terça-feira, 26 de agosto de 2014
Para Péricles (c. 495-429 a.C.), o maior dos estadistas atenienses, aquele que não participava da vida de cidadão era um inútil. Posteriormente, Aristóteles (384-322 a.C.) dizia que o homem é um animal político.
No entanto, a cidadania
na Atenas de Péricles era bastante elitista – calcula-se que pouco mais de 10%
de sua população possuía o status de
cidadão; assim, era um privilégio, e não um mero direito, fazer parte da
espécie de “animal” referida por Aristóteles. De qualquer modo, os gregos
criaram dois conceitos fundamentais ao exercício da cidadania – “política”, que
é a arte de decidir através da discussão pública, e “democracia”, que é o
governo do povo.
A civilização romana absorveu tanto a
cultura helênica quanto (e, sobretudo) a cultura helenística, transmitindo sua
síntese ao Ocidente. Os ideais políticos gregos – incluindo os princípios da
democracia (como a isonomia) e da cidadania – chegaram até nós pelos latinos. A
grande contribuição dos romanos deu-se no âmbito do Direito, o qual
desenvolveram mais do que qualquer outro povo antigo. Um sistema jurídico bem
elaborado, outro pilar da vida civilizada, legado romano para os que se
preocupam com a vida em sociedade, jamais será subestimado.
A cidadania não acabou com o fim do
Mundo Clássico. Analisando por certo prisma, ela se desenvolveu, e ganhou
outros matizes. Na Antiguidade Tardia e na Idade Média, o Cristianismo promoveu
maior respeito e consideração por pobres, crianças, mulheres, órfãos, viúvas,
doentes e deficientes. Na Época Moderna, o Renascimento, o Humanismo, a Reforma
Protestante, a Revolução Inglesa e a Revolução Científica do século XVII contribuíram
cada uma a seu modo, para a valorização do indivíduo, da cultura e do
pensamento crítico. O amadurecimento da ideia de cidadania tal qual a
entendemos hoje seu deu no século XVIII, século
das Luzes, graças ao Iluminismo. Os intelectuais dessa época acreditavam na
felicidade como meta a ser alcançada pela coletividade. Eles herdaram e
desenvolveram o pensamento racional do século XVII, pensamento que serviu de
base para a idealização de uma sociedade justa e igualitária que teria leis e
Direito naturais, isto é, nascidos
com o próprio homem.
Impulsionada pelo Iluminismo, a Revolução Americana (1776) culminou com
uma Declaração de Independência. Seus
fundamentos foram a concretização de alguns dos ideais do século XVIII, como,
por exemplo, o direito à vida, à liberdade, à felicidade e a igualdade entre os
homens. Assim, os princípios mais caros à cidadania saíam dos livros dos
pensadores e entravam na pauta dos legisladores.
O clímax desse processo ocorreu
durante a Revolução Francesa
(1789-1799). Semanas após a queda da Bastilha, símbolo do repressivo Antigo
Regime francês, os deputados da recém-criada Assembleia Nacional Constituinte
redigiram um documento ousado. Era a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, que completa hoje 225 anos. Essa
Declaração foi proclamada antes mesmo que uma Constituição fosse elaborada para
a França, e se diferenciou da congênere americana por seu caráter universal. Sua
pretensão era a de alcançar toda a Humanidade, e não apenas sua Nação. Foi um
passo significativo para transformar o indivíduo comum em cidadão.
Vale a pena refletir sobre alguns
detalhes desse documento que, afinal, é de todos nós. Composta por 17 artigos,
a Declaração começa por estabelecer que “os homens nascem livres e permanecem
livres e iguais em direitos.” Tais direitos são naturais e imprescritíveis,
e consistem na liberdade, no direito à propriedade, na segurança e na
resistência à opressão.
Os direitos da Nação devem estar
sempre subordinados aos direitos do cidadão, uma vez que o Estado não é um fim
em si mesmo; seu objetivo maior é assegurar que os direitos civis sejam
usufruídos pelo cidadão. Em um ano eleitoral, esse é um lembrete importante aos
que pretendem conduzir os negócios de Estado.
Como se vê, a cidadania é uma ideia de longa maturação,
impulsionada nos últimos séculos pela Revolução Inglesa, pela Revolução
Industrial, pela Revolução Americana e pela Revolução Francesa. A Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, que fundamentou a Declaração
Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas, inaugurou uma nova época
e deve ser lembrada como um dos documentos mais importantes da Humanidade.
Publicado no jornal A Tribuna (26/08/2014).