“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

«Maquiavel Pedagogo»

quinta-feira, 30 de maio de 2019

Baixe essa obra gratuitamente aqui.

Especialistas em Ciências da Educação, formados nos mesmos meios revolucionários, dominaram os departamentos de educação de diversas instituições internacionais (Unesco, Conselho da Europa, Comissão de Bruxelas e OCDE) a partir das quais promovem uma "revolução pedagógica". Seu objetivo é impor uma ética voltada para a criação de uma nova sociedade. Tal ética é apenas uma sofisticada representação da utopia comunista. 

Os traços mais relevantes dessa revolução são: testes psicológicos, projetados ou já realizados, em grande escala; informatização mundial das questões do ensino e o censo de toda a população escolar e universitária; asfixia ou subordinação do ensino livre; pretensão a anular a influência da família. 

Como nova missão dos institutos de formação de professores, redefinido o papel da escola, a prioridade passa a ser não a formação intelectual, mas a "aprendizagem da vida social." nesse sentido, são utilizadas técnicas de manipulação psicológica e de lavagem cerebral. 

Na França - e também em outros países - a estrutura das escolas primárias e maternal foi modificada para substituir as diversas séries por três ciclos. Os ensinos formal e intelectual são negligenciados em proveito de um ensino não cognitivo e multidimensional, privilegiando o social. A reforma pedagógica iniciada no Ensino Médio tende igualmente a uma radical modificação das práticas pedagógicas e do conteúdo do ensino. Simultaneamente, um vasto dispositivo de avaliação é implementado; ele deve ser informatizado, para ser utilizado em caráter permanente, e abrangerá o ensino não cognitivo. 

Essa revolução pedagógica é introduzida de forma discreta, mediante manobras. Mas, a fim de se neutralizar a resistência dos professores às mudanças, aplicam-se técnicas de descentralização. Uma vez que a missão principal da escola é a formação social das crianças, e não mais a formação intelectual, o nível escolar continuará decaindo. Assim, vai-se desenhando uma ditadura psicopedagógica. 

Admitir que nos encontramos face a uma temível manobra criptocomunista não exclui, em absoluto, a hipótese globalista da convergência entre capitalismo e comunismo. Assim como a mídia, as organizações internacionais exercem sua influência não tanto pelas opiniões que defendem como por meio dos autores aos quais elas concedem a palavra e pelas teses que elas difundem, desse modo, sob sua autoridade.      

Adaptado de: BERNARDIN, Pascal. Maquiavel Pedagogo: ou o ministério da Reforma Pedagógica. Tradução de Alexandre Müller Ribeiro. Campinas, SP: Ecclesiae e Vide Editorial, 2012, p. 9-14.   

Sambo, Uma Biografia

segunda-feira, 27 de maio de 2019

As Guerras Púnicas (264 a.C. - 146 a.C.)

domingo, 26 de maio de 2019

Para um bom entendedor da Segunda Guerra Púnica, esse cartum dispensa legenda...

Cartago, uma colônia fenícia no norte da África, logo se tornou senhora incontestável de todo o comércio africano. Sua agricultura era uma das mais "científicas" do mundo. Assim, sustentada por sua riqueza, sua marinha e suas feitorias longínquas, Cartago pretendia ditar a lei no Mediterrâneo ocidental. Quando um exército cartaginês ocupou Messina, que até então sofria pilhagens por parte de mercenários que outrora serviam aos tiranos de Siracusa, os romanos intervieram para livrar Messina dos novos ocupantes. Era 264 a.C. e assim se iniciava a primeira das Guerras Púnicas (264-146 a.C.), travadas entre Roma e Cartago. 

No fim, foi a obstinação romana que venceu Cartago nesse primeiro enfrentamento. Foi após a batalha das ilhas Égatas, em 241 a.C., que Cartago pediu a paz e se retirava, assim, da Sicília. Aproveitando-se da fraqueza da rival, Roma ocupou a Sardenha e a Córsega, e a seguir livrou a região de Gênova dos ligúrios e a região da Lombardia ao Vêneto dos gauleses. Temendo que Cartago fosse asfixiada pela mais nova potência do Ocidente, Amílcar obteve do Senado cartaginês a autorização para conquistar o único país do Ocidente ainda disponível - a Espanha. Seu filho e sucessor, Aníbal, atacou Sagunto, aliada dos romanos, provocando o início da Segunda Guerra Púnica.   

De forma genial, Aníbal conduziu seu exército (que contava com algumas dezenas de elefantes) pelos Alpes até adentrar a Itália. Contudo, apesar de suas vitórias brilhantes contra sucessivas forças romanas, ele encontrou um país cada vez mais hostil à medida que avançava pela Itália. Os soldados que ele recrutara na Gália Cisalpina se cansavam ou desertavam, e o Senado de Cartago recusou-lhe reforços. Apesar disso, conseguiu uma vitória estrondosa sobre Roma em Canas (216 a.C.). Os romanos, no entanto, se reergueram e, comandados por Cipião, derrotaram o exército de Cartago em Zama (202 a.C.). Entretanto, apenas ao final da Terceira Guerra Púnica a cidade de Cartago foi destruída. Roma passou a controlar, de forma absoluta, o Mediterrâneo ocidental.

Os despojos de Cartago fizeram de Roma uma potência econômica - todo o comércio do Mediterrâneo ocidental caiu em suas mãos, bem como as minas da Espanha, e novos mercados se abriram à sua agricultura. No entanto, menos de dez anos após ter vencido Aníbal, os romanos voltaram a pegar em armas para resolver, como bem entendessem, os assuntos do Oriente. 

[Essa história continua nos #15Fatos A República Romana].

#15Fatos Atenas e Esparta

sábado, 25 de maio de 2019

1. Durante mais de um século após as Guerras Médicas (499-449 a.C.), Atenas e Esparta lutaram pela liderança da Grécia. Dificilmente duas cidades poderiam ser mais diferentes. Em primeiro lugar, Atenas estava num ponto de convergência, sendo um movimentado centro comercial e artesanal; seu porto, o Pireu, era um dos maiores do Mediterrâneo. Esparta, isolada no vale do Eurotas, era um Estado autossuficiente quanto à produção de alimentos, e sua única moeda eram barras de ferro.  

2. Atenas estava cheia de estrangeiros, tanto visitantes como moradores permanentes. Seu cosmopolitismo marcou, portanto, sua cultura. Na xenófoba Esparta, por outro lado, os estrangeiros eram mal recebidos e periodicamente expulsos.  
  
3. Atenas era uma grande potência naval; a força de Esparta estava em seu exército. Atenas foi um grande Estado, o maior na Grécia no século V a.C., e mesmo após sua desastrosa derrota na Guerra do Peloponeso, continuou a ser uma das principais potências. Seu exército não era muito destacado; sua marinha, porém, era incomparavelmente mais eficiente. Por séculos, Esparta permaneceu como a grande potência militar da Grécia, até porque a maioria dos exércitos gregos era constituída de amadores. Os espartanos tinham uma justa fama de coragem, firmeza e dedicação ao dever. Só foram batidos em luta aberta pelos tebanos, na Batalha de Leuctra, em 371 a.C.    

4. Os atenienses embelezaram sua cidade com esplêndidos templos e soberbas estátuas; Esparta parecia uma aldeia que crescera demais. Saiba mais sobre a Arte Clássica Greco-Romana.    

5. Atenas produzira um grande drama, as tragédias de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes, as comédias de Aristófanes, e foi o berço de historiadores como Tucídides e filósofos como Platão. Esparta não teve arte, nem literatura, e não desempenhou qualquer papel na vida intelectual da Grécia.     

6. Acima de tudo, Atenas era progressista, fervilhando de novas ideias; Esparta era intensamente conservadora. Atenas inventara a democracia, ao passo que Esparta se apegava insistentemente a uma constituição arcaica.      

7. A estrutura social e política de Esparta resultou inevitavelmente em esterilidade cultural. Seus cidadãos eram treinados rigorosamente desde a infância para serem bons soldados. Essa pequena elite - os espartanos - era sustentada pelo trabalho de um número muito maior de servos, os hilotas. Os hilotas da Messênia, conquistados posteriormente, se ressentiam de sua condição e sempre alimentavam esperanças de recuperar a independência - o que vieram a conseguir em 369 a.C.    

8. Os espartanos mantinham sua supremacia pelo terror. Anualmente, os éforos declaravam guerra aos hilotas: qualquer espartano que matasse um deles não seria, então, culpado de assassinato. Jovens espartanos também eram enviados todos os anos para espionar e matar hilotas considerados perigosos. Tais medidas nem sempre eram suficientes. Em 424 a.C., os espartanos decidiram convidar os hilotas a se alistarem, oferecendo-lhes, em troca, a liberdade. Dois mil voluntários se apresentaram, e jamais se ouviu falar novamente deles.  

9. A estabilidade política de Esparta era excepcional no mundo grego, sendo quase a única entre as cidades helênicas a preservar a monarquia. Ainda que tenham perdido a maioria de seus poderes internos, os reis continuaram sendo os comandantes-chefes do exército espartano. A assembleia dos espartanos votava sobre questões importantes, mas não podia tomar iniciativas ou debater as questões a ela submetidas.       

10. A principal atração de Esparta era a sua aristocracia perfeita. Seus admiradores atenienses eram, quase exclusivamente, cidadãos das classes superiores, como Platão. Para esse discípulo de Sócrates, o governo era uma arte difícil, que devia se limitar aos peritos. Além disso, esses pensadores acreditavam que o estado devia treinar e disciplinar seus cidadãos para que levassem uma vida digna e, nesse sentido, Esparta parecia uma aproximação, embora imperfeita, de seu ideal.   

11. Em Atenas, por outro lado, prevalecia a liberdade, um dos principais anseios da democracia. Aristófanes não só podia produzir comédias que ridicularizavam as instituições básicas da democracia como era premiado por elas. Filósofos e teóricos da política, como Platão, Isócrates e Aristóteles, podiam publicar seus ataques radicais ao ideal democrático, e viviam sem ser molestados. 

12. A democracia ateniense não era uma farsa. É inquestionável que se limitava a homens adultos e livres, descendentes de atenienses, mas o conjunto de cidadãos compreendia todas as classes, desde os mais ricos até os mais pobres. Todos os cidadãos - a menos que tivessem perdido seus direitos por algum crime - podiam comparecer à assembleia e votar e, ainda, pronunciar discursos e apresentar moções. 

13. Os democratas atenienses julgavam que os méritos do sistema lhe compensavam os defeitos. Em primeiro lugar, tinham a convicção, não totalmente injustificada pelos resultados, na sabedoria coletiva das massas. Em segundo lugar, argumentavam que, na maioria das questões políticas, o cidadão comum era melhor juiz dos assuntos que lhe afetavam o próprio bem-estar. Finalmente, sustentavam que, se o perito podia falar melhor em assuntos técnicos, a maioria das questões políticas dependia de considerações morais, e que sobre estas todos estavam habilitados a falar.    

14. O sorteio era a principal instituição na manutenção da igualdade, razão pela qual os atenienses o consideravam uma das pedras fundamentais da democracia. Vale lembrar que o sorteio era feito exclusivamente entre os cidadãos que nele se inscrevessem, e o povo ateniense esperava, e exigia, um padrão muito elevado de seus magistrados. 
  
15. Mais do que proporcionar um alto nível de eficiência administrativa e de justiça social, a democracia deu aos cidadãos uma rica vida cultural. O próprio Estado construiu grandes edifícios públicos que ainda são incluídos entre as obras-primas do mundo; promoveu, igualmente, festivais de música e drama. A tolerância democrática permitia liberdade à especulação e discussão de novas ideias, e Atenas não só produzia grandes pensadores como atraía filósofos e cientistas de todas as partes do mundo.    
  
Bibliografia consultada: LLOYD-JONES, Hugh. O Mundo Grego. Rio de Janeiro: Zahar, 1965, p. 65-77.

A Fuga da Beleza

quinta-feira, 23 de maio de 2019

"Uma das obras mais ternas de Mozart é a ópera cômica O Rapto do Serralho. Ela nos conta a história de Konstanze, mulher que fora raptada e separada de Belmonte, seu noivo, e agora é levada para o harém do paxá Selim. Após várias intrigas, Belmonte a resgata, sendo para tanto auxiliado pela clemência do paxá, que respeita a castidade de Konstanze e se recusa a possuí-la à força. Esse roteiro implausível permite que Mozart expresse a convicção iluminista de que a caridade é uma virtude universal, sendo tão real no império muçulmano dos turcos quanto no império cristão do esclarecido José II (este mesmo um homem pouco cristão). O amor fiel de Belmonte e Konstanze  inspira a clemência do paxá. E, ainda que a visão inocente de Mozart careça de muitos fundamentos históricos, sua crença na realidade do amor desinteressado é expressa a todo momento e sustentada pela música. O Rapto do Serralho defende uma ideia moral, e suas melodias partilham da beleza dessa ideia e apresentam convincentemente àquele que as escuta. 

Na montagem de O Rapto do Serralho realizada em 2004 na Komische Oper, em Berlim [foto acima], o produtor Calixto Bieito decidiu ambientar a ópera num bordel berlinense, fazendo de Selim seu cafetão e de Konstanze uma de suas prostitutas. Sobre o palco, casais copulavam até mesmo durante as músicas mais delicadas, e toda desculpa para a violência, carente ou não de clímax sexual, era aproveitada. Em determinado momento, uma prostituta passou a ser torturada gratuitamente, tendo seus mamilos cortados de maneira cruel e realista antes de seu assassinato. A letra e as músicas falavam de amor e compaixão, mas sua mensagem era suprimida pelas cenas de homicídio e de sexo narcisista que, estrondosamente orquestradas, tomavam conta do palco. 

Esse é um dos exemplos de um fenômeno que temos visto em todo aspecto da cultura contemporânea. Os artistas, os diretores e os músicos, tal como todos aqueles que se veem ligados às artes, não estão somente fugindo da beleza: eles também desejam maculá-la em atos de iconoclastia estética. Sempre que a beleza se encontra à espreita, o desejo de suprimir seu encanto pode intervir, a fim de que sua voz distante não seja ouvida por trás das cenas de dessacralização. A beleza, afinal, nos exorta a algo: ela nos convida a renunciar ao nosso narcisismo e a contemplar com reverência o mundo."     

SCRUTON, Roger. Beleza. Tradução de Hugo Langone. São Paulo: É Realizações, 2013, p. 182-184.

Walden ou A Vida nos Bosques

quinta-feira, 16 de maio de 2019

#15Fatos Os Cristãos Primitivos

domingo, 12 de maio de 2019

Festa de Amor Ágape ("Amor de Deus"), catacumba de Marcelino e Pedro, Roma.

1. A comunidade dos seguidores de Jesus de Nazaré multiplicou-se em tempo recorde a partir da Galileia. Já no século I, o movimento alcançou a Síria litorânea, penetrou na Ásia Menor, espalhou-se no delta do rio Nilo e, finalmente, no Mediterrâneo ocidental. Ao longo do século II, formou base em Edessa, chegou à Capadócia e à Armênia, atravessou a África do Norte, avançou pelo interior do Egito e alcançou a Gália e a Espanha. 

2. O que explica tal expansão? Para alguns, o fascínio exercido pelo testemunho dos primeiros mártires. No entanto, nem de longe o martírio teve o impacto histórico sobre a evolução do cristianismo que lhe foi atribuído pela literatura posterior. 
  
3. Para outros, a santidade e as virtudes heroicas dos primeiros cristãos explica a extraordinária expansão do movimento. Todavia, esse ponto também deve ter sido superestimado. A traição de Judas Iscariotes mostra a complexidade e a imprevisibilidade do comportamento humano. No início do século II, Paulo e Hermas declararam que não eram "santos".    

4. O impulso evangelizador dos cristãos seria então a explicação? Ora, o primeiro "missionário" cristão documentado foi Gregório, o Taumaturgo, evangelizador "profissional" entre camponeses no Ponto Euxino (c. 380). Para Celso (anos 170), os cristãos eram tímidos. Assim, provavelmente a evangelização no foi o principal fator que explica a expansão do cristianismo pela bacia do Mediterrâneo na Antiguidade Tardia.   

5. O que explica o primeiro e decisivo impulso do cristianismo na sociedade foi a formação de uma rede associativa que cobria uma área social completamente negligenciada pela administração romana. Antes do advento do cristianismo, pobres, viúvas, órfãos e doentes tinham poucas chances de contar com a solidariedade da comunidade na qual viviam.     

6. Os cristãos conviviam com categorias sociais como soldados, gladiadores e escravos em geral. Ora, esses três grupos - soldados, gladiadores e escravos - estavam expostos ao suicídio. O suicídio de militares foi silenciado como segredo de Estado, mas deve ter sido frequente - aqueles que tentavam tirar a própria vida nessa carreira eram expulsos do exército. Os gladiadores normalmente eram escravos e, em tal condição, representariam um prejuízo aos seus donos caso buscassem o suicídio. É desnecessário dizer o quão difícil era a vida dos escravos e, nesse sentido, o suicídio lhes representava um último recurso.       

7. Um romano, para ser bom, precisava possuir um patrimônio e, de certa forma, ser um benfeitor. Mas, para pelo menos 80% da população do Império Romano, a vida era quase sempre inferior a 25 anos e apenas 4% dos homens alcançavam os 50 anos. Foi justamente essa vasta massa de pobres que foi atraída pela pregação dos cristãos.   

8. Aproveitando o direito à associação autônoma (collegium) conferida pela lei a homens que exercessem a mesma profissão ou venerassem o mesmo deus, os cristãos enquadravam-se de alguma forma na legislação romana. As autoridades romanas desconfiavam, mas não reprimiam legalmente essas agremiações.  

9. As mulheres não tinham acesso a esses clubes, os collegia. Segundo Cipriano (séc. III), a sepultura e o banquete eram os dois objetivos básicos da confraria. Os collegia "eram corpos fundamentalmente democráticos no seio de uma sociedade patriarcal e piramidal." Os cristãos inovaram em seus collegia ao organizarem e até encorajarem a criação de confrarias femininas. Outra novidade é que os banquetes cristãos eram simples e fraternos, realizados aos domingos.         

10. A aristocracia romana não tolerava a ascensão social do liberto, cuja única vantagem de sua condição era certa independência financeira. Entre os libertos cristãos, a vida decorria mais modestamente; eles passavam a morar num dos bairros onde atuavam as comunidades cristãs, nos terrenos baixos e malcheirosos próximos do Tibre.  

11. No mundo romano, ninguém contestava a escravidão. Para o apóstolo Paulo, a boa conduta consistia em se comportar como "bom senhor" ou "bom escravo". Não é possível mudar uma sociedade tão solidamente ancorada nas mentalidades. Autores como Clemente, Tertuliano e Minúcio Félix de certa forma democratizaram as ideias estoicas, e assim o pobre foi encontrando gradualmente um lugar na moral cristã. 

12. O êxito do cristianismo ao longo do século II muito teve a ver com a luta pela cidadania. Em Roma, o bispo cristão era o hospedeiro por excelência. Em certos comunidades existia um serviço regular de alimentação e hospedagem para necessitados, viúvas e órfãos, bem como uma caixa de ajuda mútua para casos de urgência. O enterro era outro serviço bem organizado. Existia um serviço de visita aos presos, vítimas de perseguição, e em certos casos um amparo psicológico para suicidas. Esse foi o segredo do sucesso do cristianismo. 

13. As "sinagogas dissidentes" dos cristãos abriam as portas para todos. Mantinham grande coesão interna, baseando-se sobretudo nos quadros familiares. Os Atos de Pedro e os Atos de Paulo, documentos de fins do século II, são reveladores nesse sentido.     

14. Em meados do século IV, o imperador Juliano ordenou que as autoridades locais criassem centros de assistência social e hospedagem como forma de deter a "avassaladora penetração do cristianismo em meios populares". As comunidades cristãs davam um sentimento de pertença, de dignidade e de identidade social às pessoas sem cidadania romana, os "estrangeiros" ou paroikoi.   
  
15. Os cristãos exerciam sua caridade em relação a todos, e especialmente as viúvas, que eram numerosas na sociedade romana. Eles também promoviam a "redenção dos cativos", que consistia em pagar o resgate de pessoas capturadas e que seriam reduzidas à escravidão. A caridade cristã também era perceptível por ocasião de epidemias e ondas de fome.    
  
Bibliografia consultada: HOORNAERT, Eduardo. As comunidades cristãs dos primeiros séculos. In: PINSKY, Carla B. & PINSKY, Jaime (orgs.). História da Cidadania. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2005, p. 81-95.