A Democracia Pericliana
segunda-feira, 28 de outubro de 2019
Na célebre profissão de fé na democracia que Tucídides atribui a Péricles (II, 37, 2), em primeiro lugar, o grande estadista alcmeônida afirma a originalidade do regime político ateniense. A seguir, Péricles apresenta o princípio sobre o qual ela se baseava, isto é, a soberania do démos, o que implica a palavra democracia, orgulhosamente reivindicada. Esse termo é composto de duas palavras: démos, cuja tradução é "povo", e o verbo kratein, que se refere ao exercício da soberania. segundo Péricles, as decisões dependiam "da maioria", do maior número (pleiôn). Evidentemente, a arraia-miúda em geral compunha essa maioria.
Num primeiro momento, a soberania da maioria se exercia no seio das assembleias. À época de Péricles, o ano era dividido em dez pritanias, durante as quais os cinquenta membros da bule da tribo em exercício deliberavam quase permanentemente. Havia quatro sessões regulares da assembleia por pritania, isto é, quatro sessões anuais, cada uma com uma ordem do dia precisa. Nessa assembleia, podiam assistir, fazendo uso da palavra, todos os cidadãos atenienses. Ela detinha o poder de decisão sobre todos os assuntos referentes à cidade, às relações com o resto do mundo grego, os problemas de aprovisionamento de Atenas, à organização da vida religiosa e à regulamentação das heranças. Além disso, a assembleia controlava constantemente os magistrados aos quais se delevaga o poder de executar as decisões tomadas.
Segundo a Constituição de Atenas, os cidadãos erguiam as mãos para votar e assim as decisões eram tomadas. Não deixa de ser intrigante que esse fosse o método, uma vez que uma assembleia poderia reunir vários milhares de homens, uma disciplina extraordinária. Conhece-se pelo menos um caso em que a decisão foi controversa - caso do voto sobre que destino dar à população de Mitilene, que tentou, em 427 a.C., abandonar a aliança ateniense. Inicialmente o voto foi pela morte de todos os homens de Mitilene. Depois, uma nova assembleia recuou e os mitilinenses foram poupados por uma pequena maioria.
Para o voto do ostracismo, no entanto, votava-se através de um caco de cerâmica no qual se escrevia o nome daquele que se considerava perigoso para a cidade e que precisava viver no exílio por dez anos. No caso dessa votação, e também para se atribuir o direito de cidadania, era preciso um quorum de seis mil pessoas.
Nessa civilização da palavra, o papel do orador era crucial. Se nos questionarmos sobre a natureza da autoridade exercida por Péricles, na medida em que ele era um dos dez estrategos eleitos anualmente, não há como duvidar de que ele a devia não apenas ao fato de ter sido reeleito estratego por quinze vezes consecutivas, mas também, e no mínimo em igual medida, à magia de sua palavra.
A bule dos Quinhentos era formada a partir do sorteio anual de cidadãos maiores de 30 anos. Como não se podia ocupar esse cargo mais de duas vezes, grande número de cidadãos podia chegar até ele. A remuneração do cargo da bule possibilitou que todas as camadas da comunidade cívica nela estivessem representadas.Comissões formadas no seio dessa instituição controlavam um certo número de atividades públicas. A bule ainda organizava a eleição ou o sorteio dos magistrados no início de cada ano e, desde as reformas de Efialtes, exercia o poder judiciário juntamente com os tribunais populares da Heliaia.
A Heliaia era o terceiro órgão pelo qual se exercia a soberania popular. Anualmente eram sorteados seis mil nomes de cidadãos maiores de 30 anos. Os tribunais da Heliaia herdaram o essencial dos poderes judiciários do Areópago. Assim, examinavam todos os processos, tanto privados quanto os que envolviam a cidade, e funcionava como instâncias de apelação de todas as decisões tomadas pela assembleia ou pela bule. Um magistrado condenado pela bule, quando de sua prestação de contas, por exemplo, podia apelar aos tribunais.
Num primeiro momento, a soberania da maioria se exercia no seio das assembleias. À época de Péricles, o ano era dividido em dez pritanias, durante as quais os cinquenta membros da bule da tribo em exercício deliberavam quase permanentemente. Havia quatro sessões regulares da assembleia por pritania, isto é, quatro sessões anuais, cada uma com uma ordem do dia precisa. Nessa assembleia, podiam assistir, fazendo uso da palavra, todos os cidadãos atenienses. Ela detinha o poder de decisão sobre todos os assuntos referentes à cidade, às relações com o resto do mundo grego, os problemas de aprovisionamento de Atenas, à organização da vida religiosa e à regulamentação das heranças. Além disso, a assembleia controlava constantemente os magistrados aos quais se delevaga o poder de executar as decisões tomadas.
Segundo a Constituição de Atenas, os cidadãos erguiam as mãos para votar e assim as decisões eram tomadas. Não deixa de ser intrigante que esse fosse o método, uma vez que uma assembleia poderia reunir vários milhares de homens, uma disciplina extraordinária. Conhece-se pelo menos um caso em que a decisão foi controversa - caso do voto sobre que destino dar à população de Mitilene, que tentou, em 427 a.C., abandonar a aliança ateniense. Inicialmente o voto foi pela morte de todos os homens de Mitilene. Depois, uma nova assembleia recuou e os mitilinenses foram poupados por uma pequena maioria.
Para o voto do ostracismo, no entanto, votava-se através de um caco de cerâmica no qual se escrevia o nome daquele que se considerava perigoso para a cidade e que precisava viver no exílio por dez anos. No caso dessa votação, e também para se atribuir o direito de cidadania, era preciso um quorum de seis mil pessoas.
Nessa civilização da palavra, o papel do orador era crucial. Se nos questionarmos sobre a natureza da autoridade exercida por Péricles, na medida em que ele era um dos dez estrategos eleitos anualmente, não há como duvidar de que ele a devia não apenas ao fato de ter sido reeleito estratego por quinze vezes consecutivas, mas também, e no mínimo em igual medida, à magia de sua palavra.
A bule dos Quinhentos era formada a partir do sorteio anual de cidadãos maiores de 30 anos. Como não se podia ocupar esse cargo mais de duas vezes, grande número de cidadãos podia chegar até ele. A remuneração do cargo da bule possibilitou que todas as camadas da comunidade cívica nela estivessem representadas.Comissões formadas no seio dessa instituição controlavam um certo número de atividades públicas. A bule ainda organizava a eleição ou o sorteio dos magistrados no início de cada ano e, desde as reformas de Efialtes, exercia o poder judiciário juntamente com os tribunais populares da Heliaia.
A Heliaia era o terceiro órgão pelo qual se exercia a soberania popular. Anualmente eram sorteados seis mil nomes de cidadãos maiores de 30 anos. Os tribunais da Heliaia herdaram o essencial dos poderes judiciários do Areópago. Assim, examinavam todos os processos, tanto privados quanto os que envolviam a cidade, e funcionava como instâncias de apelação de todas as decisões tomadas pela assembleia ou pela bule. Um magistrado condenado pela bule, quando de sua prestação de contas, por exemplo, podia apelar aos tribunais.
Bibliografia consultada: MOSSÉ, Claude. Péricles - o inventor da democracia. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Estação Liberdade, 2008, p. 69-85.
#HJ6 O Czar e o Judeu
domingo, 27 de outubro de 2019
Nicolau II, o último czar, em revista às tropas russas.
O Czar passa em revista um regimento e dirigindo-se a um soldado, pergunta:
- Como te chamas?
- David Bernstein, Majestade.
- Você é feliz?
- Como quer Vossa Majestade que eu seja feliz? Sou judeu, não posso abandonar o território em que estamos cercados, não posso ir a Moscou, não posso estudar, não posso chegar a ser oficial, não posso expressar minhas opiniões livremente, não posso alimentar minha família, não posso...
- Ora, Bernstein! Achas que eu sou feliz? Meus ministros me roubam, meus conselheiros me enganam, armam complôs contra mim, vivo isolado e sou digno de mais compaixão do que tu...
E o soldado:
- Vossa Majestade quer saber de uma coisa? Vamos juntos para Nova York!
FINZI, Patricia et al. (edição, seleção e textos). Do Éden ao divã - Humor Judaico. São Paulo: Shalom, 1990, p. 32.
#HJ5 O Cão "Judeu" do Oficial Russo
sábado, 26 de outubro de 2019
Oficiais do Exército Imperial Russo. Início do Século XX.
A Europa Oriental foi o berço do humor judaico, o lugar em que ele deu seus primeiros passos no seculo XIX, usando a língua ídiche. Seu desenvolvimento seguiu-se ao do chassidismo, este movimento místico judaico que reivindicou a alegria, a canção e a dança como formas adequadas de entrar em contato com a espiritualidade e a divindade. De alguma forma, muitas das características essenciais ao humor judaico são as mesmas do chassidismo, desde a ingenuidade e ternura, até a familiaridade subentendida a todos os judeus. Assim mostram as piadas #HJ5, #HJ6 e as seguintes.
Um judeu de Kiev estava num trem, quando entrou um oficial russo com seu cão.
- Aqui Mendel! - disse o militar para o cachorro - Senta-te aqui, e não late Mendel!
- Realmente é uma lástima - observou o judeu - que seu cachorro tenha um nome judaico.
- Por quê? - perguntou o oficial.
- Porque com este nome nunca será um oficial.
FINZI, Patricia et al. (edição, seleção e textos). Do Éden ao divã - Humor Judaico. São Paulo: Shalom, 1990, p. 19 e 31.
Grã-Bretanha, final dos anos 1970
sexta-feira, 25 de outubro de 2019
Um dos protestos pelo desarmamento nuclear em Londres, Reino Unido.
"(...) No final dos anos de 1970 parecia que a Grã-Bretanha estava pronta a renunciar a tudo o que era importante: o orgulho, a iniciativa, os ideais de liberdade e de cidadania e até mesmo suas fronteiras e a defesa nacional. Era a época da Campanha pelo Desarmamento Nuclear, e a 'paz ofensiva' soviética que pretendia desarmar a Aliança Ocidental com o trabalho dos 'idiotas úteis', como Lenin celebremente os descreveu. O país parecia estar chafurdando em um sentimento de culpa coletiva, reforçado por uma crescente cultura de dependência. Pra os políticos de esquerda, 'patriotismo' se tornara um palavrão. Para os políticos da direita, nada parecia importar, salvo o ímpeto de fazer parte da nova Europa, cujos mercados nos protegeriam das piores consequências da estagnação do pós-guerra. O interesse nacional foi substituído por interesses escusos: dos sindicatos, das autoridades políticas e dos 'capitães da indústria'."
SCRUTON, Roger. Como ser um conservador. Tradução de Bruno Garschagen. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 2015, p. 19.
O Aumento do Fanatismo na Atualidade
quinta-feira, 24 de outubro de 2019
Protesto antissemita de muçulmanos. Berlim, Alemanha, dezembro de 2017.
"(...) Talvez uma das causas para o aumento do fanatismo seja a avidez cada vez mais acentuada por soluções simples e contundentes, pela salvação 'de um golpe só'. Além disso, estamos todos nos afastando dos horrores que aconteceram na primeira metade do século XX: Stálin e Hitler, sem que fosse sua intenção, fizeram com que duas ou três gerações que lhes sucederam desenvolvessem um temor profundo ante todo extremismo e, em certa medida, uma contenção dos instintos que levam ao fanatismo. Durante algumas dezenas de anos, graças aos maiores assassinos que o século XX conheceu, racistas se envergonhavam um pouco de seu racismo, quem estava cheio de ódio reprimia um pouco do seu ódio, e os redutos de fanatismo no mundo controlavam um pouco suas manifestações, talvez não em toda parte, mas pelo menos em alguns lugares.
Nos anos mais recentes parece que esse 'tributo' de Stálin, de Hitler, dos militaristas japoneses, está se aproximando do seu prazo de validade. A vacinação parcial que recebemos está se esgotando; ódio, fanatismo, aversão ao outro e ao diferente, brutalidade revolucionária, o fervor em 'esmagar definitivamente todos os malvados mediante um banho de sangue', tudo isso está ressurgindo."
OZ, Amós. Mais de uma luz: fanatismo, fé e convivência no século XXI. Tradução de Paulo Geiger. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 20-21.
Um Antídoto para o Fanatismo
quarta-feira, 23 de outubro de 2019
No dia 7 de janeiro de 2015, terroristas islâmicos assassinaram 12 pessoas num ataque contra o jornal satírico francês Charlie Hebdo.
OZ, Amós. Mais de uma luz: fanatismo, fé e convivência no século XXI. Tradução de Paulo Geiger. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2017, p. 40.
Palestra de Amós Oz (1939-2018)
segunda-feira, 21 de outubro de 2019
Amós Oz faleceu no dia 28 de dezembro de 2018, vítima de câncer.
#HJ4 Um Judeu no Senado Romano
domingo, 20 de outubro de 2019
O senado romano planejou adotar uma lei que proibia a observância do sábado e a prática da circuncisão. Rabi Reuven decidiu enganar os opressores. Disfarçando-se de romano, compareceu ao senado e disse: "Detestais os judeus; entretanto, os ajudareis a enriquecer se os fizerdes trabalhar sete dias ao invés de seis." O senado revogou a primeira parte da proibição. Rabi Reuven continuou: "Se os judeus são detestáveis, quanto menos sobrar deles, melhor." A segunda parte da lei também foi revogada.(Meguilá, 17a)
FINZI, Patricia et al. (edição, seleção e textos). Do Éden ao divã - Humor Judaico. São Paulo: Shalom, 1990, p. 17.
#HJ3 Rabi Gamaliel
sábado, 19 de outubro de 2019
Língua bovina kosher.
Rabi Gamaliel ordenou a seu criado Tobias que fosse ao mercado comprar o que de melhor houvesse. O criado trouxe uma língua. No dia seguinte, rabi Gamaliel o mandou ao mercado pra que comprasse o que de pior houvesse, e Tobias voltou a trazer-lhe uma língua. Intimado a dar explicação, disse:
- A boa língua é o que há de melhor no mundo. Mas a má língua é o que há de pior.
FINZI, Patricia et al. (edição, seleção e textos). Do Éden ao divã - Humor Judaico. São Paulo: Shalom, 1990, p. 14.
#HJ2 Rabis Abaú e Hia ben Aba
sexta-feira, 18 de outubro de 2019
Surgidos também no período talmúdico, os textos do Midrash não são comentários sobre a Lei, mas parábolas utilizadas pelos rabinos em seus sermões com o objetivo de tornar mais claro o sentido de algum trecho da Bíblia ou dos preceitos. Rico em elementos folclóricos, o Midrash é muito apreciado pelas classes populares, como mostram os relatos dos posts #HJ2, #HJ3 e #HJ4.
Rabi Abaú e rabi Hia ben Aba chegaram ao mesmo tempo na mesma cidade. Rabi Hia pronunciou um discurso erudito sobre a Lei, enquanto rabi Abaú fazia um sermão midráshico. O povo abandonou rabi Hia para ouvir rabi Abaú.
Rabi Hia ficou profundamente abatido. Seu colega, então, lhe disse:
- Ouve esta parábola: dois homens entraram na mesma cidade; um oferecia pedras preciosas e pérolas, o outro vendia simples bijuterias. Em torno de quem se aglomerou o povo? Com certeza em torno do vendedor de bijuterias, porque era isto o que podiam comprar.
Rabi Abaú e rabi Hia ben Aba chegaram ao mesmo tempo na mesma cidade. Rabi Hia pronunciou um discurso erudito sobre a Lei, enquanto rabi Abaú fazia um sermão midráshico. O povo abandonou rabi Hia para ouvir rabi Abaú.
Rabi Hia ficou profundamente abatido. Seu colega, então, lhe disse:
- Ouve esta parábola: dois homens entraram na mesma cidade; um oferecia pedras preciosas e pérolas, o outro vendia simples bijuterias. Em torno de quem se aglomerou o povo? Com certeza em torno do vendedor de bijuterias, porque era isto o que podiam comprar.
FINZI, Patricia et al. (edição, seleção e textos). Do Éden ao divã - Humor Judaico. São Paulo: Shalom, 1990, p. 14.
#HJ O Que é Humor Judaico?
quinta-feira, 17 de outubro de 2019
Publicarei, aqui no blog, uma seleção das melhores piadas do livro Do Éden ao Divã - Humor Judaico. Acompanhe a partir da hashtag #HJ .
O que vem a ser "humor judaico"? Para começo de conversa, é o humor que é abertamente judeu em suas preocupações, tipos, definições, linguagem, valores ou símbolos. (Uma piada judaica reza uma definição, é aquela que nenhum gói pode entender e que todos os judeus dizem já ter ouvido antes.) Mas nem todo humor judaico deriva de fontes judias, assim como nem todo humor criado por judeuas é necessariamente judaico. O humor judaico é demasiado rico e diversificado para ser descrito adequadamente por uma simples generalização. Os teólogos judeus costumavam dizer que é mais fácil descrever Deus em termos do que Ele não é. O mesmo processo pode ser útil para a compreensão do humor judaico. Ele não é escapista, não é grosseiro, não é cruel; ao mesmo tempo, também não é polido ou gentil.
O humor judaico normalmente versa sobre temas como: a comida, a família, negócios, o antissemitismo, a riqueza e a pobreza, a saúde e a sobrevivência. Há nele uma fascinação com a lógica; mais precisamente, pelo tênue limite que separa o racional do absurdo.
Na forma de comentário social ou religioso, o humor judaico pode ser sarcástico, queixoso, resignado, provocando, não uma gargalhada, mas um sorriso melancólico, um aceno de cabeça, um suspiro. Reações diferentes das que experimentamos em cenas cômicas, em que o riso deriva do infortúnio dos outros.
O humor judaico tende a ser antiautoritário. Ele ridiculariza a grandiosidade e a auto-indulgência, a hipocrisia, a pomposidade. Ele é fortemente democrático, enfatizando a dignidade e o valor do cidadão comum, satirizando figuras proeminentes da sociedade em geral e também do mundo judaico, como os rabinos, cantores de sinagogas, sábios, intelectuais, professores, doutores, homens de negócios, filantropos. Ele recorre à familiaridade, à intimidade; e neste sentido dá margem à ternura.
O judeu ri. Mas ri do que, e por quê? A análise do humor, em geral, que esboçamos acima, permite sugerir uma resposta. O judeu ri de si mesmo e dos outros judeus. Ao rir, o judeu indefeso diante da violência (o humor judeu nasce às vezes dentro do campo de concentração), afirma sua superioridade, seu próprio ego e seu direito a viver sem restrições. E seu riso é profundo porque nasce de uma percepçõa particularmente aguda do absurdo das limitações a ele impostas por entidades aparentemente dignas do maior respeito: o mundo não-judaico e as figuras de proa da sua própria comunidade.
Por outro lado, o humor não luta só contra, ele luta também por: por uma ética pessoal isenta dos preceitos restritivos tradicionais, por uma sociedade mais justa, e pela liberdade de cada qual ser como é sem temer a ação insidiosa do preconceito. Em todo o ceticismo, em toda a desconfiança, em todo o conhecimento da transitoriedade das coisas 'importantes' aos olhos dos homens, ressoam no fundo das melhores piadas judaicas, ecos proféticos e messiânicos, ainda que às vezes pálidos e secularizados.
O humor judaico normalmente versa sobre temas como: a comida, a família, negócios, o antissemitismo, a riqueza e a pobreza, a saúde e a sobrevivência. Há nele uma fascinação com a lógica; mais precisamente, pelo tênue limite que separa o racional do absurdo.
Na forma de comentário social ou religioso, o humor judaico pode ser sarcástico, queixoso, resignado, provocando, não uma gargalhada, mas um sorriso melancólico, um aceno de cabeça, um suspiro. Reações diferentes das que experimentamos em cenas cômicas, em que o riso deriva do infortúnio dos outros.
O humor judaico tende a ser antiautoritário. Ele ridiculariza a grandiosidade e a auto-indulgência, a hipocrisia, a pomposidade. Ele é fortemente democrático, enfatizando a dignidade e o valor do cidadão comum, satirizando figuras proeminentes da sociedade em geral e também do mundo judaico, como os rabinos, cantores de sinagogas, sábios, intelectuais, professores, doutores, homens de negócios, filantropos. Ele recorre à familiaridade, à intimidade; e neste sentido dá margem à ternura.
O judeu ri. Mas ri do que, e por quê? A análise do humor, em geral, que esboçamos acima, permite sugerir uma resposta. O judeu ri de si mesmo e dos outros judeus. Ao rir, o judeu indefeso diante da violência (o humor judeu nasce às vezes dentro do campo de concentração), afirma sua superioridade, seu próprio ego e seu direito a viver sem restrições. E seu riso é profundo porque nasce de uma percepçõa particularmente aguda do absurdo das limitações a ele impostas por entidades aparentemente dignas do maior respeito: o mundo não-judaico e as figuras de proa da sua própria comunidade.
Por outro lado, o humor não luta só contra, ele luta também por: por uma ética pessoal isenta dos preceitos restritivos tradicionais, por uma sociedade mais justa, e pela liberdade de cada qual ser como é sem temer a ação insidiosa do preconceito. Em todo o ceticismo, em toda a desconfiança, em todo o conhecimento da transitoriedade das coisas 'importantes' aos olhos dos homens, ressoam no fundo das melhores piadas judaicas, ecos proféticos e messiânicos, ainda que às vezes pálidos e secularizados.
Adaptado de FINZI, Patricia et al. (edição, seleção e textos). Do Éden ao divã - Humor Judaico. São Paulo: Shalom, 1990, p. 1-2.
#HJ1 Rabi Simeão
quarta-feira, 16 de outubro de 2019
Em Roma, idólatras astuciosos interpelaram o Rabi Simeão, conhecido como "o muito sábio":
- Se a vosso Deus não agradam os ídolos, por que Ele, sendo Todo-Poderoso, não os destrói?
Respondeu Simeão:
- Se os homens só adorassem coisas inúteis, Deus decerto destruiria os ídolos que as representam. Mas eles veneram o sol, a luz, os planetas. Deveria o Senhor aniquilar o universo por causa dos estultos?
- Neste caso - insistiu um dos idólatras -, por que não destrói Ele os objetos de culto inúteis, preservando aquilo que é necessário?
- Porque - objetou o sábio - Deus estaria dando argumentos aos defensores da idolatria, que poderiam dizer: "Vede: o sol, a luz, os planetas são os verdadeiros deuses - já que os falsos foram destruídos."
FINZI, Patricia et al. (edição, seleção e textos). Do Éden ao divã - Humor Judaico. São Paulo: Shalom, 1990, p. 9-10.
A Verdade sobre o Multiculturalismo
quinta-feira, 10 de outubro de 2019
"Não à democracia, nós queremos apenas o Islã!"
"Uma vez que distinguimos raça e cultura, o caminho está aberto para reconhecer que nem todas as culturas são igualmente admiráveis e que nem todas as culturas podem existir confortavelmente lado a lado. Negar isso é renunciar a própria possibilidade de um juízo moral e, portanto, negar a experiência fundamental de comunidade. É exatamente o que tem feito os multiculturalistas hesitarem. É a cultura, não a natureza, que diz a uma família que, caso a filha se apaixone por alguém de fora do círculo permitido, deverá ser morta, que meninas devem se submeter à mutilação genital caso queiram ser dignas de respeito, que o infiel deve ser eliminado quando Alá ordenar. Podemos ler sobre essas coisas e achar que pertencem à pré-história do nosso mundo. Mas, quando de repente acontecem em nosso meio, estamos aptos a despertar para a verdade sobre a cultura que os multiculturalistas defendem. Estamos aptos para afirmar que essa não é nossa cultura e que ela não tem qualquer direito de estar aqui. E é provável que fiquemos tentados a passar para a fase seguinte, a fase a que o Iluminismo naturalmente nos convida, e dizer que aquela cultura não tem nenhum direito de existir em lugar algum."
SCRUTON, Roger. Como ser um conservador. Tradução de Bruno Garschagen. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 2015, p. 141.
A Falácia do Tratamento Igualitário
quarta-feira, 9 de outubro de 2019
A fábula da formiga e da cigarra: há quem hoje chamaria a formiga de "fascista"...
"Socialistas acreditam que, em algum sentido profundo, os seres humanos são todos iguais e que, quando obtêm os benefícios concedidos pela adesão como membro da sociedade, essa igualdade deveria mostrar-se na forma como as pessoas são tratadas. Muito do que significa o tratamento igualitário é, obviamente, controverso. Criminosos não são tratados da mesma maneira que os cidadãos cumpridores da lei. Pessoas velhas, frágeis e aleijadas não são tratadas da mesma maneira que pessoas de corpo sadio. O socialismo significa, contudo, para a maioria de seus defensores, um programa político planejado para assegurar a todos os cidadãos igual oportunidade de uma vida plena, exista ou não a possibilidade de isso ser realizado. Se pessoas decidem arruinar suas chances, ou obter alguma vantagem injusta por meio de um crime, devem, então, sofrer as consequências. Mas a maior parte dos socialistas hoje em dia adere a uma doutrina de 'justiça social', segundo a qual não se trata de um infortúnio, mas de uma injustiça quando pessoas honestas e corretas começam a vida em uma situação desfavorável que não podem superar com seus próprios esforços e que apresenta um obstáculo inalterável que as impedem de receber os benefícios de pertencer à sociedade."
SCRUTON, Roger. Como ser um conservador. Tradução de Bruno Garschagen. 3 ed. Rio de Janeiro: Record, 2015, p. 69.