Hitler desfila vitorioso pela França. Paris, 23 de junho de 1940.
Seja como for, nessa época [primeiros meses da Segunda Guerra Mundial] Hitler demonstrou grande percepção das possibilidades não convencionais, aumentada pela liberdade de julgamento inerente a seu espírito de autodidata. Dedicara-se longa e intensivamente à literatura militar técnica e profissional; durante toda a guerra, seus livros de cabeceira eram quase unicamente almanaques navais e manuais de ciência militar. Tinha estupenda memória para tudo o que se relacionava com teoria e história da guerra e amplo conhecimento dos detalhes técnicos militares; disso tirava ideias de intervenções eficientes; muitas vezes surpreendeu e irritou seu círculo pela segurança quase fantástica com que podia citar tonelagens, calibres, dimensões ou o material dos diversos sistemas de armamento. Mais ainda: era capaz de utilizar seus conhecimentos com uma espécie de fantasia; tinha um senso profundo das possibilidades de emprego e da eficácia das armas modernas, acompanhado de uma aguda intuição da psicologia do adversário - e todas essas faculdades se manifestavam por meio de efeitos de surpresa cuidadosamente preparados, uma notável previsão das respostas táticas, um faro quase sobrenatural do instante propício: dele partiu a ideia do golpe de mão contra o Forte Eben Emael, assim como a de colocar sirenes estridentes e assustadoras nos Stukas, ou equiparar os blindados com canhões longos e obuses, contra a opinião de inúmeros especialistas. Não sem razão se diz dele que era "um dos especialistas militares mais universalmente informados de seu tempo", e não há dúvida de que não era o "cabo em comando" de que fala uma parte de pretensiosos defensores dos generais alemães.
Pelo menos, ainda era esse o caso, nessa época em que ele tinha o monopólio da iniciativa. A situação mudou na hora da virada, quando suas fraquezas começaram a superar suas forças, incontestavelmente presentes, e quando sua audácia operacional não foi mais do que uma absurda superestimativa de suas faculdades; nesse momento, sua energia tornou-se teimosia e sua coragem não foi mais do que a manifestação de sua índole de jogador - mas essa reviravolta sobreveio bem mais tarde. E foram precisamente os generais - entre os quais primeiro aqueles que se tinham mostrado mais recalcitrantes - que, sob a impressão do brilhante sucesso obtido contra o temido adversário que era a França, terminaram por se render a seu "gênio". Reconheceram que as análises da situação feitas por Hitler eram bem superiores às suas próprias, porque não se baseavam unicamente em considerações militares, mas tinham em conta aquilo que ultrapassava o horizonte limitado dos especialistas; é aí que convém pesquisar uma das razões da confiança - de outra forma incompreensível - despertada constantemente pelas enganadoras garantias de vitória final, pelos castelos de cartas incessantemente reconstruídos nos anos posteriores. O triunfo da campanha da França trouxe a Hitler um novo acréscimo da autossatisfação já profunda e deu novo alento à consciência que ele tinha de ser chamado à mais alta das consagrações, a do campo de batalha.
FEST, Joachim C. Hitler. Tradução de Analúcia Teixeira Ribeiro [et. al.]. Rio de Janeiro: PocketOuro, 2010, p. 570-572.