“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

Por que não derrotamos o Aedes?

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Foi justamente quando o Brasil passou a adotar o princípio da precaução em relação aos agroquímicos que o país passou a perder a guerra contra o Aedes aegypti. O mosquito, que já havia sido erradicado do território brasileiro em duas oportunidades - a primeira, em uma campanha liderada pelo próprio Oswaldo Cruz, em 1909, e a segunda em 1973 -, voltou com força total no final dos anos 1980, período que coincide com a proibição do DDT.

Dessa vez, no entanto, o combate tem sido muito menos eficiente. Diante da patrulha ambientalista, as autoridades já não querem mais expor a população aos inseticidas químicos. Politicamente, não é um bom negócio. A consequência disso é que a saúde pública deixa de ser a prioridade e as pessoas acabam cada vez mais expostas aos insetos transmissores de doenças. A atual epidemia de dengue no Brasil já dura mais de trinta anos, com milhares de mortes registradas nesse período. De acordo com dados do Ministério da Saúde, somente em 2015 foram pelo menos 1,5 milhão de casos de zika, febre chikungunya ou dengue no país. "Hoje em dia não podemos usar os defensivos de antigamente porque se mostraram tóxicos. O DDT não se usa mais. Existem outros, menos tóxicos, mas talvez não tão eficazes", afirma Jorge Kalil, diretor do Instituto Butantan.

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Desde a proibição do DDT, o combate ao mosquito da dengue é feito com produtos menos agressivos (malathion ou piretroides) e que têm se mostrado pouco eficazes. A pulverização aérea desses inseticidas também se tornou alvo de críticas e acabou proibida em várias regiões do país. Hoje em dia, até mesmo os fumacês são mavistos por parte da população. Tudo isso em nome de uma ideologia. Pois é. No que depender da vontade dos ecologistas, os brasileiros ainda vão conviver com o Aedes aegypti por muito tempo.

VITAL, Nicholas. Agradeça aos agrotóxicos por estar vivo. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 2017, Cap. 5.

A Reafirmação do Papado (séc. XIX)

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Assim, em uma época em que os avanços intelectuais do século XIX estavam empurrando alguns protestantes para o agnosticismo, outros para o fundamentalismo despropositado e outros, ainda, para uma heroica reavaliação de sua teologia, o catolicismo e, acima de tudo, o papismo desenvolveram um novo poder de atração, graças a características que outrora haviam feito com que parecesse repulsivo. Em 1846, Manning acusou o anglicanismo: "a Igreja da Inglaterra parece marcada por um desejo de antiguidade, sistema, plenitude, inteligência, ordem, força, unidade; temos dogmas no papel, um ritual abandonado quase universalmente, nenhuma disciplina e um episcopado, sacerdócio e leigos divididos". A Igreja Romana era o oposto desse quadro lamentável - um monólito triunfalista, intocado, imutável e, dadas as suas premissas, impermeável a desafios. Somente ela, na prática, estava preparada para aceitar com entusiasmo a assunção de de Newman de que o questionamento de tais proposições era ilegítimo, e exercer o poder eclesiástico necessário para impossibilitá-lo. Assim, na planície crepuscular de agnosticismo e crença declinante do século XIX, a Igreja de Roma sobressaía-se como uma fortaleza: uma vez em seu interior, a ponte levadiça podia ser suspensa, e as sólidas muralhas constituiriam uma separação absoluta entre os verdadeiros cristãos e o resto. Em contrapartida, os muros da cidadela protestante estavam desmoronando; na verdade, sendo demolidos rapidamente, já que o inimigo se encontrava em seu seio. As imagens de algo seguro, de um refúgio e do voo para a segurança abundam nos escritos dos conversos - o que nos fornece o indício fundamental da revigoração da Igreja Romana do século XIX e da reafirmação do poder papal.     

JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Tradução de Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 462-463. 

«Agradeça aos Agrotóxicos...»

terça-feira, 21 de maio de 2024

 

                                       Baixe essa obra gratuitamente aqui.

Os Filhos do Hamas

segunda-feira, 20 de maio de 2024

Logo no início da autobiografia Filho do Hamas, Mosab Hassan Yousef faz uma descrição assustadora e emblemática de como as crianças na Faixa de Gaza são tratadas:

Uma vez, eu estava correndo na mesquita, brincando com um amigo, e o imã veio atrás de mim. Quando me pegou, me suspendeu e me jogou de costas no chão. Fiquei sem fôlego e achei que fosse morrer. Em seguida, ele continuou a me agredir com socos e pontapés. Por quê? Eu não estava fazendo nada diferente das outras crianças. No entanto, por ser o filho de Hassan Yousef, eu devia me comportar melhor do que todos os outros.

Agressões físicas constituem apenas uma das muitas formas de violência que o Hamas promove contra as crianças palestinas. Por exemplo, no dia 3 de janeiro deste ano, as Forças de Defesa de Israel (IDF, da sigla em inglês) apresentaram documentos e imagens que mostram como a organização terrorista incita e educa crianças palestinas da Faixa de Gaza ao terrorismo. Faz parte da doutrinação o ódio aos judeus e a Israel.

Assim, o Hamas promove acampamentos de verão nos quais as crianças passam por treinamento militar teórico e prático. Durante a guerra, os terroristas utilizam menores para diversas tarefas, como entrega de mensagens, munições e até explosivos. Após os ataques, as crianças são enviadas aos campos de batalha para "avaliar os danos e relatá-los aos terroristas que estão escondidos em abrigos".

Com informações de O Antagonista. 

A Descristianização da França

domingo, 19 de maio de 2024

                     Desenho do aprisionamento do Papa Pio VI, em Roma.

Infelizmente, os novos cultos [cívicos, da Revolução] não podiam ser separados da descristianização e da guilhotina, que servia, por assim dizer, para eliminar argumentos inconvenientes de forma perfeitamente racionalista. Em 7 de outubro de 1793, celebrou-se uma cerimônia em Rheims em que um ferreiro local esmagou o frasco miraculoso de óleo sagrado utilizado na coroação. Muitos dos descristianizadores eram renegados, como nos primeiros movimentos milenaristas - Fouché fora oratoriano, Laplanche, beneditino, e Charles, cônego em Chartres. Alguns eram comunistas, como outro ex-oratoriano, Joseph Lebon: "se, quando a Revolução chegar ao fim, ainda houver pobres entre nós, nossos esforços revolucionários terão sido em vão." Ele declarou, em seu julgamento, que derivava todas as suas máximas revolucionárias dos evangelhos, "que, do princípio ao fim, pregam contra os ricos e sacerdotes." Algumas igrejas foram depredadas. Em Paris, as fileiras dos descristianizadores eram compostas pelos muito pobres; nas províncias, estes geralmente eram a linha de frente. Arrasaram tumbas aristocráticas e demoliram o mausoléu funerário em St. Denis. (Descobriram o coração encolhido e preservado de Luís XIV, que acabou sendo comido por engano.) Cerca de vinte a quarenta mil sacerdotes que não juraram foram exilados; algo entre dois e cinco mil foram executados. A Igreja "constitucional" foi arruinada quando cerca de vinte mil padres juradores - a maioria sob pressão - concordaram em ser descristianizados; quarenta e dois bispos abdicaram de sua posição, conquanto somente vinte e três tenham incorrido em apostasia de fato. Alguns padres casaram-se para salvar suas vidas, outros fizeram-no voluntariamente; porém, havia casamentos clericais, celebrados por bispos, antes do início do processo de descristianização. (Mais tarde, quando a Igreja retomou o celibato, sob Napoleão, milhares solicitaram a absolvição.) A separação formal entre a Igreja e o Estado foi decretada em 1795, o país tornou-se uma República em 1798 e o Papa Pio VI foi declarado prisioneiro francês, morrendo em Valência em agosto de 1799; a municipalidade registrou o falecimento de "Jean-Ange Braschi, exercendo a profissão de pontífice".     

JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Tradução de Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 437. 

Uma Visão do Inferno - II

quarta-feira, 15 de maio de 2024

     Inferno, c. 1510-1520, pintura a óleo sobre madeira. Artista desconhecido.

Na prática, pois, os teólogos haviam insistido na ideia de Inferno e se empenhado ao máximo para deixá-la bem clara para os cristãos, retratando-o nos termos mais vividos possíveis. Os escritores pastorais eram muito mais específicos a respeito do Inferno que do Céu; escreviam como se tivessem estado lá. Os três grandes doutrinadores medievais - Agostinho, Pedro Lombardo e Aquino - insistiam em que as penas infernais eram tanto físicas quanto mentais e espirituais, e fogo de verdade tomava parte dos tormentos. Segundo a teoria geral, o Inferno incluía toda e qualquer dor horrível que a imaginação humana fosse capaz de conceber, além de uma infinita variedade de outras. Para Jerônimo, o Inferno era como uma imensa prensa de lagar. Para Agostinho, era habitado por ferozes animais comedores de carne, que despedaçavam os humanos lenta e dolorosamente, sendo eles mesmos imunes às chamas. Sto. Stephanus Grandinotensis furtou-se ao problema da imaginação dizendo que as dores do Inferno eram tão indizíveis que, se um humano chegasse a figurá-las, cairia instantaneamente morto de terror. Eadmer enumerou catorze dores específicas sofridas no Inferno. Adam Scotus ameaçou os praticantes da usura de serem fervidos em ouro derretido. Muitos escritores referem-se a um espancamento contínuo com martelos de bronze em brasa. Richard Rolle, em Stimulus Conscientiae, afirmou que os danados rasgavam e comiam sua própria carne, bebiam o fel de dragões e o veneno de vespas e sugavam cabeças de víboras; suas camas e roupas consistiam em "horríveis vermes venenosos". Segundo outro especialista, os condenados seriam alimentados com pão embolorado, acompanhado de uns poucos goles de água malcheirosa. Os escritores (e pintores) germânicos eram os mais enérgicos na descrição dos tormentos físicos. Diziam que cem milhões de almas danadas seriam espremidas em cada milha quadrada do Inferno, sendo tratados, pois "como uvas em uma prensa, tijolos no forno, sedimento de sal em um barril de peixes em salmoura, ovelhas em um matadouro". Os franceses preferiam dores psicológicas mais sutis. Segundo Bridaine, quando os condenados indagavam as horas, uma voz respondia: "eternidade". Não havia "relógios no Inferno, nada além de um tique-taque interminável".     

JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Tradução de Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 412-413. 

Uma Visão do Inferno - I

terça-feira, 14 de maio de 2024

Ilustração medieval do inferno no Hortus deliciarum, manuscrito de Herrad de Landsberg (c. 1180). 

A visão cuidadosamente elaborada do Inferno fora acrescentada muito cedo ao corpo cristão, e as autoridades sempre a consideraram um elemento vital para a manutenção da moralidade cristã. Mesmo os pensadores céticos com relação ao papel desempenhado pela punição física no Inferno, ou mesmo à sua existência, achavam ser correto que os crentes em geral fossem estimulados a temê-lo. Orígenes, como já comentamos, acreditava na possibilidade de, em última instância, todos serem salvos, mas acrescentou (em sua obra Contra Celsum) que "ir além não é expediente com relação àqueles que são, com dificuldade, impedidos, mesmo que por medo da punição eterna, de afundar em algum grau de depravação e nas correntes de mal resultantes do pecado". A Igreja mais tarde determinou que o ceticismo de Orígenes, em si, fora equivocado, com o Concílio de Constantinopla (543) insistindo: "quem quer que diga ou pense que a punição dos demônios e dos perversos não será eterna, que ela terá fim (...) que seja anátema". Entre Agostinho e a Reforma, somente o irlandês João Escoto Erígena, no século IX, negou positivamente um Inferno eterno ou mesmo material, substituindo a desgraça infligida pela angústia da consciência; e ele não achava que seu ponto de vista devesse ser ensinado no âmbito pastoral. Entre alguns poucos teólogos havia a teoria da dupla verdade, que admitia uma atitude mais qualificada em círculos privados, mas insistia em todos os horrores para consumo público. O próprio Lutero era de opinião que a doutrina do Inferno não deveria ser discutida com intelectuais, mas apenas com pessoas de piedade simples e profunda. Esta foi, ou pareceu ser, uma admissão de fraqueza; contudo, a Confissão Luterana de Augsburgo (1530), Artigo 17, determina a crença ortodoxa no Inferno (...). A posição anglicana oficial, em termos gerais, era similar (muito embora a declaração de Augsburgo, artigo 42 da coletânea de 1552, não conste dos trinta e nove artigos elisabetanos).     

JOHNSON, Paul. História do Cristianismo. Tradução de Cristiana de Assis Serra. Rio de Janeiro: Imago, 2001, p. 412. 

EUA na década de 1920

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Nova York City, c. 1920.

(...) A década de 1920 foi uma década de enormes mudanças para a população dos Estados Unidos: a mudança de uma sociedade predominantemente rural para uma sociedade predominantemente urbana e a disseminação do uso da eletricidade, dos automóveis e dos aparelhos de rádio, os quais entraram na vida de milhões de norte-americanos. Foi também o início do transporte aéreo comercial e a revolução do mercado varejista, com a expansão das redes comerciais que resultou numa acentuada queda de preços. No entanto, quando os intelectuais se referem às épocas de "mudança" quase nunca mencionam a década de 1920, porque essas rápidas mudanças, na forma como milhões de americanos viviam a vida, não representam, contudo, os tipos particulares de mudança que a intelligensia idealiza, pois não participam dos mecanismos sociais sonhados. Aos olhos da maioria da intelligentsia, a década de 1920, nas raras vezes em que se pensa nela, é vista como um período de estagnação, de manutenção do status quo, presidido por administradores conservadores que se opunham às "mudanças".     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 165-166.

Progressismo, Autoglorificação e Fuga

sexta-feira, 10 de maio de 2024

As pessoas que se reconhecem como "progressistas" não afirmam apenas que são favoráveis às mudanças, mas que essas mudanças são sobretudo benéficas, ou seja, promovem o progresso. Contudo, outras pessoas que também defendam mudanças, mas de naturezas um tanto quanto diferentes, podem, da mesma forma, dizer que suas mudanças são para melhor. Em outras palavras, todo mundo é progressista, segundo sua própria ótica. O fato de algumas pessoas se imaginarem peculiarmente inclinadas ao progresso não constitui apenas mais um exemplo de autoglorificação, mas também representa uma fuga. Tenta-se escapar da prova ao não mostrar, com base em evidência e análise, onde e por que suas propostas particulares de mudança produziriam melhores resultados do que as mudanças propostas por outras pessoas. Em vez de percorrer todo esse processo investigativo, desqualificam-se os adversários, sem maiores critérios de análise e de prova, dizendo, como fez John Dewey, que são "apologistas do status quo".     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 164.

Guerra, o último recurso?

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Hitler caminhando sobre os covardes líderes democráticos.
Cartum de David Low (1891-1963).

Na esfera internacional, envolvendo questões sobre guerra e paz, a intelligentsia com frequência diz que a guerra deveria ser o "último recurso". Mas muito depende crucialmente do contexto e do significado específico dessa frase. A guerra deveria ser, é claro, "um último recurso", mas último em termos de preferência, em vez de último no sentido de se aguardar indefinidamente enquanto os perigos e as provocações se acumulam sem resposta, enquanto o pensamento fantasioso ou os acordos ilusórios substituem sérios preparativos militares ou, se necessário, a ação militar. Como disse Franklin D. Roosevelt em 1941, "se você não atirar e esperar até que veja o branco dos olhos do outro, você nunca saberá o que o atingiu". A insistente irresolução da França durante a década de 1930 e o período da "guerra de araque", que terminou com o colapso do país em 1940, deu ao mundo um exemplo doloroso sobre como o cuidado excessivo pode ser levado a um ponto em que se torna perigoso.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 452-453.

Entre a História e a Eternidade

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Um dos projetos mais memoráveis que desenvolvi com os alunos do 9º ano do Ensino Fundamental chamava-se Faces da Perseguição. Realizado em parceria com os professores de Ensino Religioso, Artes e idiomas (inglês ou espanhol), tinha como objetivo conscientizar os estudantes acerca do drama da perseguição anticristã no mundo. Além da introdução teórica sobre os países assolados pela intolerância, o projeto envolvia a elaboração de cartões, que eram enviados para a organização Portas Abertas. Esta, por sua vez, os despachava para cristãos perseguidos, na Colômbia, em países africanos ou em outros da Lista Mundial da Perseguição.

O belíssimo cartão acima foi feito pela Laura Storch, em 2020. Outros trabalhos maravilhosos e profundos foram produzidos pelos estudantes. Por razões de segurança, desconhecemos a identidade das crianças e dos adultos que os receberam. Quais teriam sido as suas reações? Ficaram felizes, consolados ou, pelo menos, aliviados? Tudo é um mistério, tamanhos são os traumas que se abateram sobre as suas vidas.  

Como professor, para sempre serei grato aos estudantes que se engajaram nesse projeto. Os melhores frutos desse trabalho de História serão colhidos na Eternidade.   

Os Intelectuais e a pobreza

terça-feira, 7 de maio de 2024

Os intelectuais dão às pessoas que já têm a desvantagem da pobreza outra desvantagem adicional: a de que são vítimas.

Eles agem como se fossem sujeitos ungidos, detentores do privilégio exclusivo de decidir quais segmentos da sociedade devem ser favorecidos, quais seriam as pessoas autorizadas a realizar associações e quais não estariam autorizadas, quais pequenos riscos as pessoas estariam proibidas de contrair e a quais riscos bem maiores estão liberadas.

Eles romantizaram culturas que deixaram seus povos atolados na pobreza, na violência, na doença e no caos, ao mesmo tempo que vilipendiam culturas que trouxeram prosperidade, avanços médicos, lei e ordem ao mundo. Ao fazer isso eles frequentemente desconsideram ou filtram o fato de que multidões de pessoas fugiam das sociedades romantizadas pelos intelectuais, indo viver nas sociedades que eles condenavam.

A intelligentsia é muito hábil em encontrar todo tipo de desculpas para o comportamento criminoso, ao mesmo tempo que é igualmente apta para imputar má conduta à polícia, mesmo quando discutindo questões sobre as quais não têm qualquer conhecimento técnico nem experiência, como acontece com o problema das trocas de tiro.

Eles encorajam os pobres a acreditarem que sua pobreza é culpa dos ricos, uma mensagem que pode representar um incômodo passageiro para o rico, mas que se torna desvantagem duradoura para o pobre, que pode, com isso, não ver a necessidade de fazer mudanças fundamentais em sua própria vida, as quais poderiam melhorar sua condição socioeconômica, em vez de focar seus esforços para prejudicar os outros.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 483-484.

Os Intelectuais e as Fundações

segunda-feira, 6 de maio de 2024

De forma semelhante ao que acontece quando as tartarugas recém-nascidas se dirigem instintivamente para o mar, aquelas pessoas cujos produtos finais são ideias tendem a gravitar em torno de instituições onde suas ideias ficarão menos sujeitas aos perigos do descrédito factual. Somando-se às instituições acadêmicas e à mídia, a intelligentsia tende a gravitar em direção às organizações não lucrativas em geral e a fundações em particular. O dinheiro necessário para sustentar essas fundações depende, em primeiro lugar, de discursos convincentes - um dos talentos fundamentais da intelligentsia - que permitem que as doações continuem a afluir, seja por meio de alarmes sobre iminentes desastres, seja por meio de promessas de "soluções" sociais.

Fundações com fundos próprios não precisam sequer da modesta obrigatoriedade de atrair doações para sua sobrevivência, de forma que podem perseguir a visão dos que comandam essas fundações, sem precisar se preocupar com mais nada além de influenciar o público da forma que mais agrade seus agentes e a fim de conquistar a aprovação de seus pares.

Esses lugares nos quais os intelectuais gravitam com grande frequência tendem a ser locais onde o puro intelecto faz toda diferença e onde a sabedoria não se faz necessária, uma vez que são poucas as consequências a serem enfrentadas ou os preços a serem pagos toda vez que ideias promissoras se tornam verdadeiros desastres para a sociedade em geral.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 488-489.

A Arrogância dos Intelectuais Ungidos

sexta-feira, 3 de maio de 2024

Ninguém gosta de admitir que esteve errado, mas poucos são aqueles que se comprometeram tão completamente com um conjunto de crenças, como é o caso do intelectual ungido, e que têm tão poucos incentivos para reconsiderar as questões adotadas. Por exemplo, a brutalidade com que o intelectual ungido ataca seus adversários e a virulência com que eles se prendem às suas crenças, em desafio à crescente evidência contras as "causas de base" da criminalidade e outras teorias sociais, são claras evidências sobre esse grande investimento pessoal em um conjunto de opiniões sociais e políticas.

Os intelectuais não têm o monopólio do dogmatismo e do ego ou do poder em racionalizar. Mas as restrições institucionais que se colocam diante das pessoas nos campos dos negócios, da ciência, dos esportes, dentre muitas outras áreas, confrontam-nas com altos e geralmente ruinosos custos em se persistir em ideias que não funcionam na prática.

De forma semelhante, a história de crenças predominantes entre cientistas que se viram obrigados a abandoná-las diante de evidências contrárias tem um papel central em toda a história da ciência. No mundo dos esportes, seja profissional ou colegial, nenhuma teoria ou crença pode sobreviver a derrotas incessantes e nem sobreviverá a elas qualquer diretor de clube ou treinador.

Tais restrições inescapáveis não fazem parte do repertório das pessoas cujos produtos são ideias que encontram apenas a validação de seus pares ideológicos. Isso vale especialmente para os intelectuais acadêmicos, os quais controlam suas próprias instituições e selecionam, seus colegas e seus sucessores. Nenhum professor que goza de estabilidade profissional pode ser demitido porque votou na implantação de políticas para o campus universitário, que se verificaram econômica ou educacionalmente desastrosas para sua faculdade ou para toda a universidade, ou defendeu políticas que se tornaram catastróficas para a sociedade como um todo.

Essa falta de prestação de contas para com o mundo real não é fruto do acaso, mas compreende um princípio profundamente enraizado cujo santuário recebe o nome de "liberdade acadêmica". Da falta de prestação de contas para o comportamento irresponsável é preciso apenas um pequeno passo. Outros membros da intelligentsia, incluindo tanto a mídia de noticiário quanto a mídia do entretenimento, da mesma forma também dispõem de uma ampla latitude em relação à validação do que dizem, tendo como sua principal restrição a capacidade de atrair público e audiência, seja com verdades ou falsificações, seja produzindo efeitos construtivos ou destrutivos sobre a sociedade como um todo.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 487-488.

Os Intelectuais e a Desintegração Social

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Imperfeições ou ineficiências raramente destroem uma nação. Mas a desintegração de seus laços sociais e a desmoralização da confiança e da aliança de seu povo podem, no entanto, ocasionar sua destruição. Os intelectuais contribuem em grande parte para ambos os processos. Ao colocarem grupo contra grupo e ao verem arbitrariamente inumeráveis situações sob o prisma de "raça, classe e gênero", estabelecendo padrões inalcançáveis de "justiça social" e impondo objetivos de reparação histórica, os intelectuais garantem a criação de uma situação interminável de conflito interno, prefigurando o desmantelamento de qualquer sociedade, a qual é sequestrada por uma intelligentsia e sua cruzada, submetendo um público que aceita, passivo, a visão que os intelectuais têm da sociedade e de si mesmos. Enquanto pressuposições apressadas forem aceitas como conhecimento e a pura retórica for considerada idealismo, os intelectuais continuarão a triunfar em se projetarem como vanguardistas de uma "mudança" genérica - de cujas consequências eles continuarão a não prestar contas.     

SOWELL, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Tradução de Maurício G. Righi. São Paulo: É Realizações, 2011, p. 482.

O Crítico

quarta-feira, 1 de maio de 2024

Capa da publicação semanal O Crítico, edição de 1884.

Nos primeiros dias da minha graduação, um professor do Departamento de História da Ufes nos falou da reação da sua própria família, quando ele escolheu o curso de História. Como é comum - e, de certo modo até compreensível num país como o Brasil - os familiares se opuseram à sua escolha. Houve uma exceção. Uma tia saiu em sua defesa, apresentando boas razões para um jovem fazer da musa Clio a companheira da sua vida. Uma das vantagens do historiador, segundo ela, seria identificar com facilidade as besteiras que as pessoas falam.

Ora, não é novidade que historiadores têm um apurado senso crítico. Faz parte de nossa profissão aplicar a crítica às fontes históricas, revisar a bibliografia, selecionar um referencial teórico, determinar os fatos. O que continua chamando a atenção, é o nível de passividade dos brasileiros, mesmo em tempos digitais. É verdade que alguns irão apontar indícios de mudança. Afinal, desde 2013, ocorreram grandes manifestações que, inclusive, foram determinantes para o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Em 2018, pela primeira vez em nossa história, foi eleito um presidente que não pertencia ao establishment. Sim, isso é verdade, mas ainda há muito o que avançar.

A passividade tupiniquim se remonta ao nosso passado colonial. Somos o fruto de um mix de Estado patrimonialista, uma "elite rastaquera" (Marco Antônio Villa), uma classe média ignorante e um povo impiedosamente explorado. Em 1889, veio o golpe da República, idealizado pelos maçons que assumiram as rédeas do poder. O sonho de liberdade para o povo tornou-se mais distante. O presidencialismo, o coronelismo e a corrupção generalizada tornaram-se a marca do novo regime. Sem surpresas, a república logo envelheceu. Em 1937, Vargas anunciou um Estado Novo (1937-1945), no qual se consolidou uma cultura "carnavalizada" e futebolística, muito útil para o ditador que fazia do Dia do Trabalho (tal como hoje) uma ocasião especial para iludir as massas. Na sequência, o povo foi governado por populistas (1946-1964). Entre 1964 e 1985, foi a vez dos militares e tecnocratas darem as cartas. Com a redemocratização, em 1985, foi proclamada uma "Nova República"; não obstante, muitas mazelas de regimes passados persistem, como o autoritarismo, agora personificado no STF.

Assim, até hoje, o Brasil segue nas mãos dos "donos do poder" (Raymundo Faoro). Nestes tristes trópicos, as carteiradas continuam frequentes. Somos vilipendiados pelos togados, mal servidos pelos empresários e ignorados pelos políticos. Alguns protestos e mobilizações não livraram o nosso país de seu espírito de acomodação, "bovino". E ninguém precisa buscar inspiração nos países anglófonos ou escandinavos. Lembro-me, muito bem, dos debates quinzenais na Assembleia da República, em Portugal, um país parlamentarista. Em tais ocasiões, o primeiro-ministro é questionado, criticado e até zombado pelos representantes do povo, numa espécie de octógono da democracia. Ainda que poucos portugueses acompanhem tais debates, o simples fato de eles existirem e receberem a atenção da mídia é um tanto revelador do espírito cidadão numa nação verdadeiramente democrática. É como se o parlamento sussurrasse ao pé-de-ouvido da máxima autoridade governamental lusitana, duas vezes por mês, e vinte e quatro vezes por ano: "lembra que tu és homem".

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Há cerca de um ano, afastei-me das salas de aula para atuar na administração do órgão central da Secretaria de Estado da Educação. Não obstante, sigo firme nos estudos e nas publicações aqui no blog. Também continuo atento ao centro histórico de Vitória, onde moro e tenho cada vez mais interesse acadêmico. É impossível olhar para os templos, praças e escadarias desse lugar apenas com o olhar de um mero pesquisador. Consequentemente, meu ativismo em defesa do patrimônio de Vitória incomoda a alguns, sem dúvida. Um deles, vejam só, é o próprio prefeito, que em conversa recente com servidores e apoiadores, questionou sobre a identidade do seu "crítico diário". Aqui estou, e sinto-me honrado por estar entre as suas preocupações, prefeito. Neste 1º de maio, espero que o senhor reflita muito sobre o vasto trabalho que precisa ser feito no Centro de Vitória. O título de "crítico" me orgulha mais do que eventualmente um título de cidadão vitoriense. Esteja certo de que, se o domínio estivesse disponível no Blogger, esta página seria renomeada para O Crítico