“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

O que eu [ainda] não sei de Lula

quinta-feira, 28 de março de 2013

"O segredo do demagogo é se fazer passar por tão estúpido quanto sua platéia, para que esta imagine ser tão esperta quanto ele." Karl Kraus (1874-1936)

Neste blog eu trato precipuamente de assuntos históricos, especialmente os relativos à Antiguidade Clássica. No entanto, é impossível não se interessar pela atualidade, sobretudo por tudo o que gira em torno da nossa liberdade e da democracia. Sobretudo vivendo em uma realidade atemporal: "O Brasil é o país em que o passado não passa nunca, o futuro nunca chega e o presente não se apresenta" (José Nêumanne Pinto).

Assim, um dos maiores intérpretes desse país exótico, surreal, é o Lula. Isso mesmo, o caesar tupiniquim. E quem interpreta essa figura é o grande jornalista e escritor José Nêumanne Pinto. Famoso por seus comentários lépidos no quadro "direto ao assunto", do SBT, Nêumanne desvenda o homem por detrás do mito: Lula é um personagem amoral, dotado de qualidades mas incapaz de constituir-se num estadista baseado em princípios inovadores sólidos. Como sintetizou o Estadão em 2011, quando o livro foi lançado:

[Lula] resistiu a participar do sindicato, foi contra a aliança de trabalhadores com estudantes, menosprezou o apoio da Igreja Católica, resistiu à campanha Diretas-Já, vetou a colaboração do PT com o governo Itamar Franco, boicotou a Constituinte de 1988, criticou o Plano Real e considerou "herança maldita" os avanços sociais de Fernando Henrique Cardoso, seu predecessor. Quem construiu esse perfil, antes de chegar à Presidência da República e deixar o poder, ao fim de oito anos de mandato, com mais de 80% de aprovação popular, só pode ser considerado um conservador e essa é a avaliação do jornalista José Nêumanne Pinto no livro O que eu sei de Lula (Topbooks, 522 pgs.), no qual chega a uma conclusão, no mínimo, surpreendente: "Lula nunca foi de esquerda."

In: Estadão

Uma das revelações mais surpreendentes de Nêumanne é que Lula não concordou que os brasileiros exilados retornassem ao país, após a anistia promulgada pelo regime militar. Eu recomendo a entrevista do jornalista que, a despeito do título do seu livro, não contou tudo o que sabe de Lula.

Assim, aos olhos de Nêumanne, por ter delatado colegas  de trabalho para ter vantagens pecuniárias e, enfim, por ter sido um amoral em tudo, Lula não pode ser considerado de esquerda. Essa análise, segundo Olavo de Carvalho, está equivocada. O "filósofo do conservadorismo" acusa Nêmanne de cair num cacoete mental muito comum entre os intelectuais brasileiros, qual seja, considerar que "ser de esquerda" é apenas ser "esquerdista puro". Nenhum grande representante da esquerda, começando por Karl Marx, foi um idealista "puro"; todos foram uns cínicos que procuraram sempre ter vantagens pessoais. Assista ao vídeo no qual Olavo expõe a sua crítica.

Por outro lado, se a sua interpretação nem sempre é correta, os fatos que Nêumanne apresenta ao público são interessantíssimos. E ainda mais notável é a sua explicação do sucesso de Lula: as pessoas se identificam com ele, mas não devido às suas supostas qualidades (simplicidade, ser um grande comunicador, ser um nordestino self-made man), mas graças aos seus defeitos (corrupção, amoralidade, malandragem, etc.). Lula sempre lucrou de seus reveses, como bem o mostra o episódio do mensalão.

Nêumanne considera o Lula o maior político brasileiro. Isso levou alguns a acharem que, por isso, ele exalta o "sapo barbudo". Todavia, não se trata disso. Pelo contrário. Como a política, o cinismo e a rapinagem são companheiros inseparáveis no Brasil, Nêumanne, na verdade, "detona" o Lula, que é um autêntico seguidor de Maquiavel (embora sem nunca o ter lido). O Lula é um completo sem escrúpulos, ponto. Portanto, Nêumanne teria enaltecido o Lula se o tivesse considerado o maior estadista do Brasil, o que evidentemente ele nunca foi e nunca será. É, no máximo, o maior político, no sentido "brasileiro" do termo, o que não é praticamente um xingamento.

Enfim, após ler tantos artigos e ver tantas entrevistas, só lamento ainda não ter lido o livro, cujo preço é salgado. Recentemente, contudo, ele passou a ser oferecido a um preço promocional, no site da Saraiva.    

«Os Intelectuais» e Paul Johnson

quinta-feira, 21 de março de 2013

Como já se tornou tradição neste blogue, de tempos em tempos surge uma sugestão de leitura. Desta vez, além da indicação, deixarei também a dica de uma entrevista com o autor, neste caso, o historiador e pintor (quem diria!), Paul Johnson (1928- ). Católico e admirador dos Estados Unidos, Johnson é para muitos "a voz da direita" nos meios acadêmicos internacionais. Conhecido por suas opiniões polêmicas e críticas contundentes à esquerda, em 1998 ele concedeu uma imperdível entrevista à revista Veja

Dez anos antes da entrevista, um dos livros de Johnson, Intellectuals, era publicado. Foi traduzido para o português. Incrível que um livro anti-esquerdista tenha sido traduzido em nosso país. Mais incrível ainda é que o tenha sido apenas dois anos após a sua publicação (isto é, em 1990), e neste caso temos que parabenizar a Imago pelo feito. Pode ter sido uma grande jogada comercial, visto que uma das maiores aberrações de todos os tempos, a URSS, dava os seus últimos suspiros. De qualquer forma, a editora merece o nosso apreço. 

Relativamente à entrevista, selecionei duas perguntas, a título de comentário ao próprio livro em questão, e ao tema que o cerca. Abaixo segue o link, e eu recomendo a leitura da entrevista na íntegra. 

Veja — Em seu livro Intelectuais, o senhor diz que a grande questão da vida intelectual é a posição a assumir diante do problema da violência. A violência pode ser moral e intelectualmente justificável?
Johnson — Nada me intriga mais na vida de pensadores renomados do que perceber que um grande número deles apoiou ou apóia a violência em diversas situações. O francês Jean-Paul Sartre, por exemplo, sustentava que a violência era tolerável em certas circunstâncias. Algumas das pessoas que seguiram seus ensinamentos foram ainda piores — basta pensar no grupo de intelectuais responsável pelos massacres no Cambodja, todos discípulos de Sartre. Outro caso de filósofo que deplorou a violência em certos casos e a endossou em outros foi o inglês Bertrand Russell. Ele chegou a sugerir um ataque nuclear preventivo contra a União Soviética. De minha parte, sigo um dos mandamentos da Igreja — "Não matarás". Acho, porém, que exista algo como a "guerra justa", no sentido descrito por Santo Tomás de Aquino no século XIII. Já a violência do dia-a-dia, que afeta a vida dos cidadãos, é um problema espinhoso. Combatê-la com a violência do Estado seria legítimo? A tão discutida pena de morte, por exemplo, é um desses casos sobre os quais pessoas de boa vontade, inteligência e educação terão sempre opiniões conflitantes.

(...)

Veja — O senhor não acredita que haja um legado de esquerda a ser explorado no presente?
Johnson — Não. Karl Marx foi um embusteiro intelectual que distorcia fatos. É claro que seu sistema não funcionou quando aplicado à União Soviética: estava todo embasado em falsidades. Seu único legado foi conduzir um país rico como a Rússia à pobreza. Não há qualidades redentoras, nenhuma que seja, no marxismo. Aqueles que discordarem de mim, que mostrem provas. Mostrem-me um regime que tenha empregado princípios marxistas e tenha melhorado a vida de seus cidadãos. Não há. Todos que enveredaram por esse caminho na Europa, América Latina, Ásia ou África falharam. Também não faço nenhuma distinção entre nazismo, comunismo e fascismo. Foram todos movimentos totalitários e radicais pertencentes à esquerda. Marx, afinal de contas, derivou todas as suas teorias de Hegel, assim como os nazistas. Todos os sistemas totalitários do século XX foram de esquerda: apenas na superfície pareceram pertencer à direita. Todos os sistemas radicais do século XX foram ruins segundo os mais retos padrões morais. São sistemas que não podem ser melhorados ou civilizados. É impossível um comunismo com face humana. O regime chinês não se humanizará. Com sorte, desaparecerá no tempo, e é tudo que podemos dizer. 

In: VEJA

(Leia outra entrevista de Johnson AQUI. Leia também um artigo sobre como Marx e o marxismo promovem a violência e o racismo; clique AQUI).