A dialética erística é a arte de disputar, mais precisamente, de disputar de modo a ter razão per fas et nefas [por meios lícitos e ilícitos]. Com efeito, podemos ter razão objetiva, na coisa em si, mas estar errados aos olhos das pessoas presentes, às vezes até mesmo aos nossos próprios olhos. O adversário pode refutar minha prova, o que vale como refutação de minha própria asserção, para a qual, entretanto, pode haver outras provas; neste caso, é claro, a relação é inversa para o adversário: ele detém a razão, mas está objetivamente errado. Portanto, a verdade objetiva de uma proposição e sua validade na aprovação dos debatedores e ouvintes são duas coisas distintas. (É para esta última que a dialética se volta.)
E a que se deve isso? - À perversidade natural da raça humana. Se não fosse isso, se fôssemos essencialmente honestos, não buscaríamos em cada debate senão trazer a verdade à luz, totalmente despreocupados se ela está em conformidade com nossa opinião previamente apresentada ou com a do adversário: isso seria indiferente ou, pelo menos, algo completamente secundário. Mas agora é a coisa principal. A verdade inata, que é particularmente irritável no que diz respeito às faculdades intelectuais, não pretende aceitar que nossa primeira afirmação se revele falsa e a do adversário tenha razão. Por conseguinte, teríamos simplesmente de nos esforçar por emitir juízos corretos: para tanto deveríamos pensar primeiro e falar depois. Mas, na maior parte dos homens, a vaidade inata é acompanhada de loquacidade e inata desonestidade. Falam antes de pensar, e, mesmo quando se dão conta de que sua afirmação é falsa e eles estão errados, é preciso parecer como se fosse o contrário. O interesse na verdade, que deveria ser, em geral, o único motivo na exposição da tese supostamente verdadeira, agora dá lugar, por completo, ao interesse da vaidade: o verdadeiro deve parecer falso e o falso, verdadeiro.
SCHOPENHAUER, Arthur. A Arte de ter Razão: 38 Estratagemas. Tradução de Milton Camargo Mota. Petrópolis, RJ: Vozes, 2017, p. 7-8.