“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel

“Quem não é capaz de sonhar com a história diante dos documentos não é historiador.” F. Braudel
Villa Borghese, Roma, Itália.

A Última Noite de Belsazar

sábado, 30 de junho de 2018

O Banquete de Belsazar, c. 1635. Rembrandt Van Rijn (1606-1669), óleo sobre tela, 17.6 x 209.2 cm, National Gallery, Londres, Reino Unido.

O rei Nabucodonosor, do Império Neobabilônico, morreu aos 104 anos, em 562 a.C. Ele foi sucedido por quatro reis: Amel-Marduque (562-560 a.C.), Neriglissar (560-556 a.C.), Labashi-Marduque (556 a.C.) e, finalmente, Nabonido (556-539 a.C.), com Belsazar como regente.

Belsazar foi investido na regência da Babilônia provavelmente em 553 a.C. Nabonido, seu pai, passou a vida tentando restaurar os antigos ritos e os locais sagrados do culto babilônico que Nabucodonosor tinha descartado. Assim, Belsazar entendeu que ele era o último monarca neobabilônico. 

Quando seu avô Nabucodonosor morrera, Belsazar possuía 26 anos e era o chefe do exército babilônico. Em Daniel 5:1 e 2, ele sentou-se no trono babilônico, cercado por mil dos seus grandes. Na sequência, ele faz um brinde que é uma paródia do sonho de seu avô (v. 4). No capítulo 2, os metais representavam os reinos da Terra, destinados a desaparecer. Então, Belsazar os diviniza e os adora. 

No ponto alto do banquete, surgiu uma mão misteriosa que escrevia algo incompreensível na parede do palácio. Belsazar ficou então assustado e trêmulo, a ponto de seus joelhos baterem um no outro (Dn 5:6). O motivo para tanto terror é que o regente da Babilônia sabia que a mensagem vinha do Criador, o juiz divino. 

A primeira dificuldade de se decifrar a escrita na parede é que o texto aramaico não usa vogais, como no caso de muitos escritos antigos. Assim, o rei precisa da ajuda de alguém. O equivalente do texto, em português, sem vogais e sem separação entre as palavras é o seguinte: 


CTDCTDPSDDVDD 

Como os astrólogos, os adivinhadores e os caldeus não puderam interpretar a inscrição, a rainha-mãe, Nitócris, esposa do falecido Nabucodonosor, apareceu em cena. Ela lembrou o regente que Daniel, o profeta judeu, possuía o "espírito dos deuses santos" (Dn 5:11). Ele foi então introduzido na presença dos convivas, e revelou o significado da inscrição.

"MENE, MENE, TEKEL, PARSIN." Em um primeiro nível de interpretação, estamos lidando com medidas de peso: Mene significa mina (600 g); Tekel, siclo (10 g); Parsin, metade de uma mina (300 g). Era uma linguagem dos vendedores, e Belsazar capta a indireta: é uma liquidação do estoque da mercadoria e, portanto, o fim dos seus negócios. 

Mene deriva de uma raiz que significa "contar", "designar", "determinar". A raiz dessa palavra também designa o deus babilônico do destino, "Meni" (Is 65:11 e 12). A mensagem divina compara Belsazar a mercadoria que é "determinada", isto é, que está para ser liquidada. O destino do rei o aguarda (Dn 5:26).

Yahweh o revelara que o reino de Belsazar havia passado, e seria repartido entre os medos e persas. Imediatamente, o atordoado regente honrou a Daniel como a terceira pessoa do reino e, a seguir, concentrou-se na urgência de defender sua capital da aproximação do exército inimigo. 

Tudo em vão. Forças invasoras ocuparam Babilônia e ceifaram a vida de Belsazar naquela mesma noite. Segundo as Crônicas de Nabonido, Gobrias (Dario, o Medo) ascendeu ao trono. Mais tarde, Nabonido, o rei neobabilônico de iure, foi preso quando assim que retornou à capital do reino que lhe fora arrebatado.   

Adaptado de DOUKHAN, Jacques. Segredos de Daniel - Sabedoria e sonhos de um príncipe no exílio. Tradução de Matheus Cardoso. Tatuí, São Paulo: Casa Publicadora Brasileira, 2017, p. 80-90.

#15Fatos Globalização

quinta-feira, 28 de junho de 2018

1. De um lado, a "globalização" é a difusão mundial das modernas tecnologias de produção industrial e de comunicação de todos os tipos através das fronteiras - no comércio, capital, produção e informação. Na era da globalização, quase todas as sociedades são industrializadas ou caminham para a industrialização. 

2. Globalização implica também que quase todas as economias estejam interligadas com outras economias ao redor do mundo. No entanto, a globalização não é um estágio final para o qual todas as economias convergem. 

3. Uma situação universal de integração equitativa na atividade econômica em nível mundial é exatamente o que a globalização não é. A disparidade do desenvolvimento entre os países tem se aprofundado com a crescente interconexão da atividade econômica através do mundo. 

4. Marcas de muitos bens de consumo não são mais específicas de um país, mas globais. As empresas fabricam produtos idênticos para distribuição mundial. As culturas populares de praticamente todas as sociedades são inundadas por um estoque comum de imagens.  

5. A ideia de des-localização refere-se à desvinculação de atividades e relacionamentos das origens e culturas locais. Assim, o deslocamento de atividades, que até recentemente ocorria a nível regional, tem dado lugar a redes de relacionamentos cujo alcance é distante ou mundial. Por conseguinte, os preços internos são cada vez menos definidos pelas condições locais e nacionais; todos eles flutuam juntamente com os preços do mercado global. 

6. A globalização é frequentemente considerada um caminho em direção à homogeneidade. Novamente, isto é exatamente o que a globalização não é. Os mercados globais nos quais capital e produção transitam livremente através das fronteiras funcionam precisamente devido às diferenças entre localidades, nações e regiões. Os mercados globais prosperam quando há diferenças entre as economias.  

7. Reflitamos sobre o caso da China. Nesse país asiático, como em todas as outras sociedades, a vida dos mercados expressa uma cultura mais ampla e mais profunda, da qual os mercados são a ponta visível. Uma plena capitalista economia de mercado na China continental seria tão diferente da japonesa quanto do capitalismo ocidental. Incluiria, provavelmente, muitos pequenos negócios familiares florescentes e umas poucas empresas do tipo comum no Japão.   

8. O crescimento dos mercados mundiais não significa, tampouco, que a cultura de negócios americana será copiada em todo o mundo. A crença americana de que as corporações estão acima de todos os outros meios para obtenção de lucros para o acionista não é compartilhada na maioria de outros tipos de capitalismo.

9. Ao permitir que praticantes de diversas culturas, geograficamente dispersos, interajam por meio da nova mídia de comunicações, a globalização age para expressar e aprofundar as diferenças culturais. Por exemplo, os curdos exilados nos países europeus preservam sua cultura comum através de um canal curdo de televisão. 

10. As economias podem tornar-se mais integradas umas às outras - como as do Japão e Estados Unidos estiveram nas últimas décadas - sem uma significativa convergência quanto ao modo de fazerem negócios. Além disso, países recentemente industrializados não podem mais ser considerados como um bloco homogêneo.

11. Existe atualmente um mercado mundial de capitais como nunca existiu antes, e uma forte evidência de que os investidores de muitos países estão diversificando globalmente suas carteiras, tanto com ativos quanto títulos, e que, como consequências, os retornos sobre o capital tenderam a convergir nos anos 80 e 90.

12. Os governos dos Estados soberanos não sabem de antemão como os mercados vão reagir, e o crescimento e o poder das corporações multinacionais são enormes e sem precedentes. As multinacionais são hoje responsáveis por um terço da produção mundial e dois terços do comércio mundial. Elas são capazes de dividir o processo de produção em discretas operações e localizá-las em diversos países ao redor do mundo, escolhendo os países cujos mercados de trabalho, impostos e sistemas regulamentadores e infra-estrutura sejam considerados mais adequados. 

13. Apesar disso, as multinacionais quase sempre são empresas que mantêm fortes raízes em suas economias e culturas originais. Poucas - se é que há alguma - das maiores empresas do mundo são plenamente globais. Poucas multinacionais são organizações que genuinamente envolvem duas ou mais culturas. 

14. Está na moda encarar as corporações multinacionais como uma espécie de governo invisível, substituindo muitas das funções de Estados-nações. Na verdade, elas são, frequentemente, organizações fracas e amorfas. Elas padecem da mesma perda de autoridade e erosão de valores comuns que afetam praticamente todas as instituições sociais modernas. 

15. Ninguém, exceto uns poucos sonhadores na comunidade dos negócios, espera que o mundo se torne um verdadeiro mercado único, no qual os Estados-nações se tenham exaurido e tenham sido substituídos por corporações multinacionais sem pátria.   

Bibliografia consultada: GRAY, John. Falso Amanhecer - os equívocos do capitalismo global. Tradução de Max Altman. Rio de Janeiro / São Paulo: Record, 1999, p. 77-91.

«Os Bestializados»

quarta-feira, 27 de junho de 2018

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Arte Vitoriana

terça-feira, 26 de junho de 2018

Uma garota lendo, 1878. Charles Edward Perugini (1839-1918), Manchester Art Gallery. Perugini, um artista inglês nascido na Itália, foi um pintor da Era Romântica e Vitoriana.

Durante o longo reinado da rainha Vitória (1837-1901), a Grã-Bretanha atravessou um período de prosperidade econômica e preponderância política. Essas condições favoreceram a criação de um ambiente de autoconfiança. Consequentemente, as artes atingiram grande popularidade - para muitos, seu período áureo - e os pintores mais destacados tornaram-se ricos e famosos. 

Nessa época, a Royal Academy tornou-se um pólo importante, atraindo mais de um quarto de milhão de visitas à sua mostra anual. Era a principal vitrine para os artistas que queriam vender as suas obras, embora existissem outras formas de financiamento. A rainha Vitória e o príncipe Alberto eram conhecedores e colecionadores e as classes médias interessavam-se cada vez mais pela arte. A Tate Gallery e a Walker Gallery, de Liverpool, formaram-se a partir das coleções de industriais abastados. 

Temas 

A tradição acadêmica ainda era uma das vias mais seguras para o sucesso, assegurada por pintores como William Etty (1787-1849), conhecido principalmente pelos seus nus femininos; Frederic Leighton (1830-1896), que produziu quadros com um ambiente onírico que o associam ao Movimento Estético; e Sir Edward Poynter (1836-1919). O concurso para a decoração do novo edifício do parlamento foi um importante incentivo para os artistas ingleses. Surgiram novas tendências, muitas de gênero. Esta sofrera um grande impulso antes da subida ao trono de Vitória, em grande parte devido a Wilkie, cujo sucesso se ligava ao lado anedótico das suas obras. 

O público adorava quadros que contassem uma história. Mas também havia espaço para um pintor como Edwin Landseer (1802/03 - 1873), que foi um dos maiores pintores de animais ingleses. O tom dos quadros que "contavam" histórias variava. No caso Os Pensionistas de Chelsea, de Wilkie, a mensagem era patriótica, mas também se apreciavam temas moralizadores ou sentimentais. Acima de tudo, gostavam de retratos da sua própria sociedade. Isso explica a popularidade de William Powell Frith (1819-1909), cujas obras podem ser descritas como a versão pictórica de uma obra de Dickens.             

Bibliografia consultada: GRAHAM-DIXON, Andrew (consultor editorial). Arte - Grande Enciclopédia, da Pré-História à Época Contemporânea. tradução de Sofia Gomes. Porto: Dorling Kindersley - Civilização, Editores, 2009, p. 334-335.

Superinteressante: «História Brasilis»

segunda-feira, 25 de junho de 2018

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«Sexo, Desvio e Danação»

domingo, 24 de junho de 2018

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Charles Courtney Curran (1861-1942)

sábado, 23 de junho de 2018

Treliça Verde foi o título escolhido pelo pintor americano Charles Courtney Curran (1861-1942) para o quadro acima. Muitas de suas pinturas foram pintadas ao ar livre e exibem mulheres modernas bem vestidas. Ele experimentou grande variedade de estilos artísticos, incluindo impressionismo, simbolismo, tonalismo e naturalismo.  

Kahoot!

sexta-feira, 22 de junho de 2018

O Kahoot! é uma plataforma interativa que permite realizar atividades interativas entre a plateia e o orador (normalmente, um professor). Há alguns anos, tenho utilizado essa plataforma para avaliar os alunos, e a experiência tem sido sensacional. 

Aprenda Como utilizar o Kahoot!

Na próxima segunda-feira (25/06), usarei a plataforma com os alunos dos nonos anos e do Ensino Médio do CAV. Dentre os temas, as guerras mundiais (para os nonos), o regime militar e a China contemporânea (para o 3º ano). Até lá!  

Piramidologia

quinta-feira, 21 de junho de 2018

A Esfinge, no primeiro plano, e a pirâmide de Quéops, também conhecida como a Grande Pirâmide. Planalto de Gizé, Egito.

A piramidologia é um dos ramos da egiptologia mais atraentes para os estudantes e para o público em geral. Trata-se, por outro lado, de uma área egiptológica que é muito propícia a devaneios de "especialistas" avulsos e de perscrutadores deletérios do oculto. 

As pirâmides começaram por ser votadas ao abandono ainda mesmo no Império Antigo. Uns 500 anos depois do reinado de Khufu ou Quéops (2551-2528 a.C.), o templo da sua pirâmide, bem como os templos dos seus sucessores, já haviam perdido os seus relevos. Alguns blocos e outras partes foram usados na construção da base da pirâmide de Amenemhat I (1976-1947 a.C.), da XII dinastia, e a própria pirâmide deste rei foi posteriormente abandonada, ainda antes do Império Novo, tal como as dos outros monarcas do Império Médio. As pirâmides passaram a ser vistas como relíquias do passado - as suas pedras foram reutilizadas para a construção de outros edifícios e os seus templos ficaram em ruínas. Apesar disso, os nomes e a sequência dos faraós que as construíram eram conhecidos através das listas reais. 

Por vezes, os próprios egípcios fizeram tentativas para recuperar os veneráveis monumentos dos antepassados. Khaemuaset, por volta de 1250 a.C., filho de Ramsés II (1279-1213 a.C.), e sumo sacerdote de Ptah no templo da Esfinge em Mênfis, parece ter realizado algum trabalho de restauro nas pirâmides de Sakara e de Abusir, das V e VI dinastias, bem como noutros túmulos do Império Antigo.

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 298-299.

Mapa Mental da Segunda Guerra Mundial

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Graças à aluna Ana Elisa C. dos Santos, eu tenho a satisfação de disponibilizar um mapa mental relativo à Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Trata-se de uma ferramenta muito interessante para a revisão dos conteúdos relativos ao maior conflito da história.  

Para acessá-lo, basta clicar aqui.

Mal dos Séculos: a Tuberculose

terça-feira, 19 de junho de 2018

A bactéria da tuberculose (no caso a M. tuberculosis) foi descoberta e vista em 1882, na Alemanha, por Robert Koch. Trata-se da única bactéria a pertencer a um gênero e a uma espécie, apesar de ter sofrido mutações que diferenciam suas sequências de DNA. As alterações são pequenas e não mudam o comportamento agressivo da doença. Durante a evolução, a bactéria sofre mutações no DNA e seus descendentes originam exércitos geneticamente diferentes apesar de serem da mesma espécie. Alguns podem ser mais agressivos, outros mais resistentes aos antibióticos. Comparando as diferenças do DNA, podemos isolar tipos diferentes de bactérias. 

Pesquisadores obtiveram centenas de amostras de bactérias em tuberculosos nas ilhas de Cuba, Haiti, Martinica e Guadalupe. Recolheram as impressões digitais do DNA dessas bactérias e as compararam com famílias bacterianas presentes em outras regiões. As mesmas famílias de microrganismos dessas ilhas foram encontradas no Mediterrâneo, na África e nos Estados Unidos. As famílias da bactéria da tuberculose presentes hoje no Caribe vieram, provavelmente, com europeus durante a colonização e com africanos durante a escravidão. A extensão dos estudos mostrou que há uma coincidência do DNA dos tipos de bactérias de tuberculose da Europa com os dos Estados Unidos, com regiões do Caribe e com a América do Sul. 

Essa foi a segunda onda de tuberculose no continente. Há na América tipos específicos de bactérias. Elas descendem, provavelmente, das bactérias de tuberculose que aqui vieram com os primeiros homens que atravessaram o Estreito de Bering, no início da ocupação do nosso continente. 

Estudos genéticos também mostram que bactérias da tuberculose transitaram pelo Oceano Índico. O tráfico de escravos e o comércio também a levaram para regiões distantes, como sudeste asiático, províncias chinesas e litoral africano. A partir da segunda metade do século XVIII, época da Revolução Industrial, os cortiços ingleses com seus trabalhadores depauperados e mal alimentados da época da  disseminaram o mal. 

No século XIX, os projetos colonizadores imperialistas na África e na Ásia levaram a M. tuberculosis e outras bactérias a terras distantes. Nessa época, poetas românticos como Castro Alves e Álvares de Azevedo, no Brasil, e John Keats e Lord Byron, na Europa, morreram tuberculosos. No alvorecer do século XX, a tuberculose era uma das principais causas de morte por doença infecciosa. A bactéria da tuberculose foi globalizada pelo homem.         

Bibliografia consultada: UJVARI, Stefan Cunha. A História da Humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros microrganismos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 160-164. 

Saiba mais a partir de uma reportagem da Super.

A Pandemia da Gripe Espanhola (1918)

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Vítimas da gripe espanhola num acampamento de Funston, Kansas, EUA. Fotografia de 1918, do Exército dos Estados Unidos. 

Em 1918, no último ano da Primeira Guerra Mundial, disseminou-se uma das piores pandemias de gripes da história. Originada na América ou na Ásia, ela alastrou-se rapidamente pela Europa, graças à guerra. 

A primeira onda de infectados foi passageira e ocorreu no primeiro semestre de 1918. No final de agosto, porém, as consequências foram bem mais graves. O vírus disseminou-se por todo o planeta, explodindo o número de casos. Uma embarcação de Liverpool com escalas em Recife, Salvador e Rio de Janeiro foi a provável responsável pela introdução da gripe espanhola no Brasil. Uma das vítimas brasileiras mais conhecidas foi Rodrigues Alves, um ex-presidente (governara entre 1902 e 1906) que voltou a vencer as eleições presidenciais, em 1918. Apesar da vitória, não tomou posse em novembro daquele ano por estar doente. Ele faleceu em janeiro de 1919. 

Definitivamente, o vírus da gripe espanhola não foi um vírus banal. Era um vírus recém-criado e recém-entrado no organismo dos seres humanos e, por ser desconhecido, não existiam as defesas necessárias para evitar tamanha mortandade. 

Os países em guerra dificilmente admitiriam que seus exércitos estavam sendo dizimados pelo vírus da gripe. Graças ao estado de sítio, que permitia a censura mesmo em nações democráticas beligerantes, dados sobre os militares mortos pela gripe eram omitidos. A epidemia foi então atribuída a uma nação neutra na guerra - razão pela qual ficou conhecida como "gripe espanhola". 

Numa estimativa modesta, em todo o mundo, cerca de 20 milhões de pessoas morreram vítimas de uma gripe muito mais letal do que as conhecidas até então. Para outros pesquisadores, os mortos atingiram os 40 milhões. Em todo caso, na Índia morreram cinco milhões de infectados pelo vírus. Na Inglaterra e no País de Gales, morreram cerca de 200 mil pessoas. Nos Estados Unidos, foram meio milhão de vítimas, sendo que boa parte delas foram militares acampados de prontidão para serem enviados aos campos de batalha europeus. Povoados de esquimós tiveram mais da metade de seus habitantes mortos pela gripe. 

No final do século XX, um grupo de cientistas conseguiu recuperar pedaços de pulmão de cinco vítimas da gripe espanhola - um esquimó, dois soldados americanos e duas vítimas que passaram seus últimos dias agonizantes em um hospital de Londres. Após o fim da pandemia, foi inventado o microscópio eletrônico e, graças a ele, a silhueta do vírus foi visualizado pela primeira vez. 

A seguir, os pesquisadores sequenciaram o RNA do vírus e revelaram que o vilão da devastadora pandemia do final da Primeira Guerra Mundial foi o H1N1. Seu material genético apresenta semelhanças com o tipo de influenza encontrado em porcos e também em aves.          

Bibliografia consultada: UJVARI, Stefan Cunha. A História da Humanidade contada pelos vírus, bactérias, parasitas e outros microrganismos. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2013, p. 143-145. 

Saiba mais: National Geographic.com.es

O Papel da Imprensa na Atualidade

domingo, 17 de junho de 2018

No mundo democrático, a liberdade de imprensa é um dado inegociável. Qualquer tentativa de restringi-la deve ser rejeitada enfaticamente. O papel da imprensa livre sempre será crucial na fiscalização do poder público, na investigação de crimes, na denúncia de mazelas sociais. Que os jornais, revistas e emissoras de Tv e rádio tenham uma linha editorial, não deveria causar estranheza. Espera-se apenas que isso seja assumido abertamente, e que fatos não sejam jamais omitidos ou distorcidos. 

Se a imprensa deve ser livre, por outro lado, também é sagrado o direito à livre expressão, o que inclui criticar e expor as intenções e preferências editoriais dos diferentes setores da mídia. Os jornalistas não estão acima do bem e do mal. 

O que a Caneta Desesquerdizadora tem feito nas redes sociais é justamente isso (pesquise por @Desesquerdizada no Twitter; no Facebook, Caneta Desesquerdizadora). Recentemente, em resposta à iniciativa do Facebook que prevê a redução do alcance de conteúdos na rede social que sejam considerados incorretos por agência de "fact-checking", tomada por militantes de esquerda, os idealizadores da "Caneta" lançaram uma campanha de doações para criar uma empresa concorrente, a Agência Caneta. 

A ideia é obter recursos mensais para criar e manter uma agência profissional e apartidária de "fact-checking" que concorra com as atuais. Caso a campanha atinja o seu objetivo, a Agência Caneta terá um alcance muito superior às agências de "fact-checking" usadas atualmente pelo Facebook. E o trabalho como o que foi feito na análise da capa de Veja desta semana (acima) poderá prosseguir.

As doações para a criação da Agência Caneta podem ser feitas pelo Apoia.se

Célebre Discurso de Churchill

terça-feira, 12 de junho de 2018

Churchill com seu célebre gesto, o V da vitória.

Três dias após ser nomeado primeiro-ministro, Winston Churchill ofereceu aos britânicos sangue, sofrimento, lágrimas e suor. Não era para menos, os Aliados tinham diante de si o tremendo desafio de deter a poderosa máquina de guerra nazista. Leia esse discurso aqui

Assista: O Homem que Salvou o Mundo Livre

#15Fatos A Educação na Antiguidade

segunda-feira, 11 de junho de 2018

Detalhe de um relevo encontrado perto de Trier (180-185 d.C.). Mostra um mestre com três discípulos. 

1. O essencial da nossa civilização (incluído o nosso sistema de educação) adveio dos greco-latinos. No Baixo Império Romano (284-476 d.C.), a conversão do mundo mediterrâneo ao cristianismo não alterou o quadro geral da educação clássica. A escola antiga prolongou-se pela Alta Idade Média, até que sua experiência foi interrompida. Seus procedimentos foram retomados, imperfeitamente, pela renascença carolíngia. Coube à Renascença, entre os séculos XV-XVI, resgatar a tradição clássica. 

2. A história da educação antiga é um reflexo da passagem progressiva de uma cultura de nobres guerreiros para uma cultura de escribas. Assim, inicialmente (essencialmente na sociedade homérica), a cultura grega inicialmente era privilégio de uma aristocracia de guerreiros. Durante séculos, a educação antiga conservou muitos traços desta origem aristocrática e cavalheiresca. Mesmo quando se julgavam democráticas, as sociedades antigas viviam sobre uma tradição de origem nobre. 

3. A educação homérica possuía uma faceta técnica e uma faceta ética. Através da faceta técnica (manejo de armas, esportes e jogos cavalheirescos, artes musicais e oratória, sabedoria) a criança era preparada e progressivamente iniciada em certo modo de vida. Já a faceta ética, mais que uma simples moral de preceitos, era um certo ideal da existência, um tipo ideal de homem a realizar. 

4. A educação literária grega sempre teve Homero como centro de todos os estudos. Isso se deu porque a ética cavalheiresca permaneceu no centro do ideal grego, e Homero foi o intérprete eminente desse ideal. Os textos de Homero formavam um manual ético.

5. Embora o conteúdo técnico da educação grega tenha evoluído profundamente, a ética de Homero conservou, ao lado de seu valor estético, uma projeção permanente. O verdadeiro alcance educativo de Homero residia na atmosfera ética em que atuavam os seus heróis, bem como em seu estilo de vida. 

6. Eminentemente militar e aristocrática, Esparta permaneceu semi-iletrada. A educação espartana clássica buscava o "adestramento" do hoplita, e era organizada inteiramente em função das necessidades do estado. Embora a educação do jovem espartano fosse precipuamente militar, sua educação não era mais a de um cavalheiro, mas a de um soldado. Nesse sentido, sua educação conservadora conservou, de suas origens cavalheirescas, o gosto e a prática dos esportes hípicos e atléticos. A cultura espartana também não ignorava as artes, e o elementos intelectual era essencialmente representado pela música, que estava ligada à dança. 

7. A pederastia ocupou um lugar notável no âmbito da pedagogia helênica. Essa "inversão", contudo, era considerada anormal na maioria das cidades gregas. É importante destacar que a essência da pederastia helênica reside num companheirismo de guerreiros, e a atração entre homens parece ser uma constante das sociedades guerreiras. 

Entre os gregos, a família não podia constituir o plano da educação - a mulher só era julgada competente para a criação do bebê, e o pai era monopolizado pela vida pública. Além disso, a escola não existia na época arcaica e, mesmo após ter sido criada, permaneceu um pouco desprezada. Assim, a ligação amorosa entre um homem mais velho, o erasto, e um mais jovem, que era por ele iniciado em atividades sociais (clube, ginásio, banquete) era a técnica-padrão de toda a educação.  

8. Em Lesbos, em fins do século VII a.C., surgiu uma escola "morada das discípulas das Musas". A instituição, uma espécie de confraria religiosa, funcionava como um complemento à educação das jovens, no período entre a infância e a idade do casamento. Contudo, o amor sáfico, diferentemente da pederastia de Platão, era apenas uma paixão humana, ardente e frenética. 

Safo teve algumas concorrentes em sua época, como Andrômeda e Gorgona. 

9. Em Atenas, a educação perdeu seu caráter essencialmente militar no século VI a.C. Na primeira parte do século V a.C., a educação ateniense era antiga, até mesmo arcaica. Apesar disso, representou, mesmo assim, um progresso notável na evolução de uma cultura de guerreiros para uma cultura de escribas. No último terço do século V a.C., surgiram grandes inovações pedagógicas com a geração dos sofistas e com Sócrates. No fim do século IV a.C., a efebia (a formação militar obrigatória dos 18 aos 20 anos) parece ter atingido o seu pleno desenvolvimento.

10. A geração de Isócrates (436-338 a.C.) e Platão (427-348 a.C.) conduziu a educação antiga à sua maturidade. Esses dois grandes mestres expurgaram a retocaram as técnicas educativas de seus predecessores. Ocupando uma posição intermédia entre esses dois educadores, os socráticos menores eram educadores profissionais (à exceção de Fédon de Élis), e deram seu contributo para a evolução das ideias pedagógicas.  

11. A partir da geração que se seguiu a Aristóteles e a Alexandre Magno, a educação antiga se tornou verdadeiramente uma educação em sua forma clássica. Nos séculos seguintes, a educação perdeu muito do que restava do seu caráter nobre, da sua cultura física e do seu aspecto artístico e notadamente musical. A educação teve os seus elementos literários reforçados e tornou-se mais escolar. 

12. A educação helenística ultrapassou a época propriamente helenística para estender-se pelo período romano. É importante destacar, assim, que não houve educação ou civilização autônomas propriamente romanas. A educação romana foi apenas uma adaptação da educação helenística aos centros de expressão latina. Na metade oriental do mundo mediterrâneo, a educação helenística (clássica) se prolongou por toda a história bizantina. 

13. O preceptor ou pedagogo era o encarregado de conduzir a criança nos trajetos diários entre o domicílio e as escolas. Era um simples escravo que zelava: 1º) pelo aspecto moral (protegia contra os perigos das ruas, ensinava boas maneiras, atuava na formação do caráter e da moralidade); 2º) atuava como repetidor das instruções dos mestres, ensinava as lições e se responsabilizava por toda a educação moral. Deste modo, perpetuava o papel do "preceptor" dos heróis homéricos.  

14. Nas épocas helenística e romana, tanto o ensino primário quanto o secundário foram carregados de pretensões "enciclopédicas", uma consequência inevitável do progresso da cultura. A alta cultura helenística permaneceu baseada na poesia, não na ciência. A civilização helenística opôs-se às culturas revolucionárias e inovadoras, se imaginando solidamente fundamentada num "imóvel presente". 

15. No Baixo Império Romano, os homens não se consideravam como representantes de uma cultura em vias de extinção. Sua missão era a de preservar, ante os bárbaros, a civilização e a cultura (sendo que esta se identificava cada vez mais com a tradição literária clássica). Entre os cristãos, graças a uma influência judaica que enfatizava o papel da família na formação da "consciência religiosa", a família cristã passou a ser encarada como o meio natural em que se devia formar a alma da criança.   

Bibliografia consultada: MARROU, Henri-Irénée. História da Educação na Antiguidade. Tradução de Mário Leônidas Casanova. São Paulo: Herder, 1966. 

Arte Escandinava

domingo, 10 de junho de 2018

Tarde de Verão Nórdica, 1899-1900. Richard Bergh (1858-1919), óleo s/tela, 170 x 223 cm, Goteborgs Konstmuseum, Suécia. Iluminada pelo sol do entardecer, esta obra é típica das pinturas sobre a luz nórdica: o ambiente é tranquilo e melancólico, atraindo o observador para a paisagem de fundo. 

Os países escandinavos possuíam suas academias e uma longa e admirável tradição artística, mas até meados do século XIX a maioria dos artistas fazia a sua formação na Alemanha. Com a aproximação do fim do século, a arte tornou-se mais internacional e os artistas nórdicos seguiram tendências cultivadas no estrangeiro. Ao mesmo tempo, também o cenário político se alterava, fazendo surgir movimentos nacionalistas, em especial na Finlândia e na Noruega, que lutavam pela independência, após anos de jugo sueco, dinamarquês ou russo. Assim, em 1905 a Noruega tornou-se independente da Suécia; em 1917 a Finlândia libertou-se da Rússia (à qual estava anexada desde 1809; antes desta data, esteve por séculos sob domínio sueco). 

Origens e influências 

As primeiras sementes de um estilo escandinavo vieram da França. Os paisagistas suecos descobriram a escola de Barbizon e por volta de 1880 um grupo de suecos, entre eles Carl Larsson, organizou uma colônia de verão para pintores em Grez-sur-Loing, perto de Fontainebleau, França. Outros artistas suecos foram para Paris estudar, como o finlandês Akseli Gallen-Kallela, o dinamarquês Peder Severin Kroyer e uma série de noruegueses. No regresso, fundaram nos seus países escolas onde ensinavam as técnicas da pintura ao ar livre aprendidas na França. A luz da Noruega conferia aos quadros um ambiente tipicamente escandinavo que satisfazia os sentimentos patrióticos e nacionalistas. O Realismo e o Impressionismo francês foram influências óbvias, mas mais tarde o que influenciou os escandinavos foram movimentos vanguardistas. Munch, que também trabalhou em Berlim, descobriu o Pós-Impressionismo e o Simbolismo; no século XX, Cézanne e o Cubismo foram importantes.           

Bibliografia consultada: GRAHAM-DIXON, Andrew (consultor editorial). Arte - Grande Enciclopédia, da Pré-História à Época Contemporânea. tradução de Sofia Gomes. Porto: Dorling Kindersley - Civilização, Editores, 2009, p. 388-389.

Colosso de Nero

quarta-feira, 6 de junho de 2018

A estátua do deus Sol, erguida por Nero na entrada da Casa Dourada (Domus Aurea), ficava junto ao Coliseu (que foi construído posteriormente). Desenhada pelo arquiteto grego Zenodoro, representa Nero nu, como Sol-Hélio. Com 35 metros de altura, sobre um um pedestal de alvenaria e mármore de 11 metros, esse colosso em bronze era apenas um pouco menor do que a atual estátua da Liberdade. 

Após a morte de Nero, a cabeça e os atributos da escultura foram trocados pelos do Sol. Adriano deslocou a estátua por vários metros, para a construção do Templo de Vênus e Roma. 

Não se sabe quando o colosso caiu, mas no século XI ele certamente já não existia. 

Constable e o Espetáculo da Natureza

terça-feira, 5 de junho de 2018

O Carro de Feno, 1821. Óleo sobre tela de John Constable, 130 x 185 cm, National Gallery, Londres, Reino Unido.

Muitos consideram John Constable (1776-1837) o maior paisagista inglês. No entanto, o seu sucesso não foi nada fácil. Além de ter a carreira desaprovada pelo pai e pela família da sua noiva, Maria Bicknell, só após muito tempo recebeu o reconhecimento nos círculos artísticos ingleses. O quadro acima, por exemplo, teve uma recepção morna na Royal Academy. Por outro lado, recebeu uma medalha de ouro no Salon de Paris e a admiração de Delacroix. 

A originalidade de Constable reside no seu estilo e na sua temática. Segundo ele, "não há dois dias iguais, nem sequer duas horas; tal como nunca houve duas folhas de árvore iguais desde que o mundo foi criado." Assim, os seus quadros podem parecer encantadoramente rústicos aos habitantes das cidades modernas, mas os seus contemporâneos não os acharam suficientemente pitorescos. Em vez de pintar montanhas espetaculares ou panoramas vastos, interessou-se pelo trabalho do campo, com os seus moinhos, as suas barcas e os seus rios cheios de atividade. Segundo Roger Scruton, a beleza da paisagem inglesa observada por Constable "depende do trabalho dos seres humanos, que tanto organizam os campos, bosques, e abrigos quanto erguem as cercas e muros que estão presentes em toda parte e integram a harmonia percebida. Constable retrata um lar, um local para o homem usar e que ostenta em cada detalhe a marca das esperanças e dos objetivos humanos (ainda que, na opinião de alguns, ele oculte a real condição do trabalhador rural)" (Scruton, 2013: p. 76). Nesse sentido, O Carro de Feno retrata uma cena rural que era muito familiar ao artista. Ele a expôs com o título Paisagem: Meio-Dia

Os críticos consideraram os quadros de Constable mal acabados. Essas obras buscavam captar com exatidão as sensações suscitadas pela natureza - as variações de luz causadas pelo movimento das nuvens, a umidade dos campos encharcados de chuva, os efeitos da mais tênue brisa - para o que Constable usava pinceladas vigorosas e pontos de luz branca. Embora os ingleses não tenham se impressionado, na França as suas inovações foram bem apreciadas. Além de Delacroix, já mencionado, Géricault também manifestou grande admiração pela obra desse grande artista do Romantismo britânico.         

Bibliografia consultada: 
GRAHAM-DIXON, Andrew (consultor editorial). Arte - Grande Enciclopédia, da Pré-História à Época Contemporânea. tradução de Sofia Gomes. Porto: Dorling Kindersley - Civilização, Editores, 2009, p. 316.
SCRUTON, Roger. Beleza. Tradução de Hugo Langone. São Paulo: É Realizações, 2013.

A Expansão da China pelo Pacífico

segunda-feira, 4 de junho de 2018

Principais envolvidos nas disputas no Mar do Sul da China. 
Fonte: Forbes 

Nas últimas décadas, o crescimento do poderio econômico e militar da China tem assombrado o mundo. Afinal, o país é governado por uma ditadura comunista que, dentre outras coisas, têm a Rússia de Putin e a Coreia do Norte de Kim Jong-un como aliados. Dentre os desdobramentos mais preocupantes do crescimento do poderio chinês nos últimos anos, destacam-se as disputas no Mar do Sul da China, as ilhas artificiais da China e, mais recentemente, o Plano Naval da China para superar os EUA e controlar o Pacífico até 2030

Um Mosaico Bizantino

domingo, 3 de junho de 2018

O Milagre dos Pães e dos Peixes, c. 520 d.C. Mosaico da Basílica de Santo Apolinário, o Novo, Ravena. 

O mosaico é a arte de elaborar padrões e imagens através da organização de fragmentos coloridos de vidro, mármore e outros materiais adequados, fixando-os a uma base de cimento ou argamassa. Seu primeiro desenvolvimento extensivo deu-se em Roma, na decoração de pavimentos. Trata-se de técnica muito apropriada ao adorno de paredes e abóbadas, e foi muito empregada nas igrejas cristãs da Itália e do Império Bizantino durante toda a Idade Média. 

Analisemos, por exemplo, o mosaico acima, que pertence a uma basílica de Ravena. Por volta do ano 500, Ravena era uma grande cidade portuária e a capital da costa leste da Itália. O Milagre dos Pães e dos Peixes ilustra a história do Evangelho em que Cristo alimentou cinco mil pessoas com cinco pães e dois peixes. Um artista helenístico teria retratado uma imensa multidão, numa cena alegre e espetacular; esse artista, no entanto, optou por um método bem diferente, embora devesse estar muito familiarizado com a arte grega. Ele preferiu compor um mosaico, laboriosamente reunido, de cubos de pedra ou vidro que produzem profundidade, cores cheias, e dão ao interior da igreja deles revestida um aspecto de solene esplendor. Note como o artista soube envolver perfeitamente um manto em torno do corpo, de modo que as principais articulações permanecessem visíveis por baixo das pregas. Ele misturou pedras de diferentes tons no seu mosaico para produzir as cores da carne ou da rocha. Assinalou as sombras no chão e não teve dificuldade alguma em representar o escorço. Se o quadro nos parece um tanto primitivo, isso ocorreu porque o artista deliberadamente quis fazê-lo simples. 

O modo como a história é contada mostra ao espectador que algo milagroso e sagrado está a ocorrer. O fundo é composto de fragmentos de vidro dourado, e nenhuma cena natural ou realista é representada sobre esse fundo, de ouro. A figura imóvel e serena do Cristo ocupa o centro do quadro. Não é o nosso conhecido Cristo barbudo, mas o jovem pálido e de longa cabeleira que viveu na imaginação dos primeiros cristãos. Veste um manto púrpura e estende seus braços num gesto de benção para ambos os lados, onde se encontram dois apóstolos. Estes lhe oferecem os pães e os peixes para que o milagre se realize. A cena prece uma cerimônia solene, e testemunha o poder inabalável de Cristo, consubstanciado na Igreja. Isso explica, ou ajuda a explicar, o modo como Jesus olha fixamente para o espectador: é a este que ELE irá alimentar.    

Como decoração de exteriores, o mosaico figura por vezes na fachada de igrejas medievais e de alguns edifícios modernos. Mais raramente, o mosaico é usado para compor imagens portáteis ou como incrustação em peças de mobiliário e outros objetos, como na arte asteca do México.

Bibliografia consultada: 
CHILVERS, Ian. Dicionário Oxford de Arte. Tradução de Marcelo Brandão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 364.
GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Tradução de Álvaro Cabral. 16ª edição. Rio de Janeiro: LTC, s/d, p. 135-136.

Introdução à Arte Egípcia

sábado, 2 de junho de 2018

O friso com os "gansos de Meidum", datados da IV dinastia (2613-2495 a.C.), originalmente estavam no túmulo de Nefermaet e de sua esposa Itet. Essa obra praticamente preserva as cores originais e atualmente se encontra exposto no Museu Egípcio do Cairo. 

A fim de tornar prática e objetiva esta brevíssima introdução à arte egípcia, destacarei sete pontos:

1. A arte egípcia não se confunde com as produções artísticas de outros povos, assentando-se sobre a geografia e a paisagem, a religião e a ideologia política, submetendo-se a duas forças basilares e firmemente interligadas: a religião e a realeza. 

2. Os antigos egípcios jamais criaram em sua gramática uma palavra que definisse "arte". Isso não significa que eles não fruíssem, admirassem e apreciassem a arte. 

3. No Egito faraônico também não havia a noção de arte pela arte. Tampouco existia o artista como hoje o entendemos (e como já os gregos o entendiam). 

4. A representação do corpo humano nos relevos esculpidos nas paredes de templos e de túmulos privilegiava a aspectividade, isto é, a decomposição da figura em duas dimensões, com o rosto de perfil, o olho e o peito de frente, com uma torção corporal que mostra os braços e as pernas de perfil. 

5. Os artistas egípcios preferiam representar as coisas tal como elas são (que é a geometria projetiva) em vez de as figurar tal como elas surgem (a geometria perspectiva), mesmo quando na apreciação final o resultado fosse uma figura com dois pés esquerdos, por exemplo. 

6. Sob Tutmés IV (XVIII dinastia) ocorreu o apogeu da pintura. Nessa época, além das cores que já vinham das épocas anteriores (por exemplo, o azul, sempre presente no céu e no rio; o verde exuberante da paisagem; o amarelo das montanhas, dos cereais maduros e do sol; o preto, cor dos hieróglifos e do lodo escuro das margens do Nilo), os pintores criaram novos tons de cinzento, de rosa e de carmim. Ocorreram também algumas inovações nas posições de algumas figuras femininas. 

7. Os egípcios também produziram uma imensa quantidade de objetos, desde o mobiliário a joias, destacando-se a produção de materiais destinados ao túmulo - sarcófagos, máscaras funerárias, vasos de vísceras, estatuetas funerárias, amuletos e escaravelhos.

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 169-199.

#15Fatos Templos e Sacerdotes Egípcios

sexta-feira, 1 de junho de 2018

Pátio de Ramsés II no Templo de Luxor.

1. Os templos egípcios eram animados por muitos sacerdotes (hemu-netjer) e outros servidores do deus - escribas, guardas, capatazes, artesãos ligados à produção de alfaias litúrgicas e de objetos funerários, especialistas na preparação de bebidas e alimentos destinados ao deus, cantoras (chemait), dançarinas (khebait) e músicas (hesit ou ihit). 

2. As mulheres que atuavam no templo normalmente eram esposas dos sacerdotes. Um importante núcleo de servidoras divinas integrava o harém (kheneret) de deuses como Amon e Min. No entanto, embora se integrassem a essas instituições, nunca existiu prostituição sagrada no antigo Egito. 

Tanto essas mulheres como os sacerdotes, após cumprirem o seu mês de serviço no templo, regressavam às suas atividades normais fora do espaço sagrado. As funções sacerdotais eram cumpridas, portanto, de forma cíclica e rotativa. 

3. Os sacerdotes egípcios não eram líderes espirituais da população ou devotos evangelizadores: eram "servos do deus", serviam no templo e estavam integrados à comunidade em que viviam. Assim, normalmente desempenhavam outras atividades além do serviço no templo, e pouquíssimos viviam em reclusão conventual. 

4. Um templo egípcio não permitia o acesso a qualquer pessoa. Apenas os membros do clero ou personagens de alguma importância social lá podiam entrar. O templo, um espaço reservado, era a casa do deus (hut-netjer). 

5. O primeiro momento do culto diário no templo se dava ao alvorecer. No templo de Amon, o sumo sacerdote clamava perante a estátua divina: 

"Tu, que despertas tranquilo, desperta em paz! Desperta Amon-Rá, senhor do trono das Duas Terras, desperta em paz!" 

Ao meio dia e ao entardecer ocorriam os outros momentos do culto. Ao crepúsculo, então, o clérigo oficiante fechava as portas do santuário e a estátua divina adormecia, para ser despertada no alvorecer seguinte. 

6. No caso da clerezia amoniana e noutras de peso considerável, o sacerdote principal e líder do corpo de servidores divinos assegurava a celebração do culto em nome do faraó e superintendia a administração dos bens do templo. 

7. Caso se ausentasse, o sacerdote principal transferia as suas atividades dirigentes para o segundo sacerdote. Nessas ocasiões, este último desempenhava sobretudo funções de caráter administrativo, que incluíam a gestão dos campos, do gado, das oficinas e dos armazéns. Por sua vez, era assessorado pelos terceiro e quarto sacerdotes, e mesmo outros membros do clero. 

8. No baixo clero, integravam-se os sacerdotes "puros" ou uebu (plural de ueb), que cuidavam das alfaias litúrgicas e dos objetos sagrados, além de manter limpos os templos e os objetos de culto (inclusive a barca sagrada processional e a estátua do deus, que era diariamente lavada, alimentada, vestida e recebia incenso).

9. Também existiam os sacerdotes leitores (kheriu-hebet), que ordenavam as cerimônias segundo o ritual e recitavam em alta voz os hinos sagrados durante o culto, lendo textos. Acreditava-se que possuíam poderes mágicos pelo conhecimento das fórmulas contidas no rituais. 

10. Existiam outras funções sacerdotais: os que ocupavam o cargo de imi-seté se encarregavam do transporte de objetos dentro do templo; os horólogos calculavam as horas a que determinadas cerimônias deviam acontecer; os astrônomos previam os dias fastos ou nefastos para a realização de cultos; os sacerdotes funerários ocupavam-se da destacada tarefa de providenciar o culto aos mortos (e, dentre eles, o sacerdote ut cuidava das tarefas de mumificação e de embalsamamento). Existiam ainda sacerdotes músicos e cantores que, em geral, eram cegos. 

11. Não era necessário ter preparação especial ou uma vocação de tipo evangelizador para exercer uma função sacerdotal. No entanto, o domínio dos vários tipos de escrita - hieroglífica, hierática (desde a Época Arcaica) e a demótica (na Época Baixa)  - era indispensável.

12. Existiam escolas ligadas aos templos, uma base indispensável à formação letrada dos futuros sacerdotes. Fora isso, também contavam a ambiência familiar e até a tradição profissional - conhecem-se genealogias sacerdotais. 

13. Há casos de sacerdotes que saíram dos templos a fim de exercer as mais diversas funções como, por exemplo, o comando de expedições militares ou outras para extrair a pedra destinada a obras arquitetônicas ou para o fabrico de estátuas. 

14. Alguns corpos sacerdotais tinham em comum a iniciação feita no templo. Primeiro o iniciado fazia um percurso ritual e esotérico que ia desde o grande portão do pilone de entrada até ao santuário recôndito do espaço divino. Ele então obtinha certos conhecimentos que o colocavam acima de toda a população. Mas, era em seu próprio templo interior, onde se completavam e se harmonizavam o seu coração físico (hati) e seu coração moral (ib), que o sacerdote granjeava a sabedoria que o elevava acima dos outros. 

15. No Egito faraônico, o clero não gozou de uma popularidade uniforme ao longo dos séculos. No Império Antigo, os sacerdotes ainda não usufruíam de um status social elevado. Sua importância perante a sociedade só foi crescendo no período do Império Médio, e só no Império Novo adquiriu uma expressão de grande destaque.      

Bibliografia consultada: ARAÚJO, Luís Manuel de. O Egito Faraônico - uma civilização com três mil anos. Revisão de Raul Henriques. Lisboa: Arranha-céus, 2015, p. 153-160.