“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Época Baixa Egípcia

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Psametek I (séc. VII a.C.), XXVI dinastia. Tumba de Pabasa, em Tebas.

A XXVI dinastia, e especificamente o reinado de Psametek I, marcaram o início da Época Baixa Egípcia (664-332 a.C.). Como Psametek I era um membro da casa real líbia de Sais, o período da XXVI dinastia também ficou conhecido como período saíta. Ele chegou ao poder durante a curta fase de domínio assírio no Delta. Após a evacuação das tropas assírias, ele reinou sobre o Baixo Egito em conjunto com outros príncipes locais, mas com o auxílio de mercenários gregos e cários tornou-se o governante único, e chegou mesmo a estender o seu poder ao Alto Egito. Necau, seu filho e herdeiro, prosseguiu com sua política e quis ir mais longe, conduzindo uma campanha que atingiu o rio Eufrates (por um momento fez recordar a fase expansionista do Império Novo ). Contudo, os tempos eram outros, e os adversários eram mais poderosos: em 605 a.C. o exército egípcio foi derrotado por Nabucodonosor, rei da Babilônia, em Karkemich (Carquemis, entre a Turquia e a Síria). 

O sucessor, o efêmero Psametek II, teria visitado a região da Palestina. Ele enviou contra a Núbia um exército composto por egípcios e por mercenários gregos e de outras origens, para atacar o rei de Napata, penetrando na Alta Núbia até à quarta catarata, e no seu regresso os mercenários gregos, cários e judeus deixaram vestígios da sua passagem em Abu Simbel. 

Em 525 a.C., alguns meses após a morte do reinado de mais de quarenta anos de Amásis, o exército persa, liderado por Cambises, conquistou sem dificuldades as fortalezas fronteiriças do Delta Oriental. Na sequência, entrou em Mênfis e destronou o seu filho Psametek III. Encerrava-se a XXVI dinastia, que bem procurou dinamizar o surto nacionalista e de arcaização surgido durante a XXV dinastia. Essa política de afirmação autóctone marcou sobretudo a arte. 

A XXVII dinastia, embora fosse de origem estrangeira, foi reconhecida por Maneton na sua lista, composta por soberanos da dinastia persa dos Aquemênidas. Estes reformaram a administração do Egito, codificaram leis, apoiaram a construção de templos e promoveram obras públicas, destacando-se a abertura de um canal para ligar o Mar Vermelho ao Mediterrâneo, projeto esse que já havia despertado o interesse de Necau e que só no século XIX se concretizou na abertura do Canal de Suez. 

Como uma satrapia do Império Persa, o Egito atravessou então as vicissitudes da época de confronto com a Grécia, recebendo desta ajuda para sustentar revoltas contra os ocupantes. Uma dessas revoltas eclodiu em 486 a.C., quando os príncipes egípcios e líbios tentaram conquistar Mênfis a partir do Delta Ocidental, mas Xerxes I, sucessor de Dario I, esmagou a tentativa. No reinado de Artaxerxes I, filho de Xerxes, o Egito revoltou-se de novo, e a Pérsia perdeu temporariamente o controle sobre o Delta. Ainda que Artaxerxes I tivesse algum sucesso na recuperação, a zona de Mareotis, onde mais tarde seria construída a cidade de Alexandria, permaneceu sob o domínio líbio. Nos reinados de Dario II e Artaxerxes II a situação continuou instável, até que Amirteus, fundador e único rei da XVIII dinastia, liderou uma revolta que expulsou os persas. A seguir, Neferités I, oriundo do Delta, deu início à XXIX dinastia. 

Hakor, que reinou reinou pouco tempo após Neferités I, empreendeu uma nova guerra contra os persas. Após o curto reinado de Neferités II, que acabou por ser deposto, o rei de Kuch ocupou parte do Alto Egito. A XXX dinastia começou em 373 a.C., quando Nectanebo I expulsou o exército aquemênida e deu início a inúmeros projetos de construção, continuados mais tarde, sob o domínio ptolemaico. Foi sucedido por seu filho Teos (Djedhor), que conduziu uma expedição tão ruinosa contra a Síria que o Egito se revoltou, levando ao trono o último faraó, Nectanebo II (Nakhthorheb). Ao longo do seu reinado de quase vinte anos, empenhou-se em atividades de construção e de restauro, mas os persas regressaram ao Egito em 343 a.C. e Artaxerxes III transformou-se de novo o Egito numa satrapia persa. Os pesados tributos e o saque das riquezas do país explicam o porquê de Alexandre, o Grande ter sido recebido pelos egípcios como libertador, em 332 a.C. A partir daí, o Egito só voltaria a ter um verdadeiro líder autóctone em 1952, quando Nasser se tornou presidente do país.   

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 103-107.

[Brasil Paralelo] Era Vargas

domingo, 22 de abril de 2018

«Churchill», de Martin Gilbert

sábado, 21 de abril de 2018

Aquela que talvez seja a melhor biografia de Winston Leonard Spencer-Churchill (1874-1965), um dos maiores estadistas de todos os tempos, está disponível aos leitores lusófonos. As fontes da pesquisa foram, dentre outras, o enorme arquivo pessoal de Churchill, os documentos de sua esposa, Clementine, e o arquivo governamental dos dois mandatos de Churchill como primeiro-ministro do Reino Unido. 

O responsável por apreciar essa vasta documentação foi Martin Gilbert, biógrafo oficial de Churchill e proeminente historiador britânico, falecido em 2015. Gilbert também escreveu uma magistral história da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), além de uma História do Século XX. Sua escrita ágil e agradável, que conjuga abundante informação factual com análises e atenção às "pessoas comuns", o colocam como uma referência no que diz respeito à historiografia contemporânea.

Assista: O Homem que Salvou o Mundo Livre 

A biografia Churchill - Uma Vida (Casa da Palavra, 2016) é composta por dois volumes. 

Confira aqui o Volume 1

Confira aqui o Volume 2.

Lembro que não tenho qualquer interesse pecuniário em compartilhar essa obra, e este blog não é monetizado.

Cesareia, base romana na Terra Santa

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Vista aérea das ruínas de Cesareia Marítima.

Cesareia foi construída por Herodes, o Grande, entre 25 e 13 a.C. Seu nome  era uma homenagem a César Augusto, e o centro urbano havia sido planejado para servir como sede do governo da província romana da Judeia. A residência oficial dos reis herodianos e dos procuradores romanos ficava ali. Estabelecer uma ponte segura com os romanos era uma questão vital para Herodes. Sua estratégia sutil de diplomacia tinha dois propósitos simultâneos: 1º) servir a Augusto, cujas legiões orientais o mantinham no poder e 2º) conciliar os judeus, seus súditos turbulentos e rancorosos. 

Como no ponto do litoral da Palestina onde foi fundada Cesareia quase não havia reentrâncias que possibilitasse a construção de um porto, Herodes ordenou que fosse construído um artificialmente ali. Imensas pilhas de pedras foram levadas até o fundo do mar, de modo que foi criada uma barreira de 60 metros de largura para proporcionar proteção completa das tempestades mediterrânicas. Acima do píer, a torre era usada pelos marinheiros enquanto seus navios estavam aportados. Sua localização na rota principal das caravanas entre Tiro e o Egito a transformava em um centro de comércio interno também. 

Além de tudo isso, Cesareia também servia como centro de exibição da cultura romana. São testemunhos disso um anfiteatro e um templo, ambos enormes e dedicados a César e a Roma e com grandes estátuas do imperador. À época do Novo Testamento, Cesareia era uma cidade mista, com população formada por judeus e gentios. Nos primeiros tempos do cristianismo, ela abrigou o diácono Filipe, que fixou residência ali (cf. At 21:8), bem como Cornélio, o centurião a quem Pedro converteu (cf. At 10:1, 24; 11:11). Depois de fugir dos inimigos judeus em Damasco, Paulo partiu para Cesareia a caminho de Tarso (At 9:30), e a cidade foi seu porto de chegada ao voltar da segunda e terceira viagens missionárias (At 18:22). Além disso, Paulo foi julgado por Félix em Cesareia, onde ficou preso por dois anos (cf. At 21:8). Sua defesa perante Festo e Agripa também ocorreu nessa cidade fortificada, e de seu porto ele partiu para Roma (At 25:11).  

Bibliografia consultada: EDWARDS, Rex D. De Tarso a Roma - a jornada do apóstolo da fé. Tradução de Cecília Eller Nascimento. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2017, p. 89-90.

O Mundo do Apóstolo Paulo

terça-feira, 17 de abril de 2018

"Durante seu ministério, Paulo sempre amou as cidades. Ao passo que Jesus evitava Jerusalém e gostava de ensinar ao pé dos montes ou na praia, Paulo estava sempre indo de uma grande cidade para outra. Antioquia, Éfeso, Atenas, Corinto, Roma - as capitais do mundo antigo - eram o cenário de sua atuação. As palavras de Jesus cheiravam ao campo e se enchiam de imagens de sua beleza tranquila - os lírios do campo, os pescadores puxando a rede. Já o vocabulário de Paulo é impregnado pela atmosfera urbana, com o ruído e a pressa das ruas: o soldado com armadura completa, o atleta na arena, a construção de casas e templos, a procissão triunfal do general vitorioso." EDWARDS, Rex D. De Tarso a Roma - a jornada do apóstolo da fé. Tradução de Cecília Eller Nascimento. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, 2017, p. 10.

Uma introdução ao mundo do apóstolo Paulo não poderia começar melhor. O homem que escreveu quase a metade do Novo Testamento, o fariseu intelectual, mestre da lei, teólogo e, finalmente, o apóstolo dos gentios, já foi apresentado como a mais perfeita imitação de Jesus de Nazaré. A partir da citação acima, nota-se também o quanto eles são personagens complementares na história do cristianismo. 

Tarso, na Cilícia, a cidade natal de Saulo (como Paulo era chamado antes da conversão ao cristianismo) era uma cidade fenícia. "Helenística em sua atitude, embora oriental nas emoções", a cidade era o centro de uma grande rota comercial. Apesar de ter orgulho de seu local de nascimento, Saulo era um estrangeiro na terra em que nasceu. Provavelmente, o pai de Saulo não deixou a Palestina antes do nascimento do filho (cf. Fp 3:5). 
Paulo era familiarizado com a literatura grega e, talvez, tenha frequentado a Universidade de Tarso. Sua referência intelectual mais marcante, no entanto, foi sua cultura ancestral. Quando ele possuía 13 anos de idade, foi mandado para Jerusalém, o centro de formação rabínica judaica. Ele pode ter chegado ali no mesmo ano em que Jesus de Nazaré a visitou pela primeira vez, aos 12 anos. 

Á época, Gamaliel, um professor extremamente notável, dirigia a faculdade de Jerusalém. Paulo afirma ter sido educado por ele, o que certamente contribuiu para que ele tivesse as portas das sinagogas abertas por onde ele passou, nas longas viagens de seu ministério. Mas, apesar de ter sido educado em Jerusalém, Saulo ficou distante de Jerusalém e da Palestina durante os anos do ministério de João Batista e de Jesus. 

O Império Romano (ou Greco-Romano, como definiu Paul Veyne) era o mundo do apóstolo Paulo. Como cidadão romano, ele soube usar as vantagens da cidadania a seu favor. A bacia mediterrânea vivia então a "plenitude dos tempos", com uma vasta rede de estradas que interligava todo o império, governo estável, leis que garantiam a paz e a ordem, além de prosperidade econômica e cultural. O contexto ideal para que o "apóstolo dos gentios" espalhasse as boas-novas do evangelho.        

As Origens da Civilização Egípcia

segunda-feira, 16 de abril de 2018

Pirâmide de Djoser, construída durante o século XXVII a.C. Está na necrópole de Saqqara, a nordeste da cidade de Mênfis.

O longo período do Paleolítico egípcio foi apenas uma faceta regional dessa remota fase da história humana. Foi nessa extensa fase pré-histórica que se formaram as bases da futura civilização egípcia, desde o período paleolítico até às dinâmicas sociedades de caçadores do período mesolítico que usavam arco e flecha e que nos deixaram pinturas nas rochas dos desertos limítrofes. 

O Neolítico no Egito se estendeu de c. 6 mil a.C. a 4500 a.C. Esse período se iniciou com com suas inovações na agricultura cerealífera, na plantação e na tecelagem do linho, além do aparecimento da cerâmica. Em relação à Época Pré-Dinástica (c. 4500 a.C. - 3 mil a.C.), são incontáveis os objetos que até hoje são encontrados - muitos instrumentos de cobre e de pedra, paletas geométricas, vasos de pedra, os indícios das primeiras construções, dentre outros. 

Chama-se Época Arcaica (c. 3 mil a.C. - 2660 a.C.) a fase da história do antigo Egito relativa às duas primeiras dinastias (o período também é chamado de Época Tinita). A I dinastia começou com a unificação das Duas Terras (o Alto e o Baixo Egito), atribuída ao rei Menés (identificado com Narmer e com Aha). Menés escolheu Mênfis como residência real. Um dos acontecimentos marcantes desse período nebuloso foi a fundação dessa cidade, situada entre Abusir e Saqqara, zona tumular onde foram encontradas muitas mastabas da I dinastia. 

A monarquia faraônica encontrou grande estabilidade desde os seus primórdios. A consolidação de um reino unificado, ainda que sempre mantendo um aspecto dual de equilíbrio e complementaridade, foi bem garantida com o desenvolvimento de um sistema administrativo centralizado e eficaz e do estabelecimento de uma tradição de cunho religioso que considerava o monarca um ser divino, a garantia de existência de um Egito unido. Esta visão continuou a dominar o pensamento da elite egípcia, mesmo em momentos de crise. 

O desenvolvimento de uma sociedade complexa no Egito na fase final proto-histórica, e na Época Arcaica, foi encorajado pela proximidade dos proveitosos recursos minerais do deserto oriental na parte sul do Alto Egito. O ouro tornou-se um produto de troca precioso no comércio com o estrangeiro e, ao longo da história egípcia, uma das imagens mais sugestivas para evocar a riqueza e a abundância de recursos do país das Duas Terras. Isso pode ter constituído um passo decisivo e importante para a transformação das primitivas comunidades rurais em centros econômicos e políticos.   

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 77-80.

Um Panorama da Civilização Fenícia

domingo, 15 de abril de 2018

Reconstituição de um porto fenício.

Até o surgimento da arqueologia, em meados do séculos XIX, nosso conhecimento sobre os fenícios estava fadado a ser falseado: a literatura fenícia desapareceu totalmente e as referências escritas de judeus, gregos e romanos nem sempre são amigáveis. Contudo, com o surgimento da arqueologia, a realidade não mudou muito. Isso porque, dentre os principais povos da Antiguidade, os fenícios são, talvez, os menos favorecidos pela arqueologia. Não sabemos, por exemplo, o que eles pensavam de suas relações com outros povos. 

Precisamos reconhecer que, em muitos assuntos dos fenícios, nossa ignorância é total. Apesar disso, temos uma visão geral suficientemente clara de sua civilização: os fenícios foram os maiores exploradores da Antiguidade e os maiores colonizadores ao lado dos gregos; foram também grandes comerciantes de matérias-primas e manufaturados. Além disso, destacaram-se como combatentes valorosos - comprovam-no a longa e extenuante luta contra Roma, a tenaz resistência de Tiro e Sídon perante vários conquistadores, bem como os serviços armados prestados à Pérsia. Finalmente, a maior contribuição da civilização fenícia à posteridade foi o alfabeto fonético (composto por 22 consoantes). 

Na Bíblia, os povos que na Idade do Bronze ocupavam a faixa costeira situada entre o Levante desde Tartus até ao sul do Monte Carmelo, e a correspondente zona interior, eram denominados cananeus. Estes não eram autóctones, mas sua origem e a data em que chegaram à região são difíceis de determinar. Já no 4º milênio a.C. a população do Levante encontrava-se profundamente miscigenada. 

O nome "fenícios" parece ter sido dado a todos os cananeus pelos gregos micênios. Homero foi o primeiro a registrar o termo (phoenix, no singlular; phoenikes, no plural). Inicialmente, o termo "fenícios" parece significar vermelho escuro, púrpura ou castanho, uma referência à pele bronzeada dos cananeus. Posteriormente, o termo se limitou aos independentes da faixa costeira. 

A história dos cananeus começou por volta da última metade do segundo milênio a.C., quando os fenícios se diferenciaram da massa dos cananeus. Seu apogeu se deu no início do primeiro milênio a.C., quando os fenícios estenderam sua influência (com o comércio) e sua potência (com a colonização) progressivamente pelo Mediterrâneo e até além. Com exceção de Chipre, em todos os territórios nos quais os fenícios se instalaram os povos eram de origem muito origem muito diferente. Isso facilitou a distinção entre o nativo e o fenício. 

O fim da história da civilização fenícia se deu entre os séculos IV e II a.C. Em agosto de 332 a.C., após um desgastante cerco iniciado em novembro do ano anterior, Alexandre Magno conquistou Tiro; consequentemente, a Fenícia a leste passou ao mundo helenístico. Mais tarde, ao final da Terceira Guerra Púnica, Roma arrasou Cartago, fazendo com que a Fenícia a oeste passasse a integrar o mundo romano. 

Bibliografia consultada: HARDEN, Donald. Os Fenícios. Tradução de Gustavo Anjos Ferreira. Lisboa: Verbo: 1968, p. 17-22.  

Egito e Núbia

sábado, 7 de abril de 2018

Escravos núbios, Grande Templo de Abul-Simbel (séc. XIII a.C.), Egito. Na iconografia egípcia, os núbios eram representados com a pele mais escura do que a dos egípcios.

À época do Egito faraônico, a Núbia era a região que separava esse país da África subsaariana. Atualmente, o antigo território núbio encontra-se dividido entre o Egito e o Sudão. As relações entre o Egito e a Núbia começaram muito cedo e foram intensas. Já no Império Antigo (c. 2660 a.C. - 2180 a.C.) foram promovidas na Núbia várias expedições comerciais ou punitivas sob o comando de governadores de Elefantina. Assim, podemos resumir as transações entre o Egito e a Núbia nos seguintes termos:

"Da Núbia o país das Duas Terras [o Egito] obtinha metais, a começar pelo ouro, boas madeiras, como o ébano, pedras semipreciosas, marfim, peles de leopardo, penas e ovos de avestruz e diversos animais exóticos, como as girafas e os macacos, que eram trocados por produtos egípcios de que os núbios muito careciam, tendo estes, com o tempo, adotado usos e costumes egípcios e, a certa altura, a religião, e ainda, para as classes mais elevadas, a língua e a escrita." ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 33.

Além desses vários produtos, contingentes militares núbios eram requisitados pelo exército egípcio, no qual prestaram bons serviços quando foram arrolados como tropas auxiliares. Além disso, os núbios também atuaram como força de polícia para manter a ordem internamente. Nada disso evitou que, ao final do Império Antigo, o Egito fosse mergulhado numa crise de governabilidade que caracterizou o Primeiro Período Intermediário (c. 2180 a.C. - 2040 a.C.).  

No Império Médio (c. 2040 a.C. - 1765 a.C.), os faraós orientaram uma política de ocupação do território, o que implicou a construção de fortalezas e vários templos (forma habitual de impor a presença egípcia). Sobre as construções religiosas, o destaque vai para os grandes templos rupestres de Abu Simbel feitos para Ramsés II (reinou entre 1279 a.C. e 1213 a.C.) e Nefertari (viveu entre 1254 a.C. e 1290 a.C.). Para fins de ocupação e exploração, a Núbia foi dividida em Baixa Núbia (Uauat) e Alta Núbia (Kuch). Após o Império Médio, houve o Segundo Período Intermediário (c. 1765 a.C. - 1550 a.C.). 

No Império Novo (c. 1550 a.C. - 1070 a.C.), as fortalezas egípcias na Núbia passaram a ter uma função mais simbólica do que defensiva, mantendo, todavia, a sua importância estratégica como polos comerciais. 

Embora seja inquestionável que o poder do Egito sobre a Núbia tenha sido preponderante, o inverso também aconteceu. Por exemplo, no Terceiro Período Intermediário (c. 1070 - 664 a.C.), o rei núbio Kashta (770 a.C. - 750 a.C.) fundou a 25ª dinastia egípcia (770 a.C. - 657 a.C.). Taharka (690 a.C. - 664 a.C.), o terceiro faraó etíope, foi mencionado na Bíblia (Isaías 37:9). Apesar da origem núbia, esses reis eram perfeitamente egipcianizados e invadiram o Egito para combater os reis das dinastias líbias que então governavam o país dos faraós. É sintomático que tomaram essa iniciativa em nome do deus Amon e de Maet com a intenção de lá repor a ordem, a maet

A Geografia do Egito Antigo

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Embora o Egito possua uma área de mais de 1 milhão de quilômetros quadrados, tendo o rio Nilo como seu eixo fundamental, apenas 4% da sua superfície total é habitável. O clima é quente e seco, com 20 a 100 mm de chuva por ano. Os imensos desertos limítrofes, por entre os quais o grande rio serpenteia, surgiram por volta do final da Pré-História. Face a isso, 

"Foi da aliança entre a água e o homem que veio a nascer a civilização faraônica, que é, antes de mais, uma civilização agrária. Aliás, se foi o rio Nilo que determinou o tipo de vida dos antigos egípcios, com base precípua na agricultura, também era esta que marcava o ritmo do tempo, porque o ano egípcio estava dividido em três estações de quatro meses cada. A primeira estação (Akhet) abrangia a subida, a inundação e o início duma fase de descida das águas, que alguns designam por inverno, depois vinha a segunda estação (Peret), a estação das sementeiras, e uma terceira (Chemu), a estação das colheitas." ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 18.

Ao longo da sua História, o Egito desenvolveu instituições, religião e cultura bem originais. Em grande medida, sua geografia contribuiu para tal. Ao contrário da Mesopotâmia, "a passarela dos povos", o território egípcio não possui barreiras naturais e, portanto, sofreu relativamente poucas invasões estrangeiras. Assim, sofreu reduzida influência de outros povos (até porque, as fartas colheitas, somadas às dificuldades de contato com outros povos, levou os egípcios a se aproximarem da autossuficiência em termos econômicos). Do ponto de vista geopolítico, o Egito estava ligado ao Oriente Médio, ainda que esteja localizado no Nordeste da África. 

A ocidente, o Egito tinha fronteiras naturais com o deserto líbio; a oriente, estava isolado pelo deserto arábico. No Delta, ao Norte, os terrenos pantanosos e alagadiços eram igualmente uma fronteira natural; no Sul, a zona da primeira catarata era considerada a fronteira com a Núbia, vigiada pelos governadores de Elefantina, capital da primeira província do Alto Egito.

Revisão: Antiguidade Oriental

quarta-feira, 4 de abril de 2018


Por "Antiguidade Oriental" nós comumente consideramos os povos do Egito, da Mesopotâmia, de Canaã (notadamente fenícios e hebreus), da Índia e da China. Clique no mapa abaixo para identificar os povos que ocuparam a Mesopotâmia em diferentes épocas:
A tabela que se segue refere-se a algumas das principais civilizações da Antiguidade Oriental. Tente substituir os algarismos romanos (I, II, III e IV) pelas civilizações correspondentes:
Caso não as tenha conseguido identificar, eis o gabarito: 

I - Civilização egípcia
II - Civilização fenícia
III - Civilização medo-persa
IV - Civilização dos hebreus 

Há outros dados sobre essas civilizações que são dignos de nota. Na impossibilidade de abordá-los todos neste post, vou chamar a atenção para alguns. O primeiro deles é no Egito e na Mesopotâmia se desenvolveram civilizações hidráulicas (que dependiam de grandes rios - o Nilo, o Tigre e o Eufrates). Os rios eram fundamentais para a irrigação, para a fertilização das áreas cultiváveis (por levarem, junto com suas enchentes, o húmus), para a pesca (embora os egípcios, por razões religiosas, tivessem algumas restrições em relação a ela) e para o transporte de mercadorias e de pessoas. 

Em relação à religião egípcia, cumpre ainda destacar que ela dava grande importância à imortalidade da alma (o que explica a construção de pirâmides e prática da mumificação). O deus Sol, Rá, acabou aglutinado ao deus Amon. No século XIV a.C., o faraó Amenófis IV (que mudou seu próprio nome para Aquenáton) estabeleceu uma monolatria ao promover a adoração ao deus Áton.

Sobre a civilização medo-persa, cuja religião era dualista (o deus do bem, Ahura Mazda, lutava contra o deus do mal, Ahriman) é importante revisar a importância do rei Ciro, o Grande

Sobre os fenícios (inventores do alfabeto fonético) e os hebreus, revise o intercâmbio político e cultural durante as fases do Reino Unido e do Reino de Israel (a partir de 1050 a.C.). A fase do Reino de Israel, de modo especial, foi marcada por uma crise de identidade cultural e religiosa, e os israelitas acabaram absorvendo elementos da religião cananeia, como o culto a Baal.

Revolta da Chibata (1910)

domingo, 1 de abril de 2018

Capa da revista Careta, edição nº 132, de 10 de dezembro de 1910. Biblioteca Nacional. Os marinheiros brancos batendo continência a um oficial negro e a legenda "Disciplina do Futuro" constituem uma crítica ao protagonismo dos negros na Revolta da Chibata.

A maior revolta ocorrida na Marinha durante a Primeira República foi a Revolta da Chibata, iniciada em 22 de novembro de 1910. Os protagonistas do movimento foram marinheiros, quase todos negros e mulatos, recrutados entre as camadas mais pobres da população. Os revoltosos não pretendiam derrubar o recém-iniciado governo do marechal Hermes da Fonseca (15 de novembro de 1910 - 15 de novembro de 1914), e sim acabar com os maus-tratos e violência dos castigos físicos a que eram submetidos. 

O motim começou quase em simultâneo em vários navios de guerra fundeados na Guanabara, com a morte de surpresa de vários oficiais. Um de seus principais líderes era o marinheiro João Cândido (representado na capa da revista acima). Sob ameaça da esquadra revoltada, o Congresso decretou uma anistia se os revoltosos se submetessem às autoridades, estabelecendo-se um compromisso de acabar com a chibata como castigo físico constante do regimento disciplinar da Marinha. Os rebelados aceitaram as condições e o motim se encerrou. Entretanto, logo depois explodiu outra revolta, desta vez de fuzileiros navais. 

Essa revolta foi seguida de intensa repressão, que atingiu João Cândido e outros líderes da Revolta da Chibata. Um "navio da morte" - o Satélite - saiu do Rio de Janeiro com destino à Amazônia, levando marinheiros revoltados, ladrões, exploradores de mulheres e prostitutas. Muitos morreram durante a viagem ou foram fuzilados. Os envolvidos na Revolta da Chibata foram julgados sob a alegação de envolvimento no episódio dos fuzileiros navais. Por fim, acabaram absolvidos, após passarem 18 meses na prisão, onde sofreram violência física e permaneceram incomunicáveis. 

João Cândido, banido da Marinha, passou por grandes dificuldades financeiras. Em 1933, se juntaria à Ação Integralista Brasileira (AIB), chegando a ser líder do núcleo integralista da Gamboa, bairro do Rio de Janeiro. Morreu pobre e esquecido, em 1969. Em 1975, o artista João Bosco o imortalizaria na letra de Almirante Negro.  

Bibliografia consultada: FAUSTO, Boris. História do Brasil. Colaboração de Sérgio Fausto. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013, p. 267-268.