forma de perigo público. Assim, convinha dominá-la, colocando-a fora do circuito, atrás das altas muralhas de estabelecimentos correcionais. No século XVII, em Paris ou em Bicêtre, os loucos serão colocados entre os "bons pobres" ou entre os "maus pobres". Afirmando-se como necessidade de ordem, a modernidade europeia dessacralizou a loucura. Na Idade Média, o louco e o pobre eram como peregrinos de Deus. Durante o período seguinte, apareceram como seres decaídos, suspeitos e inquietantes, que perturbavam a paz pública.
Outrora imagem de Cristo, a partir do século XIV o pobre se torna um ser que provoca medo. Os crescimentos demográficos, a alta dos preços, a pauperização salarial, o desemprego crescente, a monopolização das terras, a passagem dos homens de guerra acumulam nas cidades ou lançam nas estradas contingentes continuamente mais densos de "vagabundos agressivos, desprovidos de terra e de salário", em desocupação sazonal ou permanente. Eles são, desde então, acusados de todos os pecados capitais. Considerados ociosos, ei-los acusados de transportar a peste e a heresia.
Em primeiro lugar, tentou-se em numerosas cidades do Ocidente, no século XVI, recensear e registrar os mendigos. Esse preliminar permitiria em seguida, graças a uma taxa urbana e à ação de "agências de pobres" e de "esmolas gerais", alimentar os inválidos, dar trabalho aos saudáveis, colocar as crianças em aprendizagem, expulsar os "malandros" e proibir a mendicância. Esse primeiro tipo de organização administrativa da caridade encontra sua expressão mais acabada numa lei inglesa de 1598, que permaneceu em vigor até 1834. Uma taxa estabelecida no nível paroquial devia fornecer os fundos de ajuda aos pobres. Os pobres idosos ou inválidos eram socorridos, os filhos dos ex-mendigos eram colocados como aprendizes.
Um aperfeiçoamento desse sistema consistiu em separar os mendigos do resto da sociedade, confinando-os. Tal solução foi descoberta simultaneamente no final do século XVI pelos papas da Reforma Católica e pelos magistrados das Províncias Unidas protestantes. Em Amsterdã, nessa época, surgiu uma Spinhuis ("casa onde se fia"), que alberga mendigos, prostitutas e esposas que os maridos internam por má conduta. Por outro lado, um Rasphuis impõe a seus pensionistas raspar pau-brasil: daí seu nome. Nessa instituição, o pobre que se recusasse a trabalhar era encerrado em um porão que se enchia lentamente de água. Ele só escapava do afogamento bombeando sem descanso. Esperava-se assim dar-lhe o gosto pelo trabalho.
A fórmula faz escola. Em 1614, em Lyon, na França, surgiu o primeiro asilo geral destinado ao encerramento dos pobres. Em 1621, Bruxelas é dotada de um Tuchthuys no qual os pobres fabricavam tecidos. Na Inglaterra, casas de correção, municipais ou de condado existiam desde o final do século XVI. Mas, um século depois, surgiram as workhouses, casas de trabalho municipais que têm sua instituição generalizada por um Act de Jorge I em 1722. Do mesmo modo, "casas de correção" para os "sem trabalho" foram abertas em Hamburgo (1620), em Basileia (1667), em Breslau (1668), em Frankfurt e em Spandau (1684), em Königsberg (1691). Ao longo do século XVIII, elas se multiplicaram no norte da Europa.
Os aspectos higiênicos, políticos e econômicos dessa luta contra a vagabundagem são evidentes: trata-se de sanear as cidades nelas diminuindo os vetores de contágio, de reduzir o bando dos amotinadores potenciais, de remediar o desemprego, de utilizar na produção e nas "obras públicas uma mão de obra disponível. Porém, mais ainda, trata-se de uma obra de alcance moral e religioso. A ociosidade dos preguiçosos e os pecados que se seguem chamam a cólera de Deus: ele arrisca-se a punir os Estados que os toleram. Para os ociosos voluntários a casa de detenção constitui, portanto, um justo e necessário "castigo"; e para todos os mendigos que ali estão reclusos ela é um meio de redenção.
Adaptado de DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente 1300-1800. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 607-621.