A tirania pode ser uma força construtiva ou benéfica? É um velho dilema. Alexandre, o Grande; César Augusto; Constantino, o Grande; Carlos Magno - poderia ser argumentado que todos trouxeram maior poderio e prosperidade para seus povos, ou pelo menos uma restauração da paz e da ordem após longos intervalos de guerra civil e discórdia, por meio de sua vontade imperial, inclusive através da ambição suprema, da usurpação, guerra e assassinato. Mas esse é um dilema especialmente agudo para uma época como a nossa, que encara a democracia como a única forma de governo justificável. Aprendemos que a tirania não pode combinar com o progresso do homem para maior liberdade e igualdade. Aprendemos que a Idade Moderna representa, desde o Renascimento, a Idade da Razão e das Luzes, a marcha firme da humanidade saindo da opressão feudal e da ignorância e rumando para sociedades abertas e livres.
A tirania tem um estranho percurso, ao mesmo tempo como opressora da liberdade como construtora de civilizações. Ela não diz respeito a instituições, apenas, mas também a personalidades - extravagantes, às vezes carismáticas, às vezes divertidas, sempre fascinantes e assustadoras. Mesmo hoje, não podemos ignorar sua importância, para o bem e para o mal, na construção de Estados; em lançar as bases para maior estabilidade, poder e prosperidade, e às vezes até para um eventual autogoverno democrático. E, sobretudo, não podemos nos furtar à questão desconfortável, mas inevitável de saber se há melhores e piores variedades de tirania disponíveis no mundo das relações internacionais. Podemos pensar, por exemplo, no seguinte: ditadura militar ou extremismo islâmico? Autoritarismo ou totalitarismo? Em certas situações, talvez não haja um terceiro caminho.
Existem três tipos de tirania que emergem da história do Ocidente (e não só do Ocidente). Não são absolutamente distintos um do outro, mas sem dúvida se destacam como espécies diferentes. O primeiro pode ser denominado de tiranos "variedade-jardim", ao mesmo tempo os mais antigos e, no entanto, os mais familiares, vindos de nosso próprio mundo. São basicamente homens que encaram todo um país e toda uma sociedade como sua propriedade pessoal, explorando-os para seu próprio prazer e em benefício próprio, bem como para favorecer seu próprio clã e amigos. Como diz Aristóteles, governam como "senhores" de um país, como se este fosse seu "agregado familiar" particular. É possível que tal governante possa beneficiar o país - ele pode ser um vigoroso líder na guerra e ajudar a expandir a economia. Contudo, no final das contas, tudo é feito para favorecer a ele e à sua família. Dentre esses tiranos, poderíamos citar de Híeron I de Siracusa ao imperador Nero, passando pelo general Franco, na Espanha, e os Somoza, na Nicarágua, chegando ao papa Doc Duvalier do Haiti e, até recentemente, a Mubarak do Egito.
O segundo tipo é o tirano reformador. São homens de fato impelidos para a posse de suprema glória e riqueza, além de um poder não contido pela lei ou pela democracia. Mas não são meros hedonistas nem buscam apenas vantagens. Querem de fato melhorar a sociedade e as pessoas por meio do exercício construtivo de uma autoridade sem limites. Os exemplos incluem Alexandre, o Grande, Júlio César, os Tudors, os déspotas esclarecidos como Luís XIV e Frederico, o Grande, Napoleão e Kemal Ataturk. Os tiranos reformistas apresentam um desafio mais complexo do que os de "variedade-jardim", pois com frequência atraem grande séquito de clientes que os admiram e súditos que acreditam sinceramente que eles estão fazendo o que é melhor para o bem comum. Muitas vezes nem são considerados tiranos, mas sim defensores do povo. Além de trazerem vitória e independência para seus povos por meio da guerra, os tiranos reformadores iniciam projetos em grande escala de melhoramento público nas áreas da renovação urbana, legislação, saneamento, educação e eliminação do fosso econômico entre ricos e pobres. Eles querem impor a ordem a um mondo caótico em benefício da humanidade. Em suas vidas pessoais, eles são muitas vezes ascéticos ou, pelo menos, contidos. Empregam a violência para alcançar objetivos concretos, não por uma crueldade extravagante.
O terceiro tipo de tirania é a milenarista. Esses governantes são guiados pelo impulso de impor um projeto milenarista que trará uma sociedade futura em que o indivíduo vai submergir no coletivo e todo privilégio e alienação serão para sempre erradicados. A lista inclui Robespierre, Stalin, Hitler, Mao Zedong, Pol Pot e os jihadistas de hoje. O terrível paradoxo de sua revolução é que o mundo de perfeita harmonia de amanhã vai requerer prodigiosos excessos de assassinato em massa, guerra e genocídio no presente. Enquanto os tiranos "variedade-jardim" e reformadores existiram ao longo da história, os tiranos milenaristas são estritamente modernos, não tendo rpecedentes antes do Terror jacobino de 1793. Certamente eles fazem coisas por seus países que os aproximam dos tiranos reformadores, além de serem capazes de perpetrar, nas sombras, alguns dos excessos de perversidade do tirano variedade-jardim. Porém, no fundo, o objetivo dos tiranos milenaristas está "além da política" - querem destruir o mundo do presente para realizar o nirvana do "comunismo", "o Reich de mil anos" ou o "califado universal".
Adaptado de NEWELL, Waller R. Tiranos - Uma História de Poder, Injustiça e Terror. Tradução de Mário Molina. São Paulo: Cultrix, 2019, p. 12-15.