Jean-François Revel publicou, em 1985, um livro intitulado How Democracies Perish ["Como as democracias perecem"]. Trata-se de um contundente alerta às democracias ocidentais - o comunismo pode destruí-las.
Em tom pessimista, o autor inicia sua análise lembrando que a democracia pode, talvez, mostrar-se um acidente histórico, um breve parêntese que está se fechando diante de nossos olhos. As democracias não estariam estruturadas para se defender de inimigos externos que buscavam sua aniquilação, especialmente o comunismo. Essas democracias só reagem frente ao perigo quando ele se mostra fatal, iminente e evidente. Mas aí resta pouco tempo para salvá-las, ou então o custo desse resgate se mostra elevado demais.
Essa fraqueza da democracia vem de uma de suas qualidades: ela permite aos inimigos totalitários uma oportunidade única de agir contra ela na legalidade. Às vezes chegam até a receber apoio declarado sem que tal relação seja vista como um rompimento do contrato social. Podemos pensar em partidos comunistas recebendo verbas públicas, espaço de propaganda na tv, etc., tudo isso para conspirar contra a própria democracia, que consideram uma "farsa burguesa".
O totalitarismo é, por definição, um inimigo subversivo. Entretanto, a democracia trata subversivos como meros oponentes por medo de trair seus princípios. E, para piorar, aqueles que visam destruir a democracia são vistos como pessoas e grupos que lutam por metas legítimas, enquanto seus defensores acabam rotulados de reacionários opressores. É quase um plano de ataque perfeito.
No mais, a democracia convida naturalmente à crítica, enquanto a combinação de forças dos inimigos totalitários no intento de extinguir a democracia pode ser mais poderosa do que as forças de quem luta para mantê-la viva. A democracia não costuma receber crédito por suas conquistas e benefícios, enquanto paga um enorme preço por todas as suas falhas e seus fracassos, suas imperfeições e seus erros.
Pela primeira vez na história, as democracias chegam a se culpar por conta de outras forças externas trabalhando para arruiná-las. Isso é um erro - as democracias não deveriam se culpar por pecados que não cometeram - e pode levar a uma perda de autoconfiança. Os defensores da democracia para de acreditar que podem sobreviver, porque a crise interna seria tanto insolúvel quanto intolerável. Ou, então, a ameaça externa seria tão poderosa que a civilização só poderia escolher entre servidão ou suicídio.
Revel temia que os democratas acabassem por tentar comprar o apoio dos totalitários em vez de enfrentá-los. Ajuda financeira, uma espécie de resgate pago ao sequestrador, seria o caminho para levar tais países sob o regime comunista rumo à liberdade.
Pequenos fatores de desconforto já podem perturbar democracias, mais rápido do que uma forme horrenda ou constante pobreza podem abalar regimes comunistas. Não é a estagnação que alimenta a revolução, segundo Revel, mas o progresso, pois cria a riqueza que torna a revolução viável. Quando defrontados com a ameaça da subversão, muitos democratas preferem ignorá-la. Repetem que é fobia ou histeria esse tipo de alerta feito pela direita, e chamam de conspiração aquilo que, em uma observação fria e ponderada, é um plano metódico, paciente e incansável de avanço e domínio por parte dos regimes totalitários.
A democracia, na defensiva contra a ofensiva totalitária, não ousa admitir que já está na batalha. E o medo de conhecer a verdade leva ao medo de chamar as coisas por seus nomes. Daí a falta de clareza moral, os eufemismos, as ironias contra quem enxerga com clareza o que está em jogo. "Comunistas vão te pegar", brincam. "Islamofobia", repetem aqueles que acreditam que os inimigos vão se tornar amigos se as democracias cessarem as críticas aos fanáticos.
A esperança é que as democracias consigam evitar tanto a guerra como a escravidão, o que de fato aconteceu, até aqui. O Império Soviético ruiu, em boa parte graças ao trio Reagan, Thatcher e João Paulo II, que exibiram clareza moral e firmeza no combate ao inimigo, enquanto muitos democratas, horrorizados, achavam que essa postura levaria ao caos. Por outro lado, a ameaça sino-comunista permanece, e os mesmos que acusam a direita de representar um perigo mortal à democracia defendem que, por pragmatismo, não se critique o regime chinês. Afinal, a China seria um grande parceiro comercial. Como se vê, as democracias ocidentais correm perigo, de fato; porém, uma vez mais, ele vem da esquerda, e não da direita.
Adaptado de CONSTANTINO, Rodrigo. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Faro Editorial, 2021, p. 333-337.