“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Minissérie "Napoleão" (2002)

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

 

Parte 1AQUI

Parte 2AQUI

Parte 3: AQUI

Parte 4: AQUI

O Menino e a Macieira

sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

 

Um Panorama do Império Otomano

domingo, 14 de janeiro de 2024

 

Istambul durante a existência do Império Otomano.

Durante os séculos XV e XVI, a maior parte do mundo muçulmano foi integrada em três grandes impérios, dos otomanos, safávidas e grão-mogóis. Todos os países de língua árabe foram incluídos no Império Otomano, com capital em Istambul, excetuando-se partes da Arábia, o Sudão e o Marrocos; o Império também incluía a Anatólia e o sudeste da Europa. O turco era a língua da família governante e da elite militar administrativa, em grande parte oriunda de convertidos ao Islã vindos dos Bálcãs e do Cáucaso; a elite legal e religiosa era de origem mista, formada nas grandes escolas imperiais de Istambul e transmitindo um corpo de literatura jurídica escrita em árabe.

O Império era um Estado burocrático, contendo diferentes regiões dentro de um único sistema administrativo e fiscal. Foi também, no entanto, a última grande expressão da universalidade dentro do mundo do Islã. Preservou a lei religiosa, protegeu e amplicou as fronteiras do mundo muçulmano, guardou as cidades santas da Arábia e organizou a peregrinação a elas. Igualmente um Estado multirreligioso, deu um status reconhecido às comunidades cristã e judaica. Os habitantes muçulmanos das cidades provinciais foram atraídos para o sistema de governo, e os países árabes ali desenvolveram uma cultura otomana árabe, preservando a herança e, em certa medida, desenvolvendo-a em novas formas. Além das fronteiras, o Marrocos desenvolveu-a de maneira um tanto diferente, sob suas próprias dinastias, que também reivindicavam autoridade baseando-se na proteção que davam à religião.

No século XVIII, o equilíbrio entre os governos locais e central otomano mudou, e em algumas partes do Império famílias reinantes ou grupos otomanos tiveram relativa autonomia, mas permaneceram fiéis aos grandes interesses do Estado otomano. Também houve uma mudança nas relações entre o Império e os estados da Europa. Enquanto em seus primeiros séculos o Império se expandira na Europa, na última parte do século XVIII estava sob ameaça militar do oeste e do norte. Também houve um início de mudança na natureza e direção do comércio, à medida que governos e comerciantes europeus se tornaram mais fortes no oceano Índico e no mar Mediterrâneo. No fim do século, a elite otomana reinante tomava consciência de um relativo declínio de poder e independência, e começava a dar as primeiras respostas hesitantes à nova situação.    

HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 215-216.

O Poder e a Força dos Estoicos

sexta-feira, 12 de janeiro de 2024

 

Em teus acessos de cólera tem em mente de imediato que não há virilidade em encolerizar-te, mas que a brandura e a amabilidade, na medida em que são mais humanas, são também mais viris; tem em mente, ademais, que o indivíduo brando e amável tem mais força, fibra e coragem do que aquele que se deixa irritar e encolerizar-se com os outros em um descontrole emocional. Com efeito, quanto mais se avizinha da ausência das paixões (impassibilidade) mais está próximo do poder e da força. Como a aflição resulta da fraqueza, também a cólera resulta dela. Ambas significam cair e capitular.    

MARCO AURÉLIO. Meditações, XI.18. Tradução, introdução e notas de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2019, p. 142-143.

O Islã e os Sonhos

sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Acreditava-se comumente, em todas as culturas antes dos tempos modernos, que os sonhos e visões podiam abrir uma porta para um mundo outro que não o dos sentidos. Podiam trazer mensagens de Deus; revelar uma dimensão oculta da alma da própria pessoa; vir de jinns ou de demônios. O desejo de destrinçar o significado dos sonhos deve ter sido generalizado, e era em geral encarado como legítimo; os sonhos diziam-nos alguma coisa que era importante saber. Ibn Khaldun, na verdade, encarava a interpretação de sonhos como uma das ciências religiosas: quando as percepções sensórias comuns eram afastadas pelo sono, a alma tinha um vislumbre de sua própria realidade; libertada do corpo, recebia percepções de seu próprio mundo, e depois disso retornava ao corpo com elas; passava a percepção para a imaginação, que formava as imagens apropriadas, que a pessoa adormecida percebia através dos sentidos. Os autores muçulmanos tomaram a ciência da interpretação dos sonhos dos gregos, mas acrescentaram alguma coisa própria; já se disse que a literatura islâmica sobre os sonhos é a mais rica de todas.  

HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 212.

O Islã e os Jinns

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

 

Pinturas do final do séc. XIV e início do séc. XV, retratam jinns híbridos, como figuras demoníacas. Biblioteca do Palácio de Topkapi, Istambul, Turquia.

Mais difundida, na verdade praticamente universal, era a crença em espíritos e a necessidade de descobrir um meio de controlá-los. Os jinns eram espíritos com corpos de vapor ou chama que apareciam aos sentidos, muitas vezes sob a forma de animais, e podiam influenciar as vidas humanas; às vezes eram maus, ou pelo menos travessos, e portanto era necessário controlá-los. Também podia haver seres humanos com poderes sobre as ações e vidas de outros, ou devido a alguma característica sobre a qual não tinham controle - o "olho mau" - ou pelo exercício deliberado de certas artes, por exemplo a execução de atos rituais solenes em circunstâncias especiais, que podiam despertar forças sobrenaturais. Era um reflexo distorcido do poder que os virtuosos, os "amigos de Deus", podiam adquirir por graça divina. Mesmo o cético Ibn Khaldun acreditava na existência da bruxaria, e que certos homens podiam descobrir meios de exercer poder sobre outros, mas achava isso repreensível. Havia uma crença geral em que tais poderes podiam ser controlados ou contestados por encantos e amuletos colocados em certas partes do corpo, disposições mágicas de palavras e figuras, sortilégios ou rituais de exorcismo ou propiciação, como o zar, um ritual de propiciação, ainda difundido no vale do Nilo.    

HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 211-212.

O Islã e a Astrologia

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

 

As pretensões da astrologia baseavam-se numa ideia largamente aceita e de respeitável ancestralidade: que o mundo celeste determinava as coisas do mundo sublunar, humano. A fronteira entre os dois mundos era representada pelos planetas e estrelas, e um estudo de sua configuração, e dos movimentos dos planetas, não apenas explicaria o que acontecia no mundo do nascer e do morrer, mas talvez pudesse modificá-lo. Essa era uma ideia comum entre os gregos, e foi adotada por alguns pensadores muçulmanos e revestida de uma forma especificamente islâmica pelos teósofos sufitas: os objetos do mundo celeste eram vistos como emanações de Deus. Astrólogos muçulmanos desenvolveram técnicas de previsão e influência: por exemplo, por meio da inscrição solene de figuras ou letras em certas disposições em materiais de vários tipos. Mesmo alguns pensadores de destaque aceitavam as alegações dos astrólogos, e achavam que os astros podiam ter influência sobre a saúde do corpo. Juristas estritos e filósofos racionais, porém, condenavam isso; Ibn Khaldun aceitava que não tinha base na verdade revelada, e que negava o papel de Deus como único agente.    

HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 211.

O Islã e a Arte da Medicina

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

A arte da medicina, como os médicos muçulmanos a entendiam, era ensinada não nas madrasas, mas por aprendizado ou em bimaristans, os hospitais dotados de waqf que existiam nas grandes cidades. Foi como praticantes da arte da cura que os médicos muçulmanos deram suas mais importantes contribuições. Levaram adiante as técnicas de cirurgia. Observaram o curso das doenças e descreveram-nas; Ibn al-Khatib (1313-74) foi talvez o primeiro a compreender o modo como a peste se espalha por contágio. Eles estudaram a fabricação de drogas a partir de plantas medicinais e seus efeitos no corpo humano, e a farmacopéia era extensa; já se disse que a farmácia como instituição é uma invenção islâmica. Eles também entenderam a importância dos fatores capazes de prevenir o desequilíbrio dos elementos, que, acreditavam, levava à doença: dieta saudável, ar fresco e exercício.    

HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 210.

O Islã e as Madhhabs

segunda-feira, 1 de janeiro de 2024

Muçulmanos no Tajiquistão. Desde 2009, a escola Hanafi de islamismo sunita é a religião oficial do país.

No século XI, havia uma nítida distinção entre as várias madhhabs, ou escolas de interpretação moral e legal, e em particular as quatro mais disseminadas e duradouras, as shafita, malikita, hanafita e hanbalita. As relações entre seguidores das diferentes madhhabs às vezes foram violentas; em Bagdá, durante o período abácida, o shafismo e o hanafismo tinham dado seus nomes a facções urbanas que lutavam umas com as outras. Mais tarde, porém, as divergências tornaram-se menos polêmicas. Em algumas regiões, uma ou outra das madhhabs era quase universal. Os malikitas vieram a ser quase a única escola do Magreb, o shafismo era disseminado no Egito, Síria, Iraque Irã e Hedjaz, os hanafitas na Ásia Central e na Índia. Os hanbalitas foram um elemento importante em Bagdá e nas cidades sírias do século XII em diante. Do mesmo modo como as escolas de teologia vieram a aceitar umas às outras, também o fizeram as escolas legais. Mesmo quando, como ia acontecer, uma dinastia nomeava membros de uma certa escola para cargos legais, as outras tinham seus juízes e especialistas jurídicos.

Algumas das diferenças entre as madhhabs relacionavam-se com a definição precisa e o peso relativo dos princípios de pensamento legal (usl al-fiqh). (...) Esses princípios não foram desenvolvidos e discutidos apenas por si mesmos, mas porque formavam a base do fiqh, a tentativa por esforço humano responsável de prescrever em detalhes o estilo de vida (charia) que os muçulmanos deviam seguir para obedecer à Vontade de Deus. Todas as ações humanas, em relação direta com Deus ou com outros seres humanos, podiam ser examinadas à luz do Corão e dos suna, como interpretadas pelas pessoas qualificadas para exercer ijtihad, e classificadas em termos de cinco normas: podiam ser encaradas como obrigatórias (ou para a comunidade como um todo, ou para cada membro individual dela), recomendadas, moralmente neutras, repreensíveis ou proibidas.    

HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 170-171.

O Islã e a Jihad

  

O senso de pertencer a uma comunidade de fiéis expressava-se na ideia de que era dever dos muçulmanos cuidar das consciências uns dos outros, proteger a comunidade e estender seu âmbito onde possível. A jihad, guerra contra os que ameaçavam a comunidade, fossem eles infiéis hostis de fora ou não-muçulmanos de dentro que rompessem seu acordo de proteção, era em geral encarada como uma obrigação praticamente equivalente a um dos Pilares. O dever da Jihad, como os outros, baseava-se nas palavras do Corão: "Ó tu que crês, combate o infiel que tens perto de ti." [Alcorão, 9.123]. A natureza e extensão da obrigação individual de todos os muçulmanos, mas da comunidade, de fornecer um número suficiente de combatentes. Após a grande expansão do Islã nos primeiros séculos, e com o início do contra-ataque da Europa Ocidental, a jihad tendeu a ser encarada mais em termos de defesa que de expansão.    

HOURANI, Albert. Uma História dos Povos Árabes. Tradução de Marcos Santarrita. 2ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994, p. 164.