“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A China e o Enigma do Século

sábado, 31 de dezembro de 2022

 

Shenzhen, China: no gigante asiático, o "enigma do século" foi resolvido com o mercado, e não com ideologias.

Em uma conferência do Fórum Mundial sobre Estudos Chineses ocorrida em Xangai na sequência das Olimpíadas, Zheng Bijian, autor do conceito de "ascensão pacífica", afirmou a um repórter ocidental que a China finalmente superara o legado da Guerra do Ópio e o século de lutas contra a intromissão estrangeira, e que agora estava engajada em um processo histórico de renovação nacional. As reformas iniciadas por Deng Xiaoping, disse Zheng, haviam permitido à China solucionar o "enigma do século", desenvolvendo-se rapidamente e tirando milhões da pobreza. Conforme emergia como uma grande potência, a China contaria com a atração exercida por seu modelo de desenvolvimento, e relações com outros países seriam "abertas, não exclusivas e harmoniosas", visando "abrir mutuamente o caminho para o desenvolvimento mundial".

KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 482.

Renda Familiar Média nos EUA

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

 

Estilos de Cabelo Feminino em Bizâncio

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

 

Mao e a Destruição Mútua Assegurada

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

 

Caricatura de Mao Zedong por Herb Block, 1º de abril de 1965, publicada no Washington Post.  

Mao Zedong interpretava a dependência norte-americana da Destruição Mútua Assegurada como um reflexo da falta de confiança em suas próprias forças armadas. Isso foi tema de um diálogo em 1975, em que Mao penetrou no cerne de nosso dilema da Guerra Fria: "Vocês confiam, vocês acreditam nas armas nucleares. Vocês não confiam em seus próprios exércitos."

E quanto à China, exposta a ameaça nuclear sem ter, por algum tempo, meios adequados de retaliação? A resposta de Mao era de que isso criaria uma narrativa baseada na performance histórica e paciência bíblica. Nenhuma outra sociedade podia imaginar que ela seria capaz de conquistar uma política de segurança digna de crédito mediante uma disposição a prevalecer após a morte de centenas de milhões e a devastação ou ocupação da maioria de suas cidades. Só essa disparidade de ponto de vista já definia a brecha existente entre os conceitos ocidental e chinês de segurança. A história chinesa era um testemunho da capacidade de superar destruições inconcebíveis em qualquer outro lugar e, no fim, prevalecer pela imposição de sua cultura ou sua vastidão sobre o pretenso conquistador. Essa fé no próprio povo e na própria cultura era o lado reverso das reflexões por vezes misantrópicas de sua performance cotidiana. Não era apenas o fato de haver tantos chineses; era também a tenacidade de sua cultura e a coesão de seus relacionamentos.

Mas os líderes ocidentais, mais sintonizados e responsáveis para com suas populações, não estavam preparados para ofertá-las de uma maneira tão categórica (embora o fizessem indiretamente, mediante sua doutrina estratégica). Para eles, a guerra nuclear tinha de ser um último recurso demonstrado, não um procedimento operacional padrão.

A China não partilhava da visão estratégica norte-americana das armas nucleares, muito menos de sua doutrina de segurança coletiva; ela aplicava a máxima de "usar bárbaros contra bárbaros" a fim de obter uma periferia dividida. O pesadelo histórico chinês havia sido de que os bárbaros se recusariam a ser "usados" dessa maneira, se uniriam e então usariam a força superior para ou conquistar a China completamente ou dividi-la em feudos separados. Da perspectiva chinesa, esse pesadelo nunca desapareceu plenamente, travada como a China estava em uma relação antagônica com União Soviética e Índia e não sem suas próprias suspeitas quanto aos Estados Unidos.

Adaptado de KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 285-87.

Mao, Khrushchev e Nixon

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

 

Mao Zedong e Nikita Khrushchev, em agosto de 1958.

Em 1958, o ditador soviético Nikita Khrushchev fez uma calamitosa visita a Pequim. Na ocasião, houve um rol aparentemente interminável de queixas de parte a parte entre os mandatários das duas maiores potências socialistas do mundo. Mao Zedong, de forma especial, induziu Khrushchev a dar declarações cada vez mais absurdas e humilhantes a fim de, provavelmente, demonstrar aos quadros chineses a inconfiabilidade do líder que presumivelmente desafiara a imagem de Stalin.

Mao também buscou a oportunidade de comunicar a profundidade da conduta opressiva de Moscou anteriormente. Mao se queixou do comportamento condescendente de Stalin durante sua visita a Mosco no inverno de 1949-50:

Mao: [...] Após a vitória de nossa Revolução, Stalin teve dúvidas sobre o caráter dela. Ele acreditava que a China era outra Iugoslávia.

Khrushchev: Sim, ele considerava isso possível.

Mao: Quando estive em Moscou [dezembro de 1949], ele não quis concluir um tratado de amizade conosco e não quis anular o antigo tratado com o Kuomintang. Lembro que [o intérprete soviético Nikolai] Fedorenko e [o emissário de Stalin para a República Popular, Ivan] Kovalev me transmitiram o conselho [de Stalin] de empreender uma viagem pelo país para dar uma olhada. Mas eu disse a eles, tenho apenas três tarefas: comer, dormir e cagar. Não vim a Moscou apenas para dar os parabéns a Stalin por seu aniversário. Então eu disse, se vocês não estão interessados em concluir um tratado de amizade, que seja. Vou cuidar das minhas três tarefas.

Em fevereiro de 1972, era a vez do representante maior do mundo livre, Richard Nixon, visitar a nação asiática. Na visita histórica, Mao frisou sua boa vontade pessoal em relação ao presidente americano. Ele afirmava que preferia lidar com governantes de direita, alegando que eram mais confiáveis. O autor do Grande Salto Adiante e da Campanha Antidireitista fez, então, o comentário espantoso de que "votara" em Nixon, e que ficava "relativamente feliz quando essas pessoas de direita chegam ao poder" (pelo menos no Ocidente). "Gosto de direitistas", assinalou o Grande Timoneiro, Mao Zedong. 

Adaptado de KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 175-76 e 260-61.

«A Sociedade de Corte», de N. Elias

segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

 

Baixe essa obra gratuitamente aqui.

A Política Externa de Mao Zedong

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

 

Quando o Partido Comunista triunfou na Revolução Chinesa, em 1949, regiões substanciais do Império Chinês histórico haviam sido perdidas. A União Soviética mantinha uma esfera de influência no nordeste, incluindo uma força de ocupação e uma frota no porto de Lushun. Em relação aos territórios que Mao Zedong considerava parte da China histórica, ele foi implacável, buscando impor a autoridade chinesa e em geral foi bem-sucedido. Tais territórios incluíam Taiwan, Tibete, Xinjiang e regiões fronteiriças nos Himalaias ou ao norte.

Assim, tão logo a guerra civil terminou, Mao passou a reocupar regiões separatistas como Xinjiang, Mongólia Interior e, finalmente, o Tibete. Nesse contexto, Taiwan era menos um teste para a ideologia comunista do que uma exigência de respeito à história chinesa. Até o território perdido no Extremo Oriente russo nos acordos de 1860 e 1895 foi reivindicado por Mao.

Quanto ao resto do mundo, Mao introduziu um estilo especial que substituía a força física por militância ideológica e a percepção psicológica. Esse estilo se compunha de uma visão de mundo sinocêntrica, um toque de revolução mundial e uma diplomacia que se valia da tradição chinesa de manipulação dos bárbaros. Zhou Enlai, o primeiro-ministro das Relações Exteriores da República Popular da China, deixou claro que a nova China não iria simplesmente entrar em relações diplomáticas existentes. As relações com o novo regime teriam de ser negociadas caso a caso. A China iria encorajar a revolução no mundo em desenvolvimento.

Mao acreditava no impacto objetivo dos fatores ideológicos e, acima de tudo, psicológicos. Uma das histórias clássicas da tradição estratégica chinesa foi o "Estratagema da Cidade Vazia", de Zhuge Liang, encontrada no Romance dos Três Reinos. Na história, um comandante observa um exército se aproximando muito superior ao seu. Resistir resultaria em destruição; render-se, perda do controle do futuro. Logo, o comandante opta por um estratagema. Ele abre os portões da cidade, fica ali numa postura relaxada, tocando um alaúde, e atrás dele exibe a vida normal sem qualquer sinal de pânico ou preocupação. O general do exército invasor interpreta esse sangue-frio como sinal da existência de reservas ocultas, detém seu avanço e se retira.

A notória indiferença de Mao ante a ameaça de guerra nuclear certamente devia algo a essa tradição. Desde o início, a República Popular da China teve de atuar estrategicamente em uma relação triangular com as duas potências nucleares, Estados Unidos e União Soviética, cada uma delas individualmente capaz de oferecer grande ameaça. Mao lidou com esse estado de coisas fingindo que ele não existia. Chegou mesmo a desenvolver uma postura pública de se mostrar disposto a aceitar centenas de milhões de baixas, até mesmo acolhendo-as como a garantia de uma vitória mais rápida da ideologia comunista.

Adaptado de KISSINGER, Henry. Sobre a China. Tradução de Cássio de Arantes Leite. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011, p. 110-112.

A Democracia dos Consumidores

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

 

Muitas vezes uma intervenção estatal gera benefícios imediatos, ao passo que seus resultados maléficos surgirão apenas com o tempo. Uma visão míope poderá concluir, então, que a intervenção era desejada, sem se dar conta de que as consequências nefastas no futuro tiveram causa atrás, na própria intervenção.

O funcionamento de uma economia de mercado exige complexos cálculos racionais, sempre a partir da especulação, pois o ser humano não tem conhecimento prévio do futuro. Até mesmo a formação de estoques é uma especulação calcada em dados disponíveis no mercado hoje, com o empresário à espera da melhora dos preços para poder vender seus produtos depois. Em uma economia socialista, com planejamento estatal e sem os meios de produção privados, tal cálculo é inviável, ou praticamente impossível. Na União Soviética, o Gosplan tentava administrar os preços de milhares de produtos, e os resultados foram desastrosos.

No capitalismo, a economia funciona livremente, e são os consumidores, e não os empresários, que determinam o que deve ser produzido. Por isso, a economia de mercado é chamada de democracia dos consumidores. Estes determinam, por meio de uma votação diária, quais são as suas preferências. E aquele que atende melhor os consumidores será o empresário bem-sucedido. Atender às demandas da população é a função das empresas. A competição livre entre elas é a garantia do melhor atendimento. Não há como escapar das inexoráveis leis do mercado. A alternativa é depositar em uma pequena cúpula de políticos poderosos as escolhas, jogando todo o resto da população na escravidão.

Por isso, a "função social" de uma empresa é justamente buscar o lucro. Se o indivíduo busca satisfazer seu próprio interesse num contexto de respeito à propriedade privada e às trocas efetuadas no mercado, estará fazendo o que a sociedade espera que ele faça. Produzir o melhor produto possível ao menor preço viável é a "função social" das empresas.

Quando o governo adota medidas restritivas, acaba favorecendo os produtores, enquanto uma política que não interfere no funcionamento do mercado favorece os consumidores. Da mesma forma, medidas de controle de preços provocam uma redução de produção porque impossibilitam o produtor marginal de produzir com lucro. Com o objetivo de limitar a alta de preços, o governo consegue apenas esvaziar as prateleiras, como ocorre em todas as nações socialistas. O salário mínimo é outra intervenção similar, que gera o aumento de desemprego. Taxar mais pesadamente as rendas maiores é muito comum, mas isso apenas impede a formação de capital. Um sistema tributário que servisse aos verdadeiros interesse dos assalariados deveria taxar apenas a parte da renda consumida, e não a que estivesse sendo poupada ou investida.

A economia de mercado recompensa aquele capaz de servir bem aos consumidores, é verdade. Mas isso não causa nenhum dano a estes; só os beneficia. Apenas uma minoria faz uso da liberdade de criação artística e científica, mas todos ganham com ela. Quem tem luz elétrica, carro, computador, etc., sabe bem disso. Infelizmente, como alerta Mises, "o fanatismo impede que os ensinamentos da teoria econômica sejam escutados." E assim ficamos sem todas as vantagens potenciais da mão invisível do mercado, prejudicada pelo peso da mão visível do Estado.

Adaptado de CONSTANTINO, Rodrigo. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Faro Editorial, 2021, p. 119-121.

O Objetivismo de Ayn Rand (1905-1982)

domingo, 18 de dezembro de 2022

 

A essência da filosofia de Ayn Rand é que o homem é um ser heroico, com sua própria felicidade como o propósito moral de sua vida, suas conquistas produtivas como sua atividade mais nobre, e com a razão como seu único absoluto. A metafísica do objetivismo é a realidade objetiva. Sua epistemologia é a razão. Sua ética é o interesse próprio. Por fim, sua política é o capitalismo. O homem, portanto, é um fim em si mesmo; "dá-me a liberdade ou dá-me a morte."

O objetivismo sustenta que:

1. A realidade existe como um absoluto objetivo, ou seja, fatos são fatos, independentemente dos sentimentos dos homens, de seus desejos, esperanças ou medos.

2. A razão, faculdade que identifica o material provido pelos sentidos humanos, é o único meio humano de perceber a realidade, sua única fonte de conhecimento, seu único guia para a ação, seu meio básico de sobrevivência.

3. Todo homem é um fim em si mesmo, não um meio para os fins de outros. Ele deve existir para seu próprio bem e por conta própria, sem sacrificar-se pelos outros ou sacrificar os outros para seu benefício. A busca do interesse próprio racional e da própria felicidade é seu maior propósito moral na vida.

4. O sistema político-econômico ideal é o capitalismo laissez-faire. Trata-se de um sistema no qual os homens lidam uns com os outros, não como vítimas e algozes, mas como negociantes, em trocas livres e voluntárias para benefício mútuo. É um sistema onde nenhum homem pode obter qualquer valor de outro pelo uso da força física, e nenhum homem pode iniciar o uso da força física contra os demais. O governo age apenas como um policial que protege os direitos dos homens; ele usa a força física somente para retaliação e somente contra aqueles que iniciaram o uso da força física (criminosos ou invasores externos). Num sistema de capitalismo completo, deveria haver uma total separação entre o Estado e a economia, da mesma maneira e pelos mesmos motivos que foram separados o Estado e a Igreja.

Adaptado de CONSTANTINO, Rodrigo. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Faro Editorial, 2021, p. 193-194.

Doc. «Varig: A Caixa-Preta do Brasil»

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

 

Como as Democracias Morrem

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

 

Jean-François Revel publicou, em 1985, um livro intitulado How Democracies Perish ["Como as democracias perecem"]. Trata-se de um contundente alerta às democracias ocidentais - o comunismo pode destruí-las.

Em tom pessimista, o autor inicia sua análise lembrando que a democracia pode, talvez, mostrar-se um acidente histórico, um breve parêntese que está se fechando diante de nossos olhos. As democracias não estariam estruturadas para se defender de inimigos externos que buscavam sua aniquilação, especialmente o comunismo. Essas democracias só reagem frente ao perigo quando ele se mostra fatal, iminente e evidente. Mas aí resta pouco tempo para salvá-las, ou então o custo desse resgate se mostra elevado demais.

Essa fraqueza da democracia vem de uma de suas qualidades: ela permite aos inimigos totalitários uma oportunidade única de agir contra ela na legalidade. Às vezes chegam até a receber apoio declarado sem que tal relação seja vista como um rompimento do contrato social. Podemos pensar em partidos comunistas recebendo verbas públicas, espaço de propaganda na tv, etc., tudo isso para conspirar contra a própria democracia, que consideram uma "farsa burguesa".

O totalitarismo é, por definição, um inimigo subversivo. Entretanto, a democracia trata subversivos como meros oponentes por medo de trair seus princípios. E, para piorar, aqueles que visam destruir a democracia são vistos como pessoas e grupos que lutam por metas legítimas, enquanto seus defensores acabam rotulados de reacionários opressores. É quase um plano de ataque perfeito.

No mais, a democracia convida naturalmente à crítica, enquanto a combinação de forças dos inimigos totalitários no intento de extinguir a democracia pode ser mais poderosa do que as forças de quem luta para mantê-la viva. A democracia não costuma receber crédito por suas conquistas e benefícios, enquanto paga um enorme preço por todas as suas falhas e seus fracassos, suas imperfeições e seus erros.

Pela primeira vez na história, as democracias chegam a se culpar por conta de outras forças externas trabalhando para arruiná-las. Isso é um erro - as democracias não deveriam se culpar por pecados que não cometeram - e pode levar a uma perda de autoconfiança. Os defensores da democracia para de acreditar que podem sobreviver, porque a crise interna seria tanto insolúvel quanto intolerável. Ou, então, a ameaça externa seria tão poderosa que a civilização só poderia escolher entre servidão ou suicídio.

Revel temia que os democratas acabassem por tentar comprar o apoio dos totalitários em vez de enfrentá-los. Ajuda financeira, uma espécie de resgate pago ao sequestrador, seria o caminho para levar tais países sob o regime comunista rumo à liberdade.

Pequenos fatores de desconforto já podem perturbar democracias, mais rápido do que uma forme horrenda ou constante pobreza podem abalar regimes comunistas. Não é a estagnação que alimenta a revolução, segundo Revel, mas o progresso, pois cria a riqueza que torna a revolução viável. Quando defrontados com a ameaça da subversão, muitos democratas preferem ignorá-la. Repetem que é fobia ou histeria esse tipo de alerta feito pela direita, e chamam  de conspiração aquilo que, em uma observação fria e ponderada, é um plano metódico, paciente e incansável de avanço e domínio por parte dos regimes totalitários.

A democracia, na defensiva contra a ofensiva totalitária, não ousa admitir que já está na batalha. E o medo de conhecer a verdade leva ao medo de chamar as coisas por seus nomes. Daí a falta de clareza moral, os eufemismos, as ironias contra quem enxerga com clareza o que está em jogo. "Comunistas vão te pegar", brincam. "Islamofobia", repetem aqueles que acreditam que os inimigos vão se tornar amigos se as democracias cessarem as críticas aos fanáticos.

A esperança é que as democracias consigam evitar tanto a guerra como a escravidão, o que de fato aconteceu, até aqui. O Império Soviético ruiu, em boa parte graças ao trio Reagan, Thatcher e João Paulo II, que exibiram clareza moral e firmeza no combate ao inimigo, enquanto muitos democratas, horrorizados, achavam que essa postura levaria ao caos. Por outro lado, a ameaça sino-comunista permanece, e os mesmos que acusam a direita de representar um perigo mortal à democracia defendem que, por pragmatismo, não se critique o regime chinês. Afinal, a China seria um grande parceiro comercial. Como se vê, as democracias ocidentais correm perigo, de fato; porém, uma vez mais, ele vem da esquerda, e não da direita.

Adaptado de CONSTANTINO, Rodrigo. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Faro Editorial, 2021, p. 333-337.

O Mecanismo de Incentivos

domingo, 11 de dezembro de 2022

 

A licitação do STF, de 26 de abril de 2019, incluía a exigência de que o vinho deveria ser da safra de 2010 ou anterior; precisaria ter ganhado pelo menos "quatro premiações internacionais" e ser "envelhecido em barril de carvalho francês, americano ou ambos, de primeiro uso, por período mínimo de 12 (doze) meses".


O ponto principal quando discutimos os problemas da gestão pública é que o mecanismo de incentivos nesse caso é totalmente inadequado. Segundo Milton Friedman, existem quatro formas de gastos:

1. Quando gastamos o nosso próprio dinheiro para nós mesmos. Nesse caso, fazemo-lo sempre com o máximo de esforço, afinal, é fruto do nosso trabalho, dos nossos esforços. Por isso sempre procuramos a melhor relação custo-benefício na hora de comprar qualquer produto ou serviço e evitamos o desperdício.

2. Quando gastamos o nosso dinheiro com outra pessoa. Isso ocorre, por exemplo, quando compramos presentes para amigos ou parentes. Nesse caso, calculamos o valor do presente em função da importância e do merecimento da pessoa e principalmente se temos ou não condições para isso. Damos muito mais importância ao custo do que o benefício; o outro sempre pode trocar o presente.

3. Quando gastamos o dinheiro de uns com outros. Por exemplo, se alguém nos desse um dinheiro para comprar um presente para uma terceira pessoa ou nos mandasse fazer um serviço utilizando material que não foi comprado por nós. Nesse caso, não haveria razão para nos preocuparmos com o bom uso desse dinheiro. Essa forma envolve basicamente todos os gastos públicos, por meio do governo.

4. Por fim, quando gastamos o dinheiro de outra pessoa conosco. Um bom exemplo é imaginar que alguém nos ofereça um almoço no restaurante que escolhermos. Com toda a certeza, escolheremos um restaurante melhor e mais caro do que aquele que optaríamos num dia qualquer, afinal, não seríamos nós que pagaríamos a conta. Assim acontece com as autoridades. Os pagadores de impostos pagam a festa, enquanto os consumidores escolhem o destino e se aproveitam de seu luxo, com seus privilégios. Falta o escrutínio do dono do recurso, sinônimo de desperdício.

Adaptado de CONSTANTINO, Rodrigo. Pensadores da Liberdade. São Paulo: Faro Editorial, 2021, p. 275-277.