Uma criança-soldado com um crânio na ponta do seu rifle. Dei Kraham, Camboja, 1973. Fonte: Cambodian Genocide.
1. De Mao Zedong a Pol Pot, a filiação é óbvia. Pol Pot, no entanto, buscou aplicar o comunismo integral imediatamente, abolindo a moeda, completando a coletivização integral em menos de dois anos, suprimindo as diferenças sociais pelo aniquilamento do conjunto das camadas proprietárias, intelectuais e comerciantes e acabando com o antagonismo milenar entre campos e cidades pela supressão, em apenas uma semana, destas últimas.
2. Pol Pot acreditava que havia se elevado mais alto do que Marx, Lênin, Stálin e Mao Zedong. De fato, em termos de horror, o comunismo cambojano superou a todos os outros, e deles diferiu. O exercício de seu poder (três anos e oito meses) foi breve e os Khmers vermelhos nos deixaram poucas palavras e escritos. Por isso, é desafiador investigar a fundo o genocídio cambojano. Apesar das dificuldades, à toda a humanidade cabe hoje o papel de denunciar o genocídio cambojano. Pin Yathay, por exemplo, vagou um mês pela selva, sozinho, esfomeado, para testemunhar tal genocídio. Ele queria mostrar como o Camboja "fora arrasado, e atirado de volta para a era pré-histórica...".
3. Comunismo tardio, o Camboja foi também o primeiro a dissociar-se do sistema comunista (1979), pelo menos na sua forma radical. A estranha "democracia popular" que sucedeu, durante a década da ocupação militar vietnamita, encontrou o seu fundamento ideológico quase único na condenação da "quadrilha genocida Pol Pot-Ieng Sary". A conjugação de uma situação geográfica (a longa fronteira com o Vietnã e o Laos) e uma conjuntura histórica (a Guerra do Vietnã, em plena escalada a partir de 1964), exerceu a sua força indubitavelmente decisiva.
4. O reino Khmer, protetorado francês desde 1863, escapou mais ou menos à guerra da Indochina (1946-1954). O rei Sihanuk, valendo-se de suas boas relações com Paris, lançou-se numa pacífica "cruzada para a independência", em 1953. Mas, com o início da Guerra do Vietnã, a situação tornou-se complexa e faltava-lhe capacidade para enfrentá-la; assim, em março de 1970, foi derrubado pelo seu próprio governo e pela Assembleia, com a benção da CIA. A minoria vietnamita passou a sofrer terríveis progroms. O governo do Vietnã do Norte decidiu apoiar a fundo os Khmers vermelhos e a ocupar a maior parte do país em nome deles, ou melhor, em nome de Sianuk.
5. Sianuk associou-se, portanto, aos seus piores inimigos da véspera - os comunistas locais - furioso com a humilhação que sofreu ao ser deposto. Os comunistas "monarquistas" bateram-se, pois, contra a República Khmer. Esta precisou apelar à ajuda americana e teve de aceitar uma vã intervenção dos soldados da infantaria sul-vietnamita. Assim, os bombardeiros americanos, principalmente, despejaram 540 mil toneladas de explosivos sobre as zonas de combate no Camboja. Os ataques atrasaram o avanço dos Khmers vermelhos, mas asseguraram-lhes um forte recrutamento rural devido ao ódio suscitado contra os Estados Unidos.
6. Tanto sofrimento levou a conquista de Phnom Penh, em 17 de abril de 1975, e das últimas cidades republicanas, a ser recebida pelos próprios vencidos com um alívio quase generalizado. Entretanto, os sinais não eram bons. Fontes sugerem o massacre de uma dezena de milhares de pessoas durante a tomada da antiga capital real, Udong, em 1974. À medida que os Khmers vermelhos progrediam com a "libertação", o país era coberto com "Centros de Reeducação". No Camboja, ao contrário do Vietnã, parece ter sido decidido desde o início que o destino mais natural para qualquer detido seria a morte.
7. As deportações em massa de civis já ocorriam em 1973, e Kratié, a primeira cidade relativamente importante a ser conquistada, foi inteiramente esvaziada de sua população. Apesar disso, o esvaziamento integral de Phnom Penh, logo após a vitória (1975), foi um choque tão inesperado para os seus habitantes quanto para a opinião mundial. A população dali, contudo, estava bem alimentada e não sofreu, no primeiro momento, brutalidades sistemáticas.
8. Os soldados derrotados e os recalcitrantes, entretanto, foram mortos. Além dessas vítimas diretas, houve vítimas indiretas (pessoas hospitalizadas forçadas a deixar a cidade, suicidas - em alguns casos, famílias inteiras). No total, cerca de dez mil morreram de uma população que girava entre 2 e 3 milhões de habitantes. Sob o pretexto de poder servir ao novo regime na capital, procurava-se selecionar o maior número de funcionários de grau médio ou superior, e sobretudo oficiais do exército. A maioria foi imediatamente liquidada, ou pereceu pouco depois na prisão.
9. A afluência dos citadinos perturbava a vida rural e o equilíbrio entre recursos e consumo. Logo a coletivização passou a ser total. O destino dos antigos servidores do Estado e dos intelectuais foi trágico - eles foram "expurgados", muitas vezes até ao seu completo desaparecimento, incluindo muito frequentemente, a partir de 1978, mulheres e crianças.
10. Além de terem ruralizado a quase-totalidade da população cambojana, os dirigentes do Partido Comunista do Kampuchea (PCK), forçaram os deportados a novos deslocamentos, após já terem se estabelecido em algum ponto do interior. Assim, não são raros os casos de três ou quatro deportações sucessivas. O regime pretendia com isso impedir qualquer laço duradouro entre os deportados, que pudesse ser politicamente perigoso e "proletarizar" continuamente os "Novos" (termo que diferenciava os citadinos deportados dos camponeses).
11. Além disso, as sucessivas deportações visavam estabelecer um controle completo sobre os fluxos de população, permitindo o lançamento de grandes frentes de trabalho e a valorização agrícola das montanhas e matagais subpovoados da periferia do país. Finalmente, não resta dúvida de que os dirigentes comunistas também buscavam eliminar um máximo de "bocas inúteis" (idosos, doentes, etc.), um mecanismo sinistro de "seleção natural".
12. Os anos entre 1976 e 1979 foram marcados pelos expurgos e pelos grandes massacres. Suspeitas de traição devoravam o PCK. Sem julgamentos, e normalmente até sem acusação formal, todos os prisioneiros eram assassinados, ao fim de terríveis torturas. Tratava-se esmagar todos aqueles que pudessem um dia ameaçar a preeminência de Pol Pot. A paranoia parecia uma caricatura dos piores excessos stalinistas.
13. As conspirações imaginárias se espalharam continuamente, as "redes" se multiplicaram. Entretanto, apenas na zona Leste a retomada do poder assumiu proporções propriamente genocidiárias. Houve ali uma curta guerra civil, em maio-junho de 1978. Os habitantes, "vietnamitas em corpos Khmers", foram alvos da repressão mais extrema. De maio a dezembro de 1978, entre 100 e 250 mil pessoas foram massacradas de um total de 1,7 milhão de habitantes.
14. A partir de julho, os sobreviventes foram deportados para outras zonas, onde eles estavam destinados a ser progressivamente exterminados. Às vésperas do desmoronamento do regime, as pessoas passaram a ser exterminadas de forma indiscriminada; os Khmers passaram a exigir, por vezes, a ajuda da população. A "revolução" tornava-se realmente louca. A dimensão das fugas para o estrangeiro prova que o poder Khmer vermelho conduzira ao desespero uma grande parte dos cambojanos (fugitivos capturados sempre eram punidos com a morte). Assim, em outubro de 1977, 60 mil cambojanos encontravam-se no Vietnã.
15. Nesse sentido, a chegada dos vietnamitas, em janeiro de 1979, foi sentida pela grande maioria dos cambojanos como uma "libertação" (a sua designação oficial até hoje). Os Khmers, em fuga, cometeram as derradeiras atrocidades: em inúmeras prisões, entre as quais Tuol Sleng, praticamente não houve ninguém para libertar. Muitos, mais tarde, se desencantaram com os vietnamitas, mas em 1978 uma quantidade incalculável de cambojanos foi salva da morte pelas divisões blindadas vietnamitas.
Bibliografia consultada: COURTOIS, Stéphane et al. O Livro Negro do Comunismo - crimes, terror e repressão. Tradução de Caio Meira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2019, p. 686-699.